É preciso ter em mente que, via de regra, a pretensão de obter ressarcimento em face de lesões ao erário público submete-se aos efeitos da prescrição. É o que se extrai do tema de repercussão geral 666 do STF que estabelece que é “prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil".
E qual seria o prazo prescricional para exercitar a pretensão de obter ressarcimento por lesões ao erário público? Bom, na falta de norma regulamentadora específica, o prazo prescricional referencial em matéria de direito administrativo é, em observância ao Decreto 20.910/32, de cinco anos (v.g. MS 32.201/DF no STF e AgRg no AREsp 750.574/PR no STJ).
Mas e quanto as lesões ao erário provocadas por atos de improbidade administrativa? Bom, aí temos um regime excepcional sujeito, como não poderia ser diferente, a regras que lhes são próprias.
A primeira peculiaridade do regime jurídico aplicável às lesões ao erário provocadas por atos de improbidade administrativa é extraída do tema de repercussão geral 897, no qual o STF, com base no art. 37, § 5º da CF/88 entendeu que “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na lei de improbidade administrativa".
Assim, diferentemente das lesões ao erário que decorrem de ilícitos civis cuja pretensão ressarcitória prescreve em cinco anos, as lesões ao erário provenientes de atos de improbidade administrativa não sofrem os efeitos da prescrição.
Mas para que uma pretensão de ressarcimento decorrente de lesão ao erário seja imprescritível é preciso que haja a configuração da ocorrência de um ato de improbidade administrativa.
E aí que temos outras duas peculiaridades deste regime jurídico das lesões ao erário provocadas por atos de improbidade administrativa: só há ato de improbidade de administrativa se houver uma decisão judicial transitada em julgado caracterizando-o como tal e só há ato de improbidade administrativa se a decisão judicial que o caracteriza como tal obedecer aos prazos previstos na nova lei de improbidade administrativa.
Veja, como não é possível que o Ministério Público ou o Tribunal de Contas administrativamente configurem um ato como ímprobo (vide no caso das Cortes de Contas o RE 636.886/AL no STF), repita-se: a imprescritibilidade da pretensão ao ressarcimento ao erário só surge após o trânsito em julgado de uma decisão judicial que ateste a ocorrência de atos de improbidade.
Formado em juízo tal título executivo, que declare a existência da prática de ato doloso tipificado na lei de improbidade administrativa, a pretensão ressarcitória daí decorrente é imprescritível.
Entretanto, para a formação deste aludido título executivo, o iter para caracterizar em juízo um ato como ímprobo precisa respeitar as regras de prescrição previstas no caput e nos §§ 4º e 5º do art. 23 da lei de improbidade administrativa com a redação que lhes foi conferida pela lei 14.230/21.
Havendo incidência nas hipóteses de prescrição previstas na lei 14.230/21, resta afetada a configuração do ato de improbidade e, sem tal configuração, não há a formação do título executivo dotado de imprescritibilidade.
Vamos a um exemplo: se um agente público em 8/12/21 “permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado” violando o art. 10, V da lei de improbidade administrativa, a ação para de fato configurar tal ato como ímprobo há de ser ajuizada até 8/12/29 (vide caput do art. 23 da nova lei de improbidade administrativa), sob pena de incidir a prescrição que, uma vez incidindo, eliminará a possibilidade da formação de um título executivo dotado de imprescritibilidade.
Vamos ainda a outro exemplo: se a ação contra esse mesmo agente público que em 08/12/2021 permitiu ou facilitou a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado foi ajuizada em 19/12/21, a sentença condenatória deverá ser publicada até 19/12/2025; a decisão ou acórdão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal que confirmar a sentença condenatória deverá ser publicada até 19/12/29; a decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirmar o acórdão condenatório deverá ser publicada até 19/12/2033 e a decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirmar o acórdão condenatório deverá ser publicada até 19/12/2037 (vide §§ 4º e 5º do art. 23 da nova lei de improbidade administrativa).
Neste segundo exemplo a ação de improbidade administrativa pode tramitar por no máximo 16 anos para formar o título executivo imprescritível e não pode superar os 4 anos em cada um dos marcos temporais fixados para a prescrição intercorrente após o ajuizamento: publicação da sentença condenatória e publicação das decisões ou acórdãos que a confirmarem nas instâncias subsequentes.
Assim, que fique claro: só há de se falar em imprescritibilidade do ressarcimento ao erário quando a lesão aos cofres públicos decorrer de um ato de improbidade que tenha sido assim caracterizado numa decisão judicial transitada em julgado e proferida dentro dos prazos definidos pela nova lei de improbidade administrativa.