No julgamento do Recurso Especial 1.951.176/SP, a 3ª Turma do STJ decidiu, por acórdão transitado em julgado em 25.11.2021, que a quebra do sigilo bancário para satisfação de dívida civil "constitui mitigação desproporcional desse direito fundamental – que decorre dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, da CF/1988) e do sigilo de dados (art. 5º, XII, da CF/1988) –, mostrando-se, nesses termos, descabida a sua utilização como medida executiva atípica".
O acórdão de relatoria do E. Ministro Marco Aurélio Bellizze entendeu que a quebra do sigilo bancário somente é possível quando "destinar-se à salvaguarda do interesse público", sendo certo que "ainda que baseado em suposta fraude", a quebra do sigilo "pressupõe a existência de elementos indiciários da prática do ato fraudulento que implique prejuízo ao interesse público, em virtude da sua gravidade e reprovabilidade, não bastando meras alegações de interesse nitidamente privado".
O julgamento, embora não submetido a qualquer forma de vinculação (art. 927 do CPC), destaca a excepcionalidade da quebra do sigilo e mais do que isso: dá força ao entendimento segundo o qual não é possível a utilização de mecanismos visando a quebra do sigilo bancário como medida executiva 'atípica' em todo e qualquer processo envolvendo tão somente interesses particulares.
O acórdão não seguiu a melhor orientação, haja vista que a quebra de sigilo bancário não é sequer medida 'atípica', mas sim medida executiva 'típica', que pode e deve ser utilizada sempre que seja necessária a consulta de bens do devedor, sendo o CCS – Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional, principal ferramenta para obtenção de dados após a quebra do sigilo bancário, apenas um dos convênios, termos e acordos assinados entre o Conselho Nacional de Justiça e instituições, órgãos, secretarias, ministérios, empresas privadas, serventias extrajudiciais, entre outros, para localização de bens dos devedores.
Como se sabe, são vários os pactos firmados pelo Conselho Nacional de Justiça, dentre os quais destaca-se: i) SISBAJUD – Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário; ii) RENAJUD – Sistema de Restrição Judicial; iii) INFOJUD – Sistema de informações ao Judiciário; e iv) CCS BACEN – Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional.
O SisbaJud, antigo BacenJud, é um sistema que interliga a Justiça ao Banco Central e às instituições financeiras para agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, via internet.
Dentre as modificações importantes já implementadas em relação ao antigo sistema de pesquisa e bloqueios, destaca-se a ampliação dos ativos buscados, sendo certo que, desde o final de setembro, o pedido engloba, além dos valores em conta corrente, também ativos mobiliários, títulos de renda fixa, ações, entre outros.
Vale registrar que a Corte Especial do STJ, sob o rito dos recursos repetitivos, decidiu que a utilização do sistema BacenJud – agora SisbaJud – prescinde o exaurimento de diligências extrajudiciais por parte do exequente (Tema 425 dos recursos repetitivos)1.
O Renajud tem por objetivo interligar o Judiciário e o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, possibilitando a efetivação de ordens judiciais de restrição de veículos cadastrados no Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAM, em tempo real.
As restrições realizadas através do RENAJUD podem ser de transferência, licenciamento ou circulação (restrição tanto de transferência quanto de licenciamento).
O Sistema de Informações ao Judiciário (InfoJud) é uma ferramenta oferecida aos magistrados – e servidores por eles autorizados – que permite ter o conhecimento dos bens das partes envolvidas em processos judiciais. Esse sistema possibilita, em tempo real, em todo o território brasileiro, a obtenção de dados existentes na Secretaria da Receita Federal do Brasil, a fim de localizar pessoas, seus bens e direitos e identificar potencial prática de fraude à execução, entre outros.
O STJ tem estendido ao sistema InfoJud o quanto fixado no repetitivo 425, no sentido que a utilização desses meios eletrônicos de pesquisas prescinde o exaurimento de diligências extrajudiciais por parte do exequente. A jurisprudência vem consolidando-se nesse sentido: "O STJ possui compreensão firmada de que é legal a realização de pesquisas nos sistemas Bacenjud, Renajud e Infojud, porquanto são meios colocados à disposição da parte exequente para agilizar a satisfação de seus créditos, dispensando-se o esgotamento das buscas por outros bens do executado".2
O CCS, por sua vez, é um sistema informatizado que permite indicar onde os clientes de instituições financeiras mantêm contas de depósitos, contas de poupança, depósito de outros bens, direitos e valores, diretamente ou por intermédio de seus representantes legais e procuradores. O principal objetivo do CCS é auxiliar nas investigações financeiras conduzidas pelas autoridades competentes, mediante requisição de informações pelo Poder Judiciário ou por outras autoridades, quando devidamente legitimadas.
O Banco Central do Brasil e o CNJ celebraram o Convênio de Cooperação Institucional em 02.12.2008, permitindo que o Poder Judiciário se utilizasse do mecanismo de consulta das informações contidas no CCS.
Sobre o CCS-Bacen, o STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.938.665/SP, por acórdão transitado em julgado em 26.11.2021, entendeu que "não há qualquer impedimento à consulta ao CCS-Bacen nos procedimentos cíveis, devendo ser considerado como apenas mais um mecanismo à disposição do credor na busca para satisfazer o seu crédito".
O referido acórdão de relatoria da E. Ministra Nancy Andrighi é diametralmente oposto ao que entendeu a mesma Terceira Turma no julgamento do REsp nº 1.951.176/SP, citado no início desse comentário e transitado em julgado no dia imediatamente anterior. Naquele, entendeu-se que a quebra do sigilo bancário se justifica apenas quando há interesse público, como, por exemplo, nos casos de investigações criminais.
Já no acórdão de relatoria da ministra Nancy Andrighi, com total razão, restou consignado que o acesso ao CCS "funciona como meio para o atingimento de um fim, que poderá ser a penhora de ativos financeiros por meio do Bacenjud", não sendo "razoável, assim, permitir a realização de medida constritiva por meio do Bacenjud e negar a pesquisa exploratória em cadastro meramente informativo, como é o caso do CCS".
De fato, o bloqueio e transferência de valores via Sisbajud é muito mais 'invasivo' do que a mera consulta das movimentações financeiras via CCS-Bacen, contudo, é ferramenta extremamente utilizada. Ainda nas palavras da Ministra Nancy Andrighi:
Na hipótese dos autos, nota-se, portanto, a excrescência jurídica que a hermenêutica equivocada pode levar na aplicação do direito à espécie. Medidas como a penhora de dinheiro via BacenJud, que, efetivamente, incursionam no patrimônio executado, são passíveis de determinação, a qualquer tempo, pelo Poder Judiciário, sem a necessidade de esgotamento das buscas por bens do devedor, pois consideradas meios colocados à disposição da parte exequente para agilizar a satisfação de seu crédito.
Não obstante, o CCS-Bacen, sistema cadastral que informa se o correntista ou cliente possui algum relacionamento com a instituição financeira, como conta corrente, poupança e investimentos, sem, contudo, congregar dados relativos a valor, movimentações ou saldos de contas e aplicações, acaba por ser extraído dos meios de consulta disponíveis ao credor. Ora, como é claro, o acesso ao CCS não se confunde com a penhora de dinheiro via BacenJud, mas, como meio de consulta, pode servir-lhe como subsídio.
Assim, o julgamento do STJ no REsp nº 1.951.176/SP deve ser visto com ressalvas, na medida em que representa retrocesso no caminho de evolução de mecanismos tendentes a localizar bens do devedor para satisfação das inúmeras execuções frustradas em razão da aparente insolvência da parte executada. Deve prevalecer o entendimento fixado no julgamento do STJ no REsp nº 1.938.665/SP, da mesma Turma Colegiada e ocasião – novembro/2021 –, esperando-se que haja a imediata consolidação da jurisprudência nesse sentido. Não é recomendável a coexistência de entendimentos recentes e tão opostos dentro das mesmas Turmas de Tribunais Superiores.
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1 STJ. Resp 1.184.765/PA (Tema 425). Min. Rel. LUIZ FUX, Primeira Seção. j. 24.11.2010.
2 STJ. REsp 1.845.322/RS, Segunda Turma, Min. Rel. HERMAN BENJAMIN, j. 10.12.2019.