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Aspectos gerais do credenciamento na lei 14.133/21

Durante a lei 8.666/93 o credenciamento esteve, em razão de omissão legal, cercado de inseguranças. Porém a lei 14.133/21 adveio com o propósito de solucionar essa problemática.

10/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

Ao prever que os eventos em que o dever de licitar é possível de ser afastado ou é absolutamente impraticável, a legislação estabeleceu as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação.

As hipóteses de dispensa de licitação constituem um rol taxativo, podendo ser empregadas mediante autorização expressa em lei, enquanto as hipóteses de inexigibilidade compõem uma vasta gama de possibilidades, pois a sua ocorrência se dará sempre que houver inviabilidade de competição. Ocorre que o Legislador, ao tempo de edição da lei 8.666/93, não detalhou o credenciamento entre as principais possibilidades de anulação da disputa entre os agentes de mercado. Coube, portanto, aos tribunais de contas e à escassa doutrina especializada a definição de procedimentos e enquadramento do Credenciamento como hipótese de licitação inexigível.

A presente pesquisa revelará, portanto, como a Corte de Contas construiu e estabeleceu as definições, critérios e formas do credenciamento durante a vigência da lei 8.666/93, e como essas construções interpretativas colaboraram para a edição da lei 14.133/21, conduzindo assim à mitigação das inseguranças causadas pela indefinição do Credenciamento no império da lei anterior.

O objetivo do estudo consiste em responder o seguinte questionamento: "o advento da nova legislação foi capaz de encerrar a senda de inseguranças acerca da utilização do credenciamento como hipótese de inexigibilidade licitatória?".

2 licitação NO BRASIL

2.1 FINALIDADE E OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO

A Constituição Federal de 1988, diversamente da anterior, determinou, em seu art. 37, XXI, a execução de licitação como regra geral para que a Administração Pública adquira bens e realize a contratação de serviços. A consagração do instituto às linhas constitucionais visa essencialmente não deixar ao exclusivo arbítrio do administrador público a escolha dos agentes econômicos a serem contratados, pois evidentemente tal liberdade favoreceria a atuação de administradores inescrupulosos, que se utilizariam de tal poder para a realização de negócios fraudulentos e violadores do interesse público.

A licitação, conforme os entendimentos de Carvalho Filho (2015, p. 240), pode ser entendida como um procedimento administrativo e vinculado que visa proporcionar à Administração Pública, para fins de contratação, a seleção da melhor proposta fornecida por um entre diversos interessados. Caracteriza-se, portanto, essencialmente, por verdadeira disputa entre diversos fornecedores que possuem o objetivo de negociar com o Poder Público, tendo este o propósito de selecionar aquele que representa maior vantajosidade ao interesse coletivo.

Ensina-nos Carvalho Filho (2015, p. 241) que "[...] não pode a Administração abdicar do certame licitatório antes da celebração de seus contratos, salvo em situações excepcionais definidas em lei". Na mesma toada, Meirelles, Burle Filho e Burle (2016, p. 307) afirmam que a licitação "[...] é o antecedente necessário do contrato administrativo; o contrato é o consequente lógico da licitação", e ainda que somente "[...] a lei pode desobrigar a Administração, quer autorizando a dispensa de licitação, quando exigível, quer permitindo a substituição de uma modalidade por outra [...]" (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 326). Ainda conforme ressaltado em parecer exarado pela Advocacia Geral da União (2017), a realização de licitação pública visa à elevação do princípio da isonomia e, de maneira indireta, o prestígio aos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade.

A evidência, portanto, é que consiste em obrigatoriedade à Administração a realização de licitação pública, resguardados a isonomia e a supremacia do interesse público.

2.2 CONTRATAÇÕES DIRETAS NA lei 8.666/93

Conforme destaque feito por Justen Filho (2014, p. 390), a própria CF/1988 se encarregou de estabelecer outras possibilidades em que é afastada a presunção de que a licitação produz a melhor contratação, dispondo para a Administração instrumentos para realização de contratação direta. Esses instrumentos foram tratados por meio da lei 8.666/93, que ora transita à revogação completa, e pela Nova Lei de Licitações e Contratos, a lei 14.133/21. Os instrumentos são a dispensa e a inexigibilidade de licitação, classificados como modos de contratação direta (BRASIL, 2021).

No entendimento de Justen Filho (2014, p. 391), "[...] não seria absurdo afirmar que a contratação direta deve ser aplicada como uma modalidade anômala de licitação", isto é, contratar diretamente, sem licitação, é uma excepcionalidade que deve ser utilizada somente quando for mais conveniente ao interesse público ou quando a lei assim determinar. Contratar diretamente, sem realização da regra constitucional do procedimento licitatório, consistirá uma delicada operação dos recursos públicos e a não obediência estrita aos quesitos legais que autorizam ou determinam a inobservância do dever de licitar consistirá em flagrante ato antijurídico.

A necessidade de regulamentação legal das hipóteses constitucionais de contratação direta mostrou-se evidente. As hipóteses foram objeto de tratamento tanto pela lei 8.666/93 quanto pela lei 14.133/21. Ambos os diplomas legais estabeleceram rol taxativo de possibilidades de dispensa de licitação e exemplificativo para inexigibilidade de licitação. Haverá dispensa quando a lei expressamente o indicar e inexigibilidade sempre que houver a ocorrência do evento inviabilidade de competição.

2.2.1 Inexigibilidade de licitação

A inexigibilidade de licitação, ao contrário da dispensa, será utilizada em razão da impossibilidade de realização do procedimento licitatório, porque há a inviabilidade da disputa entre os agentes econômicos. Caracteriza-se essencialmente, portanto, pela anulação completa da possibilidade de licitação. No entendimento de Higa, Castro e de Oliveira (2018, p. 198), refere-se à inexigibilidade aos casos em que, por causa da ausência de competição, não existe ao administrador a faculdade para licitar.

Ao citarem Maria Zanella di Pietro, momento em que reforçam que na inexigibilidade há marcante presença da inviabilidade de competição, os doutrinadores Higa, Castro e de Oliveira (2018, p. 221), referem-se às hipóteses descritas no artigo 25, da lei 8.666/93, como sendo de cunho exemplificativo, visto a existência da expressão "em especial", que comporta a inclusão de outros casos, desde que esses também anulem a possibilidade de competição entre fornecedores.

À vista disso, a lei 8.666/93 descreve em rol não exaustivo três hipóteses especiais em que seria inviabilizada a competição, são elas: fornecedor exclusivo, atividades artísticas e serviços técnicos especializados.

2.2.1.1 Credenciamento  

Como veremos, o Credenciamento não possui previsão expressa na lei 8.666/93 e consiste fundamentalmente na contratação de todos os agentes econômicos interessados, o que inibiria a competição, elemento fundamental da licitação. A doutrina de Higa, Castro e de Oliveira (2018, p. 222) menciona que o Credenciamento "[...] se justifica nos casos em que, para que haja o atendimento do interesse público, existe a necessidade de se obter várias propostas vantajosas, descaracterizando, assim, a competição". Trata-se, isso, de uma de várias confirmações acerca da inclusão do credenciamento entre as hipóteses de inexigibilidade de licitação.

3 O CREDENCIAMENTO E A lei 8.666/93

A Lei de Licitações e Contratos que vigora desde a década de 90 manteve-se silente quanto ao Credenciamento, reservando-se a não o definir ou mesmo a autorizar a sua admissão. O principal ponto de escoramento da Administração Pública para a utilização do instituto foram, portanto, as escassas produções doutrinárias e o abundante acervo de decisões tomadas pelos tribunais de contas, especialmente pelo TCU.

Acerca da participação fundamental do TCU na sistematização do instituto, o STJ declarou que:

"[...] o Credenciamento constitui hipótese de inexigibilidade de licitação não prevista no rol exemplificativo do art. 25 da lei 8.666/93, amplamente reconhecida pela doutrina especializada e pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que pressupõe inviável a competição entre os credenciados " (TCU-REsp: 1.747.636, Relator: Gurgel de Faria, Data de julgamento: 9/12/2021, 1ª Turma)

Em sede de Consulta realizada pelo Secretário do Tesouro Nacional, ainda que não conhecida a demanda por ausência de legitimidade, o TCU, em deliberação plenária, acompanhando o voto do relator, decidiu:

"[...] o sistema de credenciamento, quando realizado com a devida cautela, assegurando o tratamento isonômico aos interessados na prestação dos serviços e negociando-se conforme as condições de atendimento, obtendo-se uma melhor qualidade dos serviços além do menor preço, podendo ser adotado sem licitação amparado no art. 25 da lei 8.666/93 " (TCU-Consulta: 104, Relator: Adhemar Paladini Ghisi, Data de julgamento: 27/3/2021, Plenário)

Observa-se, pois, pelas citações acima, que já há largo tempo a sistemática de Credenciamento é admitida pela Tribunal de Contas da União, desde que atendidos determinados critérios caracterizadores. O Credenciamento, portanto, mesmo não expressamente determinado em lei, possui o seu elemento fundamental (a inviabilidade de competição) claramente consagrado pela legislação, sendo indiscutível, como se sabe, a sua possibilidade, desde que presente a impossibilidade de licitar.

3.1 A jurisprudência do TCU acerca da legalidade do Credenciamento  

O ministro relator Raimundo Carneiro, citando trecho das considerações da CEF acerca do voto do saudoso ministro Adhemar Ghisi constante da Decisão 104/1995-Plenário (TCU-TCE: 436, Relator: Raimundo Carneiro, Data de julgamento: 28/1/2020, Segunda Câmara), ressaltou que a compreensão do credenciamento como autêntica hipótese de inexigibilidade de licitação, ainda que não expressamente previsto na lei 8.666/93, está há décadas consolidado na jurisprudência da Corte, conforme se verifica abaixo:

"11. Trata-se de entendimento sedimentado há décadas neste Tribunal, conforme bem assinalado pela Selog ao resgatar as considerações do saudoso Ministro Adhemar Ghisi no Voto condutor Decisão 104/1995-Plenário, verbis: Finalizando, constatamos ter ficado devidamente esclarecido no processo TC 008.797/93-5 [relatório aprovado pelo Plenário em Sessão de09/12/1993, no TC 008.797/93-5, matéria administrativa, sem acórdão associado] que o sistema de credenciamento, quando realizado com a devida cautela, assegurando tratamento isonômico aos interessados na prestação dos serviços e negociando-se as condições de atendimento, obtém-se uma melhor qualidade dos serviços além do menor preço, podendo ser adotado sem licitação amparado no art. 25 da Lei 8.666/93 (grifo acrescido) " (TCU, Relator: Raimundo Carreiro, Data de julgamento: 4/3/2020, Plenário).

Para além disso, a Corte já ratificou a proposta de que o Credenciamento, embora não previsto nos incisos do art. 25 da lei 8.666/93, vem sendo admitido pela doutrina e pela jurisprudência como legítima hipótese de inexigibilidade de licitação (TCU-CONS: 351, Relator: Marcos Bemquerer, Data de julgamento: 3/3/2010, Plenário). Conforme o texto jurisprudencial, o procedimento encontra-se aludido no caput do dispositivo legal, tendo em vista a existência do critério "inviabilidade de competição" para a validade do Credenciamento.

A inviabilidade de competição é fundamental ao Credenciamento enquanto hipótese de inexigibilidade licitatória prevista no art. 25 da lei 8.666/93: "[...] considerado uma forma de contratação válida pela jurisprudência desta Corte de Contas, nas situações em que se observa a inviabilidade de competição pela contratação de todos [...]" (TCU-RA: 352, Relator: Benjamin Zymler, Data de julgamento: 24/2/2016, Plenário).

3.1.1  O TCU e os critérios de legalidade do Credenciamento

A jurisprudência do TCU está orientada no sentido de que há acerto legal na utilização do Credenciamento como hipótese de licitação inexigível. Para isso, estabelece critérios para que seja adotado. Os critérios são a publicação do instrumento editalício, a ampla oportunidade de contratação e a vantajosidade/igualdade de preços aos credenciados.

3.1.1.1 Publicação do instrumento editalício

Por meio do Acórdão, conforme voto do relator, o TCU ressalta que há previsão legal para a utilização do Credenciamento como procedimento de contratação direta pela Administração Pública, sendo ele uma das espécies de inexigibilidade de licitação, que sucede a uma etapa na qual todos os interessados possuem igual oportunidade de se credenciar:

"[...] o credenciamento afigura-se como hipótese prevista na lei, uma espécie de inexigibilidade de licitação no momento de contratação, precedida de etapa prévia, na qual todos tiveram igual oportunidade de se credenciar, ampliando notavelmente as exigências do art. 26 da lei 8.666/93 [...]" (TCU-CONS: 1.150, Relator: Aroldo Cedraz, Data de julgamento: 15/5/2013, Plenário).

Percebe-se que o entendimento da Corte está no sentido que há legalidade na adoção do procedimento quando este é precedido de etapa prévia, momento em que será ampliada a todos os interessados a possibilidade de adesão ao Credenciamento. Sobre isso, há outros julgados que confirmam o entendimento, demonstrando a necessidade de publicação de instrumento editalício que materialize o chamamento público:

"22. Assim, quando a licitação for inexigível porque o gestor manifestou o interesse de contratar todos os prestadores, ele poderá adotar o procedimento de chamada pública, por meio da abertura de um edital e chamar todos os prestadores que se enquadrem nos requisitos constantes do edital para se cadastrarem e contratarem com a Administração Pública" (TCU-REPR: 784, Relator: Marcos Bemquerer, Data de julgamento: 11/4/2018, Plenário).

"9.2.3 na elaboração dos avisos de credenciamento, a escolha do prazo entre a publicação do edital e a entrega dos documentos, dentro da margem discricionária prevista no item 3.2.1.1 do Manual Normativo AD244 da Caixa Econômica Federal, deve guiar-se pelo interesse público e pelo princípio da razoabilidade, considerando as peculiaridades do objeto, a urgência da contratação, a extensão da documentação a ser apresentada e, ainda, a necessidade de atrair um número de interessados que represente o universo do mercado" (TCU-TCE: 436, Relator: Raimundo Carneiro, Data de julgamento: 28/1/2020, Segunda Câmara).

Ainda sobre o tema, diz a jurisprudência do TCU:

"21. E, no caso da inexigibilidade de licitação, o referido Manual de Orientações exemplifica que ela pode ocorrer quando houver incapacidade de se instalar concorrência entre os licitantes, como no caso de haver somente um prestador apto a fornecer o objeto a ser contratado, ou na hipótese de o gestor manifestar interesse de contratar todos os prestadores de serviços de seu território de uma determinada área desde que devidamente especificada no edital" (TCU-REPR: 784, Relator: Marcos Bemquerer, Data de julgamento: 11/4/2018, Plenário).

A elaboração de Edital como etapa prévia à realização dos procedimentos de contratação, constitui etapa necessária, inclusive, aos processos licitatórios em geral, conforme se extrai do art. 38, I, da lei 8.666/93.

Ocorrerá no Edital, desse modo, a descrição dos critérios objetivos que permitirão aos credenciados a contratar, por inexigibilidade, com a Administração Pública.

3.1.1.2 Ampla oportunidade de contratação

A melhor compreensão desse requisito encontra-se descrita na própria jurisprudência do TCU, que estabelece:

"9.2.3. embora não esteja previsto nos incisos do art. 25 da lei 8.666/93, o credenciamento tem sido admitido pela doutrina e pela jurisprudência como hipótese de inexigibilidade inserida no caput do referido dispositivo legal, porquanto a inviabilidade de competição configura-se pelo fato de a Administração dispor-se a contratar todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as condições por ela estabelecidas, não havendo, portanto, relação de exclusão" (TCU-CONS: 351, Relator: Marcos Bemquerer, Data de julgamento: 3/3/2010, Plenário).

Ora, é primordial que haja, para a Administração, o autêntico interesse de contratar com todos os fornecedores disponíveis no mercado, sem que seja a qualquer um imposto algum critério de exclusão, sob risco de tornar viável a competição. A viabilidade de competição, nesse caso, tornaria obrigatório a realização de procedimento licitatório e impossível a inexigibilidade.

3.1.1.3 Vantajosidade/igualdade de preços aos credenciados

O ministro Aroldo Cedraz, em seu voto proferido quando da deliberação plenária, destaca que para a adoção do Credenciamento, a Administração deve demonstrar, além de preenchidos os demais critérios, a vantagem/igualdade dos valores estipulados em relação aos preços praticados no mercado. Vejamos:

"Considerando as reiteradas decisões do TCU no sentido de que o credenciamento deve ser utilizado para a contratação de serviços médicos, jurídicos e de treinamento, desde que a Administração fixe critérios objetivos, e ainda que sejam observados quatro aspectos fundamentais quando da análise da adequação do uso do credenciamento, quais sejam: [...] que reste demonstrado, no processo, a vantagem/igualdade dos valores definidos em relação aos preços de mercado [...]" (TCU-CONS: 1.150, Relator: Aroldo Cedraz, Data de julgamento: 15/5/2013, Plenário).

4 O CREDENCIAMENTO E A lei 14.133/21

O PL 4.253/20, aprovado em 10/12/2020, originou, após os devidos trâmites, a lei 14.133/21, denominada Lei de Licitações e Contratos. A sua existência visa à revogação gradual da lei 8.666/93, antiga lei das licitações e contratos administrativos, da 10.520/02, que rege o pregão, e parte da lei 12.462/11, que cuida do Regime Diferenciado de Contratações.

4.1 Inexigibilidade e Credenciamento

4.1.1 O Credenciamento e a nova legislação

4.1.1.1 Conceito, definição e critérios legais do Credenciamento

A lei 14.133/21, diferentemente da legislação anterior, passou a definir o Credenciamento. Referiu-se ao procedimento em seu artigo 6º, inciso XLIII, como sendo o processo administrativo de chamamento público por meio do qual a Administração convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocado (BRASIL, 2021). 

Ressaltam Nóbrega e de Torres (2021) que a nova lei de licitações não categorizou o Credenciamento como hipótese de inexigibilidade de licitação, mas como um procedimento auxiliar necessário para ulteriores contratações diretas. A compreensão do instituto como um procedimento auxiliar das licitações, como se verifica, tendo em vista ser uma hipótese de exceção à licitação, mostra-se acertada. Sobre isso, destaca-se o seguinte pronunciamento do TJDFT:

"3.1. O credenciamento trata-se de um mecanismo para se efetivar uma contratação em que a licitação seria inexigível, conforme se depreende do art. 25 da lei 8.666/93, ou seja, em casos em que houver inviabilidade de competição" (TJDFT-AGRAVO: 1.137.847, Relator: Vera Andrighi, Data de julgamento: 14/11/2018, 6ª Turma Cível).

A inovação está plenamente evidenciada no texto legal, pois enquanto a lei 8.666/93 deixou apenas implícito a aplicabilidade do Credenciamento quando inviável a competição, a lei 14.133/21 o assimilou por completo em seu conjunto normativo.

A nova lei estabelece no parágrafo único do artigo 79 que o procedimento de credenciamento deverá ser regulamentado. Definiu ainda as seguintes regras para adoção do procedimento:

4.1.1.2 Divulgação e manutenção permanente do edital

No que se refere à essencialidade do edital como instrumento convocatório, o legislador manteve com integridade a mesma regra anterior, sendo, dessa maneira, indispensável ao procedimento, in verbis:

Art. 79, § único, "I - a Administração deverá divulgar e manter à disposição do público, em sítio eletrônico oficial, edital de chamamento de interessados, de modo a permitir o cadastramento permanente de novos interessados" (BRASIL, 2021).

4.1.1.3 Definição de critérios objetivos para distribuição de demandas

Esse critério diz respeito à objetividade quanto a escolha dos credenciados no momento da prestação dos serviços, quando o objeto pretendido não permitir contratações imediatas e simultâneas. Está sinalizada na própria lei, que diz, in verbis:

Art. 79, § único, "II - na hipótese do inciso I do caput deste artigo, quando o objeto não permitir a contratação imediata e simultânea de todos os credenciados, deverão ser adotados critérios objetivos de distribuição da demanda" (BRASIL, 2021).

Verifica-se, portanto, que a escolha efetiva do fornecedor do objeto deverá recair sobre o usuário, não devendo ser uma imputação da própria Administração, sob risco de violação do requisito em estudo. Essa adequada compreensão encontra sustentação em decisão do TCU, assim descrita:

"[...] Considerando as reiteradas decisões do TCU no sentido de que o credenciamento deve ser utilizado para a contratação de serviços médicos, jurídicos e de treinamento, desde que a Administração fixe critérios objetivos, e ainda que sejam observados quatro aspectos fundamentais quando da análise da adequação do uso do credenciamento, quais sejam: contratação de todos os selecionados, mesmo que demandados em quantidade não uniforme; impessoalidade/objetividade na definição da demanda por contratado (TCU-CONS: 1.150, Relator: Aroldo Cedraz, Data de julgamento: 15/5/2013, Plenário).

Essa regra em nada difere do já orientado pelo TCU.

4.1.1.4 Definição de valor da contratação pela própria Administração

Conforme Quirino e Zanzoni (2017), em alinhamento com as decisões do TCU, deve ser observado, entre outros requisitos, a fixação criteriosa de tabela de preços que a Administração estará disposta a pagar, bem como as condições e prazos para pagamento das obrigações.

4.1.1.5 Registro das cotações de mercado no momento da contratação

Esse critério se aplica às hipóteses de mercados fluidos.

Os mercados fluidos, dadas as inúmeras condições que influenciam na mutabilidade constante dos preços, deverão ter suas cotações realizadas no momento da contratação. Trata-se de regra também já utilizada pela Administração no decorrer da vigência da lei 8.666/93 na hipótese de credenciamento de companhias aéreas, por exemplo, em que, realizado todo processo de seleção da companhia aérea credenciada por meio do SCDP, permaneciam armazenadas as cotações feitas no momento da escolha.

4.1.1.6 Vedação ao cometimento do objeto do contrato a terceiros

Estabelece essa regra que o próprio credenciado deverá realizar o objeto contratado, não repassando a responsabilidade a terceiros.

4.1.1.7 Definição de prazos, em edital, para efetivação de denúncia contratual

Trata-se medida de cunho administrativo. A Administração, por essa regra, deverá definir no instrumento convocatório os prazos para a realização de denúncia da relação contratual.

4.1.2 Hipóteses de utilização do Credenciamento  

A lei 14.133/21 estabeleceu a possibilidade de adoção do procedimento de Credenciamento nas seguintes circunstâncias:

  1. paralela e não excludente;
  2. com seleção a critério de terceiros; e,
  3. em mercados fluídos.

4.1.2.1 Hipótese de contratação paralela e não excludente

Trata-se de hipótese em que há a necessidade de a Administração contratar simultaneamente o maior número possível de serviços ou fornecedores. Um clássico exemplo aplicável a essa hipótese é a de contratação de serviços médicos, aos quais serão distribuídas as demandas com racionalidade e isonomia.

4.1.2.2 Hipótese de contratação com seleção a critério de terceiros

A segunda hipótese é a em que a seleção do Credenciado ocorrerá segundo o critério de terceiros, beneficiários diretos da prestação. Ocorre também quando da contratação de serviços médicos, em que o beneficiário direto decidirá, por seus próprios critérios, qual dos credenciados será o melhor para resolução de sua necessidade.

4.1.2.3 Hipótese de contratação em mercados fluidos

Nas palavras de Nóbrega e de Torres (2021), trata-se de novidade pouquíssimas vezes experimentadas antes de nova legislação. Refere-se fundamentalmente aos casos em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção por meio de processo licitatório.

A hipótese de utilização do procedimento de Credenciamento em mercados fluídos permite a adoção do sistema em ambientes econômicos em que existem marcantes incertezas, induzindo-nos à compreensão que é permitido, conforme ressaltado por Nóbrega e de Torres (2021), a contratação sem a prévia definição de preços. Tal coisa ocorre no credenciamento de companhias aéreas, por exemplo, em que há reajustes constantes nos preços das passagens. Parece-nos cabível também na compra de commodities que possuem valores negociados em bolsas de valores e constantemente têm seus preços modificados pelas especulações mercadológicas.

5 Conclusão 

A pesquisa teve como objetivo principal explorar a capacidade da NLLC para resolver as inseguranças advindas da omissão do Credenciamento havida na lei 8.666/93. Para tanto, foram traçadas linhas gerais acerca da evolução das legislações brasileiras que versam sobre o assunto e sobre o dever de licitar e suas exceções regulamentadas em lei. Após essas linhas gerais, passou-se à análise do instituto do credenciamento durante a vigência da LLC, ocasião em que foram estudados os tratamentos que essa Corte dispensou ao instituto em apreço, incluindo o histórico das principais decisões acerca do tema e os critérios de legalidade construídos para o instituto. Por conseguinte, foi realizada a análise da abordagem realizada pela lei 14.133/21, a começar pelo comparativo entre as duas legislações entre a NLLC e a LLC, tendo por fim o conceito, definição e critérios legais do Credenciamento.

A pesquisa evidenciou que as inseguranças relativas ao Credenciamento não se fundamentavam em eventual incerteza acerca de sua existência. A subsunção do sistema de Credenciamento à inexigibilidade de licitação é inconteste, visto que a contratação de todos anula obrigatoriamente a competição entre os agentes que desejam fornecer bens e serviços à Administração Pública. Os dados da pesquisa revelam, portanto, que as inseguranças atinentes ao Credenciamento possuíam como eixo principal a forma de execução do procedimento, não a sua possibilidade.

A lei 8.666/93 viabilizava indiretamente a utilização do Credenciamento, porém não o delimitava, sequer dispunha sobre as regras de seu processamento, seus requisitos além da inviabilidade de competição ou mesmo sua natureza. A nova legislação, diferentemente da lei sucedida, positivou e definiu os requisitos gerais do Credenciamento. Entende-se que a ação de positivar o Credenciamento conferiu a esse o que lhe faltava na legislação anterior.

Portanto, conclui-se que o advento da nova legislação foi capaz de minimizar a senda de inseguranças acerca da utilização do credenciamento.

Breno Almeida Souza
Acadêmico em Direito

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