A pandemia trouxe de volta dois temas que atormentaram a vida dos brasileiros por décadas: a inflação e a concentração de mercado. A inflação, que parecia sob controle, agora ameaça transformar-se em algo generalizado e sistêmico, tanto pelas circunstâncias quanto pela inabilidade em lidar com ela. Esperamos que não.
O outro tema, a concentração de mercado, envolve a consequente falta de competitividade. O Brasil é um país de baixa competitividade devido ao número reduzido de players, ao sistema tributário, à legislação e ao excesso de burocracia. Um grande banco chegou a encerrar suas atividades no país porque as disputas trabalhistas aqui representavam 70% de todos os conflitos do gênero no mundo.
A dificuldade de operação no Brasil – devido justamente aos riscos jurídicos, tributários e burocráticos – força uma concentração no mercado da oferta de produtos. Mesmo assim, muitas vezes se debate concentrar o mercado, no lugar de ampliar a concorrência e reduzir as dificuldades de se investir no país.
O setor aéreo é um exemplo eloquente dessa questão. Após nascer como uma opção ao duopólio Gol-Latam, a Azul se consolidou como uma grande empresa, buscando nichos e expandindo o mercado. Sua entrada incentivou a competitividade de um setor complexo, caro de operar e com regras mais duras do que nos demais países.
Subitamente, porém, e em meio ao processo de recuperação judicial da Latam, a Azul, campeã da desconcentração, agora defende o indefensável: a concentração do setor aéreo de transporte de passageiros por meio da aquisição da concorrente. A própria Azul, em 2019, foi ao Cade buscar remédio para uma potencial concentração que estaria sendo exercida pela Gol em parceria com a MAP/Passaredo.
Enquanto o debate se dava no Brasil, a Justiça norte-americana – onde se debate a recuperação judicial do grupo Latam – aceitava as bases propostas pelos sócios e credores da companhia. Fará sentido para os interesses brasileiros que a Latam saia da recuperação judicial forte e disputando o mercado com outros players, como a Gol e a Azul, e quem mais se dispuser a investir no país.
Por outro lado, em um momento de surto inflacionário, tentar concentrar o mercado e reduzir a competição levará ao inevitável aumento no preço das passagens. A desconcentração do setor é o que ocorre nos Estados Unidos, um dos mercados mais competitivos do mundo – modelo que deveríamos seguir no Brasil.
Ainda que a inflação no segmento tenha causas exógenas, como o câmbio e as condições de financiamento, a fórmula que deveria ter sido adotada – e não foi, apesar de prometida pela equipe econômica – é a de fortalecer as empresas aéreas existentes, reduzir custos indiretos e criar mecanismos de estímulo ao turismo interno.
Tem havido expansão e melhoria na infraestrutura aeroportuária, mas a energia deve ser dirigida para assegurar as condições de competitividade e a expansão da oferta. O brasileiro quer voar, mas os preços somente se tornarão acessíveis com competição e custos justos.
A competição deve se dar até mesmo no que diz respeito ao fornecimento de combustíveis e ao marco tributário. A elevada carga de impostos deve ser combatida. E a eficiência – tanto em nível público quanto em nível privado – deve ser protegida e estimulada. Sem competição, sem eficiência na operação e sem justiça tributária, voar será mais caro e mais difícil.