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Aspectos processuais da reforma da Lei de Improbidade Administrativa (lei 14.230/21)

A análise ora pretendida restringe-se aos principais aspectos processuais contidos na LIA e à sua aplicação aos processos judiciais em curso.

6/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

Em 26/10/21 foi publicada a lei 14.230, que alterou a lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA).

Uma análise inicial é suficiente para revelar que a lei 14.230/21 promoveu profundas alterações na LIA, tanto em termos de direito material quanto no que concerne a regras processuais. Muito mais do que uma simples reforma, não seria despropositado afirmar que temos hoje no Brasil uma nova Lei de Improbidade Administrativa.

Contudo, o presente artigo não enfrentará todas as alterações promovidas pela lei 14.230/21. A análise ora pretendida restringe-se aos principais aspectos processuais contidos na LIA e à sua aplicação aos processos judiciais em curso.

1. Duas palavras sobre direito intertemporal

Há uma série de motivos que conduzem à aplicação do novo regramento não apenas aos atos posteriores à lei 14.230/21, mas também aos processos em curso e aos atos pretéritos ainda não submetidos ao Judiciário.

1.1. Incidência das novas regras aos atos posteriores à lei 14.230/21/21

As alterações à lei 8.429/92 entraram em vigor na data de sua publicação, isto é, em 26/10/21. Portanto, todos os atos praticados após esse marco temporal se submeterão integralmente às novas regras processuais e materiais concebidas pela lei 14.230/21.

1.2. Incidência das novas regras aos atos anteriores à nova Lei, mas ainda não judicializados

O novo regramento aplica-se aos atos praticados na vigência da lei antiga, que ainda não estejam submetidos ao Judiciário. A eventual tramitação de inquérito civil não interfere nessa conclusão. A ação judicial, se e quando for proposta, deverá observar integralmente o regramento trazido pela lei 14.230/21.

1.3. Incidência das novas regras aos processos em curso

Incidem sobre os processos em curso (ações por ato de improbidade administrativa) tanto as regras de direito material quanto as regras de direito processual.

1.3.1. Aplicação imediata das regras processuais

Em 26/10/21 entrou em vigor da nova Lei de Improbidade Administrativa (lei 14.230/21), que alterou profundamente a Lei 8.429/92, até então vigente no país.

O novo regramento possui uma série de novas regras processuais, que se aplicam imediatamente aos processos em curso. É o que se extrai do art. 14 do CPC: "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". A mesma diretriz é extraível do art. 2º do CPP.

Disso decorrem algumas consequências.

Não haverá um direito adquirido ao procedimento existente ao tempo do ajuizamento da demanda. As regras processuais, como regra, incidirão sobre os processos em curso.

Evidentemente que deverão ser respeitados os atos processuais já praticados. Trata-se do emprego da técnica do isolamento dos atos processuais.

Por exemplo, caso já tenha sido realizada a notificação do demandado para o oferecimento de defesa prévia (etapa eliminada pela lei 14.230/21), não há dúvida de que tal direito não poderá ser suprimido do acusado. Contudo, na hipótese de um demandado, em sede de contestação, requerer a sua própria oitiva em audiência (conforme lhe assegura o novo art. 17, § 18, da LIA), não há dúvida de que esse pedido não poderá ser indeferido sob o fundamento de que não havia previsão legal para tanto ao tempo do regramento revogado. Nesse caso, em que o ato ainda não foi praticado, sem dúvida a regra processual mais recente incidirá sobre o processo em curso.

De modo geral, para a aplicação do novo regramento aos processos em curso, caberá ao juiz da causa, em primeiro grau, ou ao Relator, no Tribunal, abrir vista às partes, inclusive de ofício, a fim de que se pronunciem a respeito da incidência do novo regramento ao caso concreto, atentando-se para a necessária adequação diante do estado do processo e de eventual consolidação de direitos processuais. Para esse fim, aplicam-se os arts. 10º, 493 e 933 do CPC.

1.3.2. Aplicação imediata das regras de direito material

Muito embora o presente texto não se dedique a enfrentar as alterações promovidas pela lei 14.230/21 no âmbito do direito material, é oportuno indicar desde logo que algumas das novas regras materiais também se aplicam aos processos em curso.

A ação de improbidade possui caráter essencialmente punitivo. Essa já era a interpretação consagrada na jurisprudência (REsp 1.193.248/MG) e que agora foi positivada no art. 17-D "A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta lei...". 

Disso decorrem consequências relevantes.

O caráter sancionatório da ação de improbidade determina a aplicação do regime do direito sancionador, com a observância de todas as garantias do direito penal e do processo penal em favor do acusado.

De um lado, consagra a diretriz consistente na pessoalidade da pena ("sanções de caráter pessoal"). A aplicação da sanção não pode transbordar a esfera jurídica do infrator.

Por outro lado, trata-se de admitir a incidência, nas ações de improbidade, da garantia contida no art. 5º, XL, da CF/88: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Significa dizer: a lei posterior mais benéfica (novatio legis in mellius) deve ser aplicada ao acusado.

Tais diretrizes permitem concluir que as novas regras materiais mais benéficas aos réus incidirão sobre as ações de improbidade em curso.

Paulo Osternack Amaral
Pós-doutor pela Universidade de Lisboa. Doutor e mestre pela USP. Advogado.

Doshin Watanabe
Mestre em Processo Civil. Advogado em Justen, Pereira, Oliveira e Talamini. Mestre em processo civil pela UFPR.

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