Migalhas de Peso

Os efeitos do Voto Plural na Governança Corporativa

O governo das sociedades é uma componente fulcral na melhoria da eficiência e do crescimento económicos, bem como no reforço da confiança do investidor.

3/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Após abordarmos sobre a possibilidade de utilizar o voto plural nas sociedades limitadas, vamos para o nosso segundo tema: o voto plural e a Governança Corporativa. A Governança Corporativa busca equilibrar as relações de uma empresa, de modo a garantir a transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Dentro dessa premissa, necessário discutirmos os impactos que a introdução do voto plural poderá ter na gestão dos negócios, sob o ponto de vista da governança.

A governança corporativa pode ser conceituada como "as práticas e os relacionamentos entre os Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital."1 Trata-se, pois, de uma forma de conduzir a sociedade otimizando sua atuação, e tornando-a mais atrativa para os investidores. Na expressão de Arnoldo Wald, ela é a "criação do estado de direito dentro da sociedade anônima",2 na medida em que se cria um sistema de controle dos poderes exercidos dentro da sociedade. De acordo com a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, utilizando a expressão governo das sociedades numa tradução para o português:

"O governo das sociedades é uma componente fulcral na melhoria da eficiência e do crescimento económicos, bem como no reforço da confiança do investidor. Envolve um conjunto de relações entre a gestão da empresa, o seu órgão de administração, os seus accionistas e outros sujeitos com interesses relevantes. O governo das sociedades estabelece também a estrutura através da qual são fixados os objectivos da empresa e são determinados e controlados os meios para alcançar esses objetivos"3.

Registre-se, de imediato, que a governança não se destina apenas às sociedades que integram o mercado de capitais, mas a todas as sociedades, em razão dos benefícios que ela pode gerar. Por meio das práticas da governança corporativa, conduz-se a sociedade conciliando interesses de controladores e minoritários, melhorando o seu desempenho. Ao atender os interesses dos acionistas/sócios, a governança corporativa torna as quotas e os valores mobiliários da corporação mais atraentes. Da mesma forma, ela promove as mudanças necessárias para uma melhor condução da sociedade, gerando valor para esta, atraindo investimentos.4

Dentro da Governança Corporativa, foi disseminado o princípio "uma ação é igual a um voto", sendo que o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), em seu Código de Melhores Práticas, recomenda esse princípio, para alcançar uma proporcionalidade entre direito econômico e direito político decorrente do voto e, consequentemente, um alinhamento mais eficaz de interesses entre os sócios.5 A não utilização desse princípio pode levar a formação de monopólios, decisões distorcidas sobre investimentos, de modo a priorizar os sócios controladores.6

Contudo, nos casos de as Sociedades não optarem por utilizar esse princípio, o IBGC recomenda que essa decisão deve:

  1. ser tomada pelo conjunto dos sócios (incluindo aqueles titulares de ações ou quotas sem direito a voto), avaliando se esse eventual desalinhamento de interesses poderá prejudicar o desempenho da organização ou seu acesso a capital;
  2. ser transparente sobre as razões e possíveis impactos da escolha, para que os sócios possam avaliar vantagens e desvantagens dessa estrutura e tomar uma decisão informada a respeito;
  3. assegurar a divulgação de informações completas e claras quanto aos direitos políticos e econômicos associados a cada espécie ou classe de ações ou quotas; e à forma como o controle será exercido na organização;
  4. recomendar a criação de estruturas adequadas no nível do conselho de administração e da assembleia geral, durante a vigência desses direitos especiais, para que as decisões em que haja conflito de interesses do sócio de referência sejam tomadas sem sua participação, apenas por administradores independentes ou pelos demais acionistas.7

Ao permitir a possibilidade do voto plural, o art. 110-A da Lei das Sociedades Anônimas atende diretamente ao: requisito "i", de modo que para ser criada classe de ações com voto plural será necessária a aprovação de metade, no mínimo, das ações com direito a voto e também da maioria absoluta das ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito. Além disso, o requisito "iv" também foi atendido na medida, em que as ações com voto plural não terão esse poder nas contratações com partes relacionadas.

Mesmo seguindo algumas das recomendações do IBGC, não há como negar que o voto plural pode gerar um efeito negativo, no tocante à Governança Corporativa. Assim, nos casos de adoção do voto plural, é fundamental que sejam reforçadas as boas práticas de governança corporativa para o benefício da própria sociedade, resguardando a proteção dos minoritários.

O direito societário tem que proteger os minoritários, evitando a expropriação dos seus direitos de propriedade, mas não pode desvirtuar o equilíbrio de poderes dentro da corporação. Tenta-se evitar abusos por parte do controlador, por meio de proibições de determinados atos e regras como a que estabelece a proibição do voto no caso de conflito de interesses (lei 6.404/76 – art. 115), mas não se pode implodir o poder destes agentes, sob pena de desvirtuamento das relações de poder dentro das corporações.

Ao atender os interesses dos acionistas/sócios, a governança corporativa torna as quotas e os valores mobiliários da corporação mais atraentes. Da mesma forma, ela promove as mudanças necessárias para uma melhor condução da sociedade, gerando valor para esta, atraindo investimentos8. Para atingir sua finalidade, a governança corporativa é pautada por quatro linhas mestras: a transparência, a integridade, a prestação de contas9 e a responsabilidade corporativa.

Pela transparência, devem ser prestadas todas as informações necessárias para manter os acionistas e os investidores potenciais completamente informados acerca da efetiva situação da companhia10. Pela integridade, equidade ou lealdade, deve haver um respeito aos interesses dos minoritários e um efetivo cumprimento da lei,11 tornando a sociedade mais confiável.

Pela prestação de contas, é possível um melhor controle dos administradores, evitando abusos e assegurando um melhor desempenho. Pela responsabilidade corporativa, devem ser adotadas práticas que permitam a perenização da sociedade, como o respeito a preocupações ambientais e sociais.

A adoção de boas práticas de governança corporativa tende a trazer benefícios12 para a sociedade como um todo. Tais benefícios consistem geralmente numa melhora da organização entre os controladores e os minoritários, além de um incremento nos processos de decisão relacionados à gestão da sociedade.

Ademais, a governança permite que a sociedade tenha mais capacidade para atrair e reter talentos, além de uma melhora nos critérios de avaliação de desempenho e remuneração  dentro da sociedade. Todavia, o mais importante é que a governança melhora o acesso da sociedade a fontes de financiamento, permitindo o melhor desempenho das suas atividades. Pelos bons resultados alcançados, o direito societário se volta hoje com muita atenção às regras de governança corporativa, nem sempre impostas de forma obrigatória, mas sempre estudadas e consideradas na atuação deste ramo do direito empresarial. As crises e os escândalos corporativos dão uma crescente importância para a governança corporativa.

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1- IBGC - INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das melhores práticas de governança corporativa. São Paulo: IBGC, 2009.

2- WALD, Arnoldo. O governo das empresas. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, ano 5, nº 15, jan./mar. 2002, p. 55.

3- OCDE – Organização para a cooperação e desenvolvimento econômico. Os Princípios da OCDE sobre o Governo das Sociedades. Paris: OCDE, 2004.

4- PARENTE, Norma. Governança corporativa. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, ano 5, nº 15, jan./mar. 2002, p. 82.

5- INSTITUTO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. 5 ed. São Paulo/SP: IBGC, 2015. p. 23. No mesmo sentido: BANERJEE, Suman and MASULIS, Ronald W., Ownership, Investment and Governance: The Costs and Benefits of Dual Class Shares (August 17, 2017). ECGI - Finance Working Paper No. 352/2013, FIRN Research Paper, Stevens Institute of Technology School of Business Research Paper, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=2182849 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2182849 Acesso em 1 dez 2021.

6- ADAMS, Renné; FERREIRA, Daniel. One Share-One Vote: The Empirical Evidence. Review of Finance (2008) 12: 51–91. p. 52.

7- INSTITUTO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. 5 ed. São Paulo/SP: IBGC, 2015. p. 24.

8- PARENTE, Norma. Governança corporativa. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, ano 5, nº 15, jan./mar. 2002, p. 82.

9- WALD, Arnoldo. O governo das empresas. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, ano 5, nº 15, jan./mar. 2002, p. 56.

10- BUONOCORE, Vincenzo. La riforma delle società quotate. In BONELLI, Franco et. al (Coord.). La riforma delle società quotate. Milano: Giuffrè, 1998, p. 28-29.

11- PARENTE, Norma. Governança corporativa. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, ano 5, nº 15, jan./mar. 2002, p. 83.

12- PRADO, Roberta Nioac. Empresas familiares – governança corporativa, familiar e jurídico-sucessória. In: ________ (coordenadora). Empresas familiares: governança corporativa, governança familiar, governança jurídica. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 35.

Marlon Tomazette
Advogado no escritório Tomazette, Franca e Cobucci Advogados.

Lucas Lacerda Esteves
Graduado em Direito pela UniCEUB. Advogado no Ouriques Cruz Advocacia Empresarial. Coautor do livro Regulador Inovador: Banco Central e a agenda de incentivo à inovação.

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