Migalhas de Peso

O direito penal simbólico

Normas elaboradas a partir do direito penal simbólico possuem real eficácia ou constituem apenas um aumento do sentido manifesto da norma sem qualquer análise de seu sentido pragmático?

26/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O termo Direito Penal Simbólico, Simbolismo Penal, ou Direito Penal Demagogo, foi inicialmente cunhado e difundido na Alemanha na década de 1980, por nomes como Winfried Hassemer, chegando ao Brasil e nele entrando em discussão por volta da década de 19901.

É uma expressão inicialmente delineada pela doutrina estrangeira e que posteriormente se tornou também muito notável no Brasil, sobretudo nos últimos tempos nos quais houve a exacerbada produção de atos legislativos que configuram e se encaixam perfeitamente no termo discutido, tornando-se cada vez mais necessários estudos e aprofundamentos sobre esse tema relativamente recente, mas que representa uma prática que de há muito pode ser percebida quando se adentra no assunto da produção de normas penais in pejus no Brasil.

Anteriormente definidos os conceitos de símbolo e de Direito Penal, não será uma tarefa árdua concluir de maneira sintetizada, do que se trata a união dos dois conceitos, que juntos constituem o Direito Penal Simbólico. Não obstante, sendo sempre enriquecedor mencionar as elucidações guiantes previamente deixadas por estudiosos do tema, cite-se dentre elas o conceito deixado por COSTA, que através de uma breve síntese assevera e define: "A expressão "direito penal simbólico" é geralmente usada como reprovação, crítica ou denúncia do uso ilegítimo de criminalizações para obter efeitos meramente "ilusórios", sem que se empreendam esforços para alcançar efeitos instrumentais"2.

Já entrando de forma bem incisiva na questão chave do assunto tratado, assim é visto o Direito Penal Simbólico, como um direito baseado na psicologia do povo e que possui funções latentes que se sobrepõe às suas funções manifestas e instrumentais.

Assim nascem as leis penais de caráter simbólico, que são leis que criam novos tipos penais ou aumentam a severidade de normas penais já existentes, e que por uma vez torna possível dizer sem possibilidade de erro, e com a certeza como guia, que são leis criadas pelo povo, para o povo e para a satisfação do povo, pois são leis que surgem com a finalidade de trazer tranquilidade à sociedade e acalmá-la em seus ânimos.

Mas a sociedade não observa que por muitas vezes tais normas não são de fato capazes de protegê-las e de proteger os seus bens, mesmo porque, muitas vezes o objetivo dessas leis não é de fato resolver problemas e esvaziar condutas, mas justamente o de atender e aplacar o clamor social, acalmando e amparando a sociedade em seus anseios de justiça, ainda que seu fim se encerre apenas nisso.

Não obstante, as normas simbólicas são muito eficazes em propagar à população o triunfo de uma ideologia vencedora, pronunciando qual valor foi vencedor e relembrando que o Estado detém ainda o controle, a capacidade de ação e o poder de proteger bens e restaurar danos.

Ou seja, na elaboração dessas leis, muitas vezes não há uma preocupação em torno da qualidade da norma e da sua real capacidade de produzir efeitos, mas com o seu "sucesso" para possibilitarem fins dos mais diversos, mas que muitas vezes não tem efeito em seu sentido manifesto e não promovem aquilo a que se predispõe.

Nesse sentido, interessante é ainda a citação de SANTORO FILHO que determina:

[...] direito penal simbólico, uma onda propagandística dirigida especialmente às massas populares, por aqueles que, preocupados em desviar a atenção dos graves problemas sociais e econômicos, tentam encobrir que estes fenômenos desgastantes do tecido social são, evidentemente entre outros, os principais fatores que desencadeiam o aumento, não tão desenfreado e incontrolável quanto alarmeiam, da criminalidade3.

Assim, a produção das referidas normas penais se dá de maneira imediatista e sanatória, visando apenas a verificação de um efeito imediato de contenção e cessação da criminalidade e do estado de terror no qual a comunidade se sente inserida, funcionando como uma justificação ou escusa aceitável da ausência de tomada de medidas e políticas realmente eficazes e prometendo a solução de conflitos com a simples publicação de uma lei no Diário Oficial, sem se atentar ao fato de que apenas a hiperprodução legislativa de caráter simbólico não cumprirá esse objetivo.

Deste modo, vê-se que por vezes, na produção de normas desse caráter, o interesse inicial do seu poder elaborador não é diminuir a violência, mas, por meio da hipertrofia da norma, aumentar o seu excesso significativo, não cumprindo a função de prevenção geral positiva e repressiva manifestamente almejada, podendo ainda acabar extrapolando o seu sentido e se desvirtuando dos princípios constitucionais do Direito Penal e do Direito Processual Penal.

No entanto, tais leis são de grande popularidade pois atendem, acalmam e satisfazem a população, sendo esta uma grande oportunidade do Estado mostrar comprometimento e envolvimento, confirmando e demonstrando valores sociais e a sua atuação, já que o Estado precisa atuar, não importando o que será resolvido com isso, podendo essa intenção ser considerada como um dos significados latentes do Direito Penal Simbólico.

Isso ocorre porque a sociedade não vê o direito de punir como última ratio, mas como a medida primária mais eficaz e recomendável para a repreensão de injustos e da impunidade e para aplacar o seu estado de incerteza e insegurança na sociedade em que vive, tendo uma lei, na percepção de tais indivíduos, sua eficácia aumentada à mesma proporção que lhe é aumentado o rigorismo.

Há na sociedade um verdadeiro frisson pelo aumento do rigor das penas e pela instauração de um sistema de tolerância zero no qual pequenos delitos e incivilidades devem ser punidos com rigor exemplar, para que se impeça o surgimento de um ambiente favorável à criminalidade e à desordem4.

É absolutamente incondenável e compreensível que os indivíduos busquem meios de proteger a si, aos seus e os seus bens, "sentimento" que lhe é inerente e essencial para a sua própria manutenção e certamente não é o foco retirar dos indivíduos o direito que possuem de querer ver preservados os elementos de sua vida, não obstante, tais percepções advindas de um verdadeiro estado emocional não são capazes de gerar resultados através das leis cuja criação incentivam.

As leis de Direito Penal têm uma capacidade muito menor de conter conflitos que a sociedade imagina e isso fazendo-se o uso de leis bem preparadas e elaboradas e passíveis de amparar direitos, não há, portanto, a possibilidade de solução das demandas sociais com respostas simplistas, pois "para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada"5.

É certo que não é possível que em uma breve análise sobre o tema e tampouco em qualquer outra análise por profunda que seja, seja feita de forma taxativa a determinante afirmação de que neste caso tal argumento é integralmente acertado, afinal o Direito Penal Simbólico pode não ser de todo ruim, já que o Direito em si é um simbolismo, pois possui significados e busca resultados além dos que estão traçados na norma.

A discussão se estabelece em torno da questão sobre até onde tais leis seriam valores realmente corretos ou apenas uma grande demagogia, carente de qualquer comprovação científica de funcionamento e eficácia, pois muitas vezes não se verifica qualquer instrumentalidade na norma, havendo uma verdadeira sobreposição do sentido simbólico sobre o sentido instrumental e operacional da norma como forma de desviar a atenção da inoperância e da incapacidade do Estado em conter a criminalidade que é consequência de  uma série de fatores, não apenas da suposta complacência das atuais leis penais brasileiras.

Assim, conclui-se que o sentido pode potencialmente estar desvirtuado do compromisso da responsabilidade do Poder Legislativo de criar normas responsáveis e aptas a produzir e proteger direitos, pois seu sentido pode estar desvirtuado diante da extrapolação e da hipertrofia dos símbolos como instrumento para a solução de conflitos sociais com o objetivo latente de mostrar serviço social e não de cumprir o sentido manifesto da norma, o que se dá ainda sob a potencial possibilidade de acabar por ferir o devido processo legal legislativo.

Há decerto muitos aplicadores do direito e muitos legisladores, mas poucos pensando criticamente e oferecendo soluções de maior aprofundamento nas ciências criminais e com a concatenação de tudo que é necessário para a efetividade do sistema de segurança6, o qual deve ser de capital importância em qualquer Estado, e tal situação é fator de surgimento das leis aqui analisadas.

É com o amparato e sobre o berço dos conceitos anteriormente expostos que surgem as Leis de Direito Penal Simbólico, são filhas do frustrado psicológico compreensivelmente desgastado da população, do medo, da insegurança e do despreparo jurídico e executivo do Estado e também de seus interesses recônditos.

O Direito Penal Simbólico é o que fora dito anteriormente, uma economia de processos mentais e uma economia de processos legislativos. O aumento do rigor das leis nada traz além de um recrudescimento que escrito em um papel é a chance do legislador e de qualquer outro responsável por esta questão de dá-la por resolvida com a publicação do ato rigoroso no Diário Oficial, para em sequência "dar-lhe as costas" e partir para outro problema a ser tratado pela metade com a propositura de mais uma meia solução.

O legislador, ao "investir" na criação de tais leis pode decerto estar almejando finalidades latentes, porém pode por vezes não haver sequer tal intenção por trás. A criação desses atos legislativos pode partir de um legislador oportunista, que se vale do poder de legislar para auferir vantagens ou promover promoções pessoais de caráter político e coligacional, como uma manobra política, mas também podem advir de um legislador que tal qual a sociedade, crê no direito e não sendo especialista no assunto, ingenuamente acredita no rotineiro recrudescimento de penas como eficaz medida penal7.

É bem verdade que nem sempre essas normas são totalmente ineficazes, pois assim como uma lei nascida instrumental pode se tornar simbólica de acordo com a situação vivenciada pela sociedade ou pela simples deterioração ocasionada pelo decorrer do tempo, também pode ocorrer de uma lei nascer simbólica e mais a tarde vir a ganhar eficácia.

Tais leis, ainda que se mostrem bastante limitadas, não podem ser tidas como direito totalmente ineficaz, mas a verdade é que geralmente o é. Por vezes elas podem funcionar satisfatoriamente para um caso concreto focado, mas a propositura da mesma solução para todas as hipóteses passa a não dar conta do tema e torna estes pedaços de norma sem eficácia, algo só existente no plano legal e no mundo das ideias que elas ocultam.

E ainda que seja necessário levar em conta todas essas nuances apresentadas acima, na maioria das vezes o aumento do rigorismo e da severidade das leis não provam nem demonstram qualquer comprometimento do Estado no combate à violência e à criminalidade, mas uma intenção de rapidamente calar os leigos e draconianos anseios da população, mostrando-se ineficaz em uma coisa e outra, o que pode ser resumido nas palavras de CALLEGARI que aduz: "grande parte das intervenções penais punitivas da contemporaneidade, antes de buscar responder ao problema da criminalidade em si, presta-se precipuamente a diminuir inquietações populares diante da insegurança"8.

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1- OLIVEIRA, Pâmela de Lara. BELONI, Rodrigo. O Direito Penal Simbólico. Artigo Jurídico (Bacharelado em Direito) – Faculdade de Direito, Centro Universitário de Várzea Grande, Mato Grosso: 2012, p. 3. Acesso em: 08 de set. de 2021.

2- COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção Penal Ambiental: viabilidade – efetividade – tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010 apud Simbolismo penal ambiental brasileiro. [s.l]: Âmbito Jurídico, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 27 de set. de 2021. 

3- SANTORO FILHO, Antônio Carlos. Bases Criticas do Direito Criminal. Leme: LED, 2002 apud Simbolismo penal ambiental brasileiro. [s.l]: Âmbito Jurídico, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 27 de set. de 2021.

4- A política de Tolerância Zero considerava que pequenos delitos e incivilidades deveriam ser punidos com rigor exemplar, para que se impedisse o surgimento de um ambiente favorável à criminalidade e à desordem. Desse modo, supunha-se que os delinquentes iniciantes, os desordeiros e os indivíduos suspeitos deveriam ser retirados de circulação, antes que evoluíssem para a prática de crimes graves. Da mesma forma, a atitude policial e penal firme serviria como ação dissuasória contra os criminosos maduros e os baderneiros em geral. A Tolerância Zero baseava-se no pensamento Lei e Ordem, que ganhou espaço entre as autoridades americanas conservadoras a partir dos anos 1980, garantindo-lhes popularidade nas pesquisas eleitorais. Segundo a filosofia da Lei e Ordem, o Estado deveria agir com firmeza policial e rigor penal, ou seja, com base na repressão em massa e no encarceramento. SAMPAIO, Felipe. Cidades seguras: a polêmica tolerância zero – nunca se agrediu, prendeu e se matou tantos jovens negros nos Estados Unidos. [s.l.]: Veja, 2020. Disponível aqui. Acesso em: 30 de set. de 2021.

5- Excesso de trabalho e saúde mental. Redação Online. Disponível aqui. Acesso em: 12 de out. de 2021.

6- FUZIGER, Rodrigo José. Programa Virando Jurista #16 - Direito Penal Simbólico. YouTube, 19 de dez. de 2017. Disponível aqui. Acesso em 05 de set. de 2021.

7- FUZIGER, Rodrigo José. As Faces de Jano. O Simbolismo no Direito Penal. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo: 2012, p. 184. Disponível aqui. Acesso em: 08 de set. de 2021.

8- CALLEGRI, André Luís; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Sistema penal e política criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010 apud ANDRADE, André Lozano. Os problemas do direito penal simbólico em face dos princípios da intervenção mínima e da lesividade. [s.l]: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2014. Disponível aqui. Acesso em: 19 de set. de 2021.

Melissa Aparecida Batista de Souza
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Estácio de Sá de Brasília, colaboradora jurídica, entusiasta das ciências jurídicas e sobretudo do Direito Penal e Processual Penal.

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