Divórcio: inconstitucionalidade dos alimentos
Alice de Souza Birchal*
O casamento civil entre homem e mulher é um contrato solene, celebrado pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. Era o único sistema jurídico capaz de criar a família legítima, até o reconhecimento da união estável pela CR/88. O casamento religioso não dava origem a uma família “legítima” (nem a união estável) até 1950, quando a Lei 1.110 (clique aqui) lhe atribui efeitos civis, complementados na Lei 6.015/73 (clique aqui). Hoje, o casamento civil, o religioso e a união estável geram, para o casal, os deveres de fidelidade; assistência material, espiritual e afetiva; vida em comum no domicílio conjugal e institui o regime de bens.
Desde o Império, a política legislativa nacional optou pela indissolubilidade do casamento civil válido, não modificado pela República. A indissolubilidade foi reiterada nas Constituições (1934, 1946, 1967 e 1969) e respectivas emendas, além de adotada pelo Código Civil/16 (clique aqui), com o argumento de que protegeria os efeitos advindos do casamento civil, enquanto vivo marido ou mulher. Adicionada à indissolubilidade estavam: desigualdade entre marido e esposa; “ilegitimidade” dos filhos fora do casamento e imutabilidade do regime de bens.
A sociedade brasileira, de maioria católica, patriarcal e marital, admitia o casamento como o sacramento (Concílio de Trento – 1545/53), que une indissoluvelmente os cônjuges, além de afastar a filiação “ilegítima”. Compreende-se o repúdio ao divórcio também porque a esposa, submissa e excluída do mercado de trabalho, não se sustentava economicamente.
Por mais de 30 anos vetaram-se projetos de lei de conteúdo divorcista. Finalmente, a luta do Senador Nelson Carneiro possibilitou o término da sociedade conjugal pela separação judicial e a dissolução do casamento, pelo divórcio, por meio da Emenda Constitucional n° 9, de 1977, à CR/69, e da Lei 6.515/77 (clique aqui) (Divórcio), repetidos pela CR/88.
Atendendo ao reclame na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, os idealizadores criaram a teoria da culpa, segundo a qual só seria permitida a separação e o divórcio litigiosos se um dos cônjuges praticasse atos de violência física ou moral contra o outro, por exemplo, adultério e maus tratos e, então, fosse culpado pelo rompimento. Penalizava-se o culpado com a perda: do sobrenome do marido; dos alimentos para si; da guarda dos filhos.
Alguns congressistas repudiavam a dissolubilidade o que fez com que os divorcistas adotassem o sistema dúplice, diferenciando-os em formas e efeitos: a separação, que suspende a sociedade conjugal e o divórcio, que dissolve o vínculo jurídico estabelecido pelo casamento civil válido.
É equívoco categorizar a separação como estado civil, pois o vínculo do casamento não se dissolve através dela, que tem como efeitos a suspensão dos deveres de fidelidade; de coabitação e do regime de bens. Suspensão, porque se o casal pretender reatar o casamento, o contrato civil retomará seu curso como se nunca tivesse sido suspenso, retroagindo os seus efeitos à data da separação, inclusive os patrimoniais (regime de bens).
O vínculo de casamento é válido durante o estágio de separação e, enquanto o casal não se divorciar, surtem os efeitos decorrentes do dever de mútua assistência, como os alimentos ao necessitado. Tanto os separados continuam casados que não podem contrair novo casamento, que seria nulo (bigamia).
A legislação atual permite o rompimento do contrato de casamento pelo divórcio – dissolução do vínculo conjugal. Apenas o trânsito em julgado da sentença de divórcio rompe o casamento e extingue todos os seus efeitos. Diferenciam-se eficácia e validade: o contrato de casamento é válido, mas deixou de ser eficaz, porque dissolvido pelo divórcio (não nulo ou anulado). Comprova-se: os divorciados são ex-casados e estão liberados a constituir novo casamento. Celebrar-se-á novo casamento civil entre eles ou terceiros.
Em vigor, a nova Lei 11.441/07 (clique aqui) alterou a forma e estabeleceu que tanto a separação quanto o divórcio consensuais do casal sem filhos é realizada por escritura pública. Porém nenhuma novidade trouxe em relação ao conteúdo dos mesmos.
Repita-se: o contrato de casamento civil continua válido durante a separação e vigora o dever de mútua assistência entre cônjuges até a sua conversão <_st13a_personname w:st="on" productid="em divórcio. Natural">em divórcio. Natural que quem recebia a assistência moral, intelectual, espiritual e/ou material (alimentos) do seu cônjuge continue a recebê-la enquanto perdurar o estágio de separação (até o divórcio). A pensão alimentícia surge para evitar a ruína moral e material do necessitado, enquanto não divorciado, e é instituto para qual o direito atribui diferentes efeitos.
O divórcio extingue o contrato de casamento e todos os seus efeitos. Extinto o vínculo jurídico contratual, o casal passa ao estado civil de divorciado, não havendo mais liame jurídico que os vincule reciprocamente: são ex-cônjuges. Então, a única hipótese de manutenção dos alimentos entre estes ex-cônjuges dar-se-á se um deles, espontaneamente, concordar com o pensionamento do outro. O vínculo jurídico não é mais o casamento, mas este acordo de alimentos que sempre poderá ser revisto se aplicado o binômio necessidade/possibilidade de pensão.
Conclui-se: como o divórcio extingue o contrato de casamento civil, nada vincula, juridicamente, os ex-cônjuges. Mais: cônjuge não é parente, não há dever de alimentos.
Inconstitucional o Código Civil ao prever pensão entre divorciados. A doutrina e tribunais não se deram conta de que o divórcio extingue o casamento e, em maioria, julgam a favor das mulheres que, socialmente, são as mais pensionadas.
Não se defende que não deva haver pensionamento. Ao contrário, se sustenta que a pensão ao divorciado é um problema de responsabilidade da previdência social do Estado que mantém vínculo jurídico com seus cidadãos e, não, do ex-cônjuge, divorciado.
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*Autora e Conselheira Editorial da Editora Del Rey Ltda. Doutora, Mestre e Professora de Direito - PUC Minas. Integrante da diretoria do IBDFAM - Instituto Brasileiro do Direito da Família (MG)
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