1. INTRODUÇÃO
Ao estudar a situação do descarte de "lixo" no Município de Belém nos deparamos com três situações: inexiste separação dos itens capazes de ser reciclados/reutilizados, não há pátio de compostagem na cidade e os geradores não são pautados a cumprir sua responsabilidade em relação aos resíduos por si produzidos.
Em paralelo, embora seja um conceito comum e quase cotidiano, a coleta seletiva ainda é vista como algo difícil e que denota um grande esforço, seja em razão de inexistir procedimento logístico eficaz ou mesmo em decorrência das "dificuldades" ordinárias, como a necessidade de enxaguar o recipiente reciclável ou instruir os membros de sua casa a fazê-lo.
Para além disso, não há regulamentação de como deve ser disposto o resíduo doméstico ou dos grandes geradores: em outras palavras, inexiste obrigatoriedade de segregar resíduos orgânicos e recicláveis, ou seja, não há plano de gerenciamento dos resíduos sólidos no Município de Belém. Observa-se, pois, que além da necessidade de dialogar e instruir, é imprescindível regulamentar o "como" e "por que fazer".
Estima-se que cerca de 50% das coisas produzidas e tratadas como rejeito, sejam, em verdade, matéria orgânica apta a ser transformada em adubo e servir não apenas na manutenção de jardins e canteiros, mas também em hortas públicas e privadas. Exemplo disso é observado na cidade de Rio Branco (Acre) e na capital de São Paulo, onde projetos de compostagem têm transformado toneladas de resíduos orgânicos em adubo, promovendo a agricultura familiar, poupando os aterros sanitários locais e obtendo lucro por meio da venda de créditos de carbono.
Ao se observar a questão por esse prisma, afere-se que (em média) apenas 10% dos resíduos produzidos em escala doméstica representam "lixo" de verdade: os rejeitos. Os demais compõem resíduos orgânicos e recicláveis e, portanto, capazes de ser reciclados / reutilizados. Significa dizer que apenas esse percentual (10%) deveria ser destinado ao aterro sanitário, fato que proporcionaria vida útil mais longa a este tipo de empreendimento, além de economia e desenvolvimento para centenas de pessoas.
A ideia em discussão se alinha a mais de uma das metas estatuídas na Agenda 2030, vinculando-se a ODS nº.11, mais especificamente a ODS nº. 11.6, cuja redação original descreve a necessidade de tornar as cidades e assentamentos humanos locais seguros, resilientes, sustentáveis e inclusivos, mediante a redução do impacto ambiental negativo per capita das cidades, inclusive por meio da gestão de resíduos municipais e outros (ODS nº. 11.6).
A meta determina a necessidade da cidade atuar para resolver ou minorar o problema do descarte irregular de "lixo", razão pela qual a proposta legislativa atende ao objetivo sustentável proposto ao disciplinar a responsabilidade social/individual, e propor mecanismos de segregação e gestão dos resíduos de modo menos invasivo na cidade de Belém.
Um fato: o problema vivenciado por Belém, no passado próximo, está na iminência de se repetir: o aterro de Marituba está próximo de seu fim e não se terá local para destinar as mais de 30 mil toneladas de resíduos produzidos pela capital. No entanto, a questão não se resolve pela simples escolha de novo espaço para funcionar o aterro, e sim, na regulamentação de condutas, do usuário doméstico ao grande gerador, a fim de reestruturar a forma de enfrentar e se relacionar com os resíduos.
É imperativo o desenvolvimento de responsabilidade pessoal capaz de impulsionar o agir refletido nas condutas do dia a dia, em especial, a correta segregação e disposição dos resíduos sólidos. É a tentativa de se construir leis morais e éticas, amparadas na cooperação e solidariedade, no afã de buscar a reprovação da incoerência entre os (diversos) departamentos da moral pessoal; desvio comportamental que permite a normalização de condutas arbitrárias no lugar de atos baseados em princípios. Isto porque a partir destes desvios, torna-se "fácil" promover o desligamento da moral, permitindo que a natureza das circunstâncias determine os resultados e não as habilidades ou intenções individuais.
Aproveitar o espaço não formal para o desenvolvimento do pensamento coletivo pode ser visualizado como mecanismo de transformação do conformismo à aprendizagem criativa, cujo objetivo é atingir o agir refletido, ou seja: o agir precedido de reflexão.
2. NORMAS TRIBUTÁRIAS INDUTORAS E A DINÂMICA SOCIAL
Dentre os instrumentos disponibilizados pela Política Nacional de Resíduos Sólidos está a possibilidade de concessão de incentivos fiscais, os quais podem ser traduzidos na criação de normas tributárias indutoras que visem estimular as condutas desejadas e consentâneas ao objetivo comum de sustentabilidade vislumbrado. No entanto, a ideia de estímulo financeiro precisa ir além da questão econômica: necessita tracejar outros desdobramentos sociais, como a solidariedade, a conformidade e a autoimagem individual.
Quando se estuda os efeitos da implementação da extrafiscalidade na atualidade, se afere ser imprescindível ultrapassar a ideia do homem econômico, pois, o benefício pecuniário outorgado em razão de determinada conduta nem sempre é definitivo para modular o comportamento1. Mais efetivo seria aliar três elementos: a questão financeira, a psicológica e a coerção, com o objetivo de resgate da falha social oriunda da derrocada da responsabilidade social. Significa exceder o viés do homem econômico, em busca do cenário no qual normas sociais boas possam reinar e o Estado efetivamente possa criar leis que primem pela orientação das pessoas pela via das condutas virtuosas.
Partindo do pressuposto de que os princípios e valores estariam inter-relacionados como em uma teia, poder-se-ia associar não só o direito à moral, como também a campos da psicologia social, desenvolvendo atos normativos "mistos" capazes de engendrar, a partir de jogos psicológicos, a construção de seres morais (ou ao menos mais reflexivos no seu agir). Esses jogos psicológicos podem ser deduzidos na teoria de campo de Kurt Lewin, associado à criação de paradigmas para ascensão de condutas virtuosas de Phillip Zimbardo.
Ainda se valendo dos ensinamentos de Lewin, conclui-se que, embora todo comportamento seja resultado de propósitos subjacentes e objetivos para os quais é dirigido, pode ser modificado por um obstáculo ou por uma motivação diferente, como por exemplo, a exposição, a discussão e as decisões em grupo (LEWIN apud BELEZA, 2019). E é justamente a inter-relação entre os diversos fatos e eventos do mundo, o elemento construtor do campo dinâmico que seria capaz de gerar motrizes comportamentais para o bem ou para o mal (ZIMBARDO, 2012): porquanto os objetos, as pessoas e as situações circunstanciais, produzem vibrações positivas ou negativas no espectro pessoal uns dos outros (LEWIN apud BELEZA, 2019), proporcionando não apenas novas condutas, como também o desenvolvimento de uma sensibilização capaz de resistir aos argumentos desviantes daquilo que se acredita.
Nesse contexto, Zimbardo (2012) defende a possibilidade de se construir tanto paradigmas conducentes a uma lenta descida para o mal, como modelos que trilhem uma ascensão virtuosa para o bem. Em seu experimento da prisão em Stanford, foi demonstrado que a linha divisória entre o bem e o mal é tênue, provando que todos possuem a capacidade de desligar a própria moral em movimentos dissonantes, racionais e compartimentalizados para agir em acordo com a própria conveniência e com modelos identitários específicos. No entanto, da mesma forma, existem mecanismos capazes de fomentar o fazer o bem: tudo a depender das circunstâncias (ZIMBARDO, 2012).
O experimento conducente ao bem, combina três táticas de influência estudadas e documentadas por psicólogos sociais: a tática "pé na porta", o modelo social e a autorrotulação da prestabilidade.
Pela tática "pé na porta", a ideia seria estimular a realização de pequenas tarefas (fáceis de serem aceitas e concluídas) e ir aumentando gradualmente os trabalhos pleiteados (sempre correlacionados ao primeiro) até se atingir o objetivo principal (e único). Os modelos sociais serviriam para encorajar comportamentos sociáveis, porquanto parâmetros altruístas tendem a majorar as chances dos indivíduos se engajarem em condutas positivas. Por fim, a autorrotulação da prestabilidade se vale do modelo identitário, a fim de conferir a alguém a ação ou o comportamento esperado: quando se diz que alguém é prestativo, altruísta e gentil, haverá mais chances dessa pessoa manifestar esse tipo comportamental. (ZIMBARDO, 2012. P. 624).
Os mecanismos citados podem ser integrados por norma tributária indutora que mescle tanto a ideia do homo economicus2, como a do homem solidário/altruísta, num silogismo misto entre psicologia comportamental, economia e direito, que permita alcançar o efeito daquela norma. Construir regra que abarque as duas condutas é primordial para minimizar os riscos de que os incentivos e punições gerem o efeito oposto do desejado, no caso, a manutenção do comportamento atual: a não segregação e a inexistência do uso de técnicas de compostagem no local da produção dos resíduos.
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1- Melhores explanações podem ser obtidas na dissertação "A Gestão de Resíduos Sólidos na cidade de Belém: proposta de lei tributária a partir dos princípios da cooperação e solidariedade", desenvolvida no PPGC – Programa de Pós Graduação em Gestão do Conhecimento para o desenvolvimento sustentável.
2- Entende-se por homo economicus o arquétipo humano em torno do qual se desenvolveu a economia clássica: o ser racional que maximiza seu interesse próprio, é livre de emoções e não comete erros na aquisição e processamento de informações. (SEGUNDO, 2018, p. 648).