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Incentivo Fiscal do PAT: Ilegalidade das limitações trazidas pelo decreto 10.854/21

A violação aos princípios da legalidade e da hierarquia das normas pelo decreto 10.854/21 editado pelo Poder Executivo Federal.

22/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Na semana passada, 10 de novembro de 2021, o Poder Executivo editou o decreto 10.854, e em seu artigo 186, alterou as regras de aproveitamento do incentivo fiscal de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica ("IRPJ") relativo ao Programa de Alimentação do Trabalhador ("PAT"), previsto no art. 645 do RIR (Decreto 9.580/18).

A partir de 2022, a pessoa jurídica somente poderá realizar a dedução desse incentivo em relação aos valores pagos a título de alimentação para os trabalhadores que recebam até 5 (cinco) salários mínimos, estando, no entanto, limitada a dedução ao valor de, no máximo, 1 (um) salário-mínimo.

Mais uma vez, o Poder Executivo, via decreto, viola os princípios da legalidade e da hierarquia das normas, pois extrapola os limites de seu poder regulamentar. O STJ, em diversas ocasiões, já se manifestou pela impossibilidade de alteração (por via infralegal) da metodologia de apuração e aproveitamento estabelecida pelo legislador quando da instituição do incentivo fiscal do PAT, assim como pela impossibilidade de fixação de quaisquer limites para além dos já previstos na legislação.

Na verdade, conforme será demonstrado a seguir, historicamente o Poder Executivo institui normas infralegais que visam limitar de alguma forma o aproveitamento do incentivo fiscal do PAT pelos contribuintes.

O PAT foi instituído pela lei 6.321/76, com objetivo de proporcionar uma melhora nas condições nutricionais e de saúde dos trabalhadores brasileiros.

Para alcançar o objetivo, o legislador estabeleceu o incentivo fiscal do PAT (comumente denominado de PAT em Dobro) para aquelas empresas que fornecessem alimentação para seus trabalhadores, seja por meio de serviço próprio de refeições, pela distribuição de alimentos ou, até mesmo, por meio de convênios com entidades que forneçam ou prestem serviços de alimentação coletiva (inclusive para as empresas enquadradas como facilitadoras de aquisição de refeições ou gêneros alimentícios via vale-alimentação e vale-refeição).

Em síntese, o incentivo fiscal instituído consiste na possibilidade das empresas que aderirem voluntariamente ao programa, além de poderem considerar as despesas com alimentação que transitaram contabilmente em seu resultado como dedutíveis, uma vez que usuais e necessárias à atividade da empresa, também poderão fazer uma nova dedução (ou melhor, uma exclusão) de tais valores diretamente na base tributável do IRPJ.

Inicialmente, conforme determinado na lei 6.321/76, estabeleceu-se um limite para a referida exclusão, dispondo que essa não poderia exceder a 5% (cinco por cento) do lucro tributável do exercício. Entretanto, com o advento da lei 9.532/97, o limite da exclusão ficou ainda mais restrito, tendo sido reduzido para 4% (quatro por cento) do imposto de renda devido.

Além dos pontos acima expostos, a legislação também estabeleceu requisitos para o aproveitamento do incentivo fiscal em questão, devendo o contribuinte: (i) estar inscrito no Programa de Alimentação do Trabalhador; (ii) apurar o IRPJ pela sistemática do Lucro Real; e (iii) possuir imposto de renda a pagar no exercício.

No entanto, apesar da expressa previsão legal quanto à metodologia de apuração e aproveitamento do incentivo fiscal, ao regulamentar a matéria, o Poder Executivo editou diferentes atos infralegais com o afã de restringir sua utilização pelos contribuintes. Fato este recorrentemente ao longo dos anos.

Como exemplo de limitação infralegal, pode ser mencionado o decreto 5/91, que atualmente regulamenta a matéria. Isso porque, por meio do referido decreto, o Poder Executivo estabeleceu uma metodologia de apuração e aproveitamento do incentivo fiscal diferente daquela prevista pelo legislador quando da instituição do incentivo fiscal do PAT.

Com o advento do referido decreto, ao invés de se permitir aos contribuintes uma exclusão dos valores com alimentação diretamente em seu lucro tributável, o que produziria reflexos (ganha fiscal) tanto na apuração do IRPJ principal (15%) quanto de seu adicional (10%), determinou-se que o incentivo deveria ser lançado como uma dedução do imposto de renda devido e que somente poderia produzir reflexos sobre o IRPJ principal. 

Nesse sentido, a jurisprudência do STJ firmou-se pela ilegalidade do mencionado decreto em razão das hierarquias das normas, estabelecendo que é direito dos contribuintes a exclusão das despesas com o alimentação diretamente do lucro tributável e não do imposto de renda devido, de forma que o incentivo também deverá gerar reflexos sobre o adicional do imposto de renda (vide decisões exaradas no REsp 1754668/RS,  Resp 1.725.249/PR e no AgInt no AREsp 1359814/RS).

Cabe ressaltar que outras formas de limitação do incentivo fiscal do PAT também já foram estabelecidas pela Receita Federal, como ocorrido por meio da Instrução Normativa DPRF nº 16, de 1992, que fixou um valor limite para a dedutibilidade da alimentação fornecida ao trabalhador. Não diferente, a jurisprudência do STJ também reconheceu a ilegalidade da mencionada limitação.

Diante todo o contexto, tendo em vista o novo limitador estabelecido por meio do Decreto 10.854/21, e o histórico da jurisprudência quanto ao tema, as empresas devem avaliar a possibilidade de medidas judiciais para que seja reconhecida a ilegalidade do decreto e, consequentemente, seja reconhecido o direito de aplicação das disposições trazidas pela lei 6.321/76.

Arthur Wendling Villela
Consultor tributário.

Humberto Moreno de Almeida
Advogado tributarista no escritório ASBZ Advogados Associados.

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