Introdução
Conforme será discutido no presente artigo, via de regra, os dados de testes para comprovar a segurança e eficácia de produtos, bem como as demais informações técnicas e científicas acerca dos mesmos, constituem segredo de negócio do seu detentor, sendo protegidos por tempo indeterminado, até que deixem de constituir segredo. Em determinados setores, certos dados precisam ser submetidos ao poder público, ainda que sob condição de sigilo, como requisito para obtenção de autorização regulatória para a comercialização do produto, sem que com isso percam a sua condição de segredo de negócio ou a proteção conferida pelo ordenamento jurídico, por prazo indeterminado, contra o uso ou aproveitamento não autorizado.
No caso particular do setor de defensivos agrícolas, fertilizantes e produtos de uso veterinário, a legislação específica estabelece que, excepcionalmente, parte dos dados submetidos às autoridades não gozará de tal proteção por prazo indeterminado, limitando a proteção a um determinado período de tempo, e permitindo que, a partir daí, a autoridade regulatória autorize a comercialização de produtos equivalentes com base nos dados anteriormente apresentados quando do registro do produto de referência. Em outras palavras, transcorrido esse prazo, as autoridades passam a permitir que terceiros se aproveitem ou utilizem, ainda que indiretamente, de dados submetidos anteriormente por concorrente, muito embora parcela dos dados do inovador permaneça em sigilo e protegida por tempo indeterminado.
Com este artigo, buscaremos averiguar em detalhes como se dá a regulamentação dessa questão na lei 10.603 de 2002, diploma que sistematiza a proteção dos dados regulatórios no país com relação aos produtos de uso veterinário, fertilizantes e defensivos agrícolas. Contudo, antes de adentramos na questão específica da proteção dos dados regulatórios, discorreremos, primeiro, sobre o tratamento dado pela legislação brasileira quanto aos segredos de negócio.
1. Segredos de Negócio
Por “segredos de negócio”, designamos as informações confidenciais dos agentes econômicos, que englobam tanto os dados sigilosos de natureza industrial (segredos industriais, cujo caráter é eminentemente tecnológico) quanto de natureza comercial (segredos comerciais, tais como dados financeiros, métodos de venda, etc).1 No Brasil, conforme veremos, os segredos de negócio recebem proteção por meio da repressão à concorrência desleal.2
Nesse contexto, conforme veremos mais adiante, os dados de testes de segurança e eficácia de produtos, assim como demais informações técnicas e científicas pertinentes, pertencem ao gênero dos segredos de negócio. Na medida, contudo, em que parte dos resultados de testes e de outros dados apresentados às autoridades como condição para obtenção de registro de comercialização (dados proprietários) têm sua proteção mitigada em comparação ao regime geral dos segredos de negócio, pois a proteção que lhes é conferida é limitada a determinados prazos estabelecidos em lei específica, podemos distingui-los dos dados regulatórios confidenciais – demais informações técnicas ou científicas eventualmente apresentadas para esclarecer processos ou métodos empregados na fabricação de produtos ou na obtenção dos referidos dados de testes –, que permanecem confidenciais e não podem ser aproveitados por terceiros mesmo após a expiração dos referidos prazos legais. Ambos, todavia, enquadram-se no gênero dos segredos de negócio de que estamos tratando.
Os segredos de negócio, na qualidade de criações intelectuais, são bens imateriais. Do ponto de vista da teoria econômica, merecem tratamento específico por possuírem duas características singulares: são bens não-rivais e não-excludentes. Na definição de Mankiw, bem não-excludente é aquele cujo uso por terceiro não autorizado não pode ser facilmente impedido, ao passo que bem não-rival é aquele cujo uso por uma pessoa não impede ou reduz a possibilidade de utilização por outrem.3 No que diz respeito a dados e informações, Cooter e Ulen explicam que “one person’s use of an idea does not diminish its availability for others to use. Thus, information use is nonrivalrous. Excluding some people from learning about a new idea can be expensive, because the transmission of ideas is so cheap. Thus, information is nonexcludable”.4
Assim, como consequência do fato de que “a utilização da informação por uma pessoa não deixa menos da mesma informação para a utilização por outra pessoa” e “a utilização da informação por uma pessoa não exclui outra de valer-se da mesma informação ao mesmo tempo”,5 as criações intelectuais são mais vulneráveis à cópia e ao aproveitamento por terceiros. Por esse motivo, Denis Borges Barbosa reconhece que, “deixado à liberdade do mercado, o investimento na criação do bem intelectual seria imediatamente dissipado pela liberdade de cópia. As forças livres do mercado fariam com que a competição – e os mais aptos nela – absorvessem imediatamente as inovações e as novas obras intelectuais”.6
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