Escrevi um artigo publicado no Diário de Santa Maria no dia 16 passado, mas não resisto ao ímpeto de enviar ao Tonico Pereira um outro texto a relembrar meu amigo Luiz Paulo Sampaio. Ele sorrirá para nós, lá do Céu, se este de agora vier a ser publicado.
Falávamo-nos por telefone a cada duas semanas. Inúmeras vezes nos encontramos pelo mundo afora. Búzios, Rio de Janeiro, São Paulo, Tiradentes, Paris! Amigo de verdade. Amizade construída e reconstruída a partir de múltiplas razões. Recuso-me a dizer que fomos amigos porque, ainda que ele tenha deixado a Terra em junho passado, um dia --- não sei quando --- nos reencontraremos lá no Céu, celebrando a continuidade sem intervalos da Amizade.
Nosso primeiro encontro, na segunda metade dos anos sessenta, aconteceu no bar do Teatro Municipal de São Paulo. Em seguida, final do concerto, após descermos a escadaria do teatro fomos jantar em um restaurante por ali e nos tornamos amigos para sempre. Multiplamente, para sempre.
Inicialmente como advogado da empresa que ele dirigia, por conta do que fui inúmeras vezes a Búzios, onde conheci sua mãe e seu pai, o doutor Paulo Sampaio! E outras criaturas encantadoras, fraternos amigos de seu pai.
Vivemos momentos inesquecíveis, tantos que nem sei mesmo quais agora relembrar, entre os que veem concomitantemente à minha memória, de repente. Paris, primeiro de fevereiro de 2008: um inesquecível final de noite no Cafe de Flore, após termos jantado no Armani! A primeira visita dele a Tiradentes, em nossa casa, na primeira metade dos anos setenta! E outra bem mais recente, há uns três anos, ele vindo de ônibus do Rio até aqui onde estamos, Tania e eu. Outro momento inesquecível foi sua ida do Rio de Janeiro a São Paulo para participar do lançamento de um livro meu, Triângulo no ponto, em março de 2007.
Caminho pelo passado, imaginariamente, no Rio de Janeiro, sentando-me com ele em uma das mesas da Casa Villarino, berço da bossa nova, no Castelo. Vejo-me agora em uma das suas pequenas mesas com Luiz Paulo, no final dos anos sessenta. Conversamos sobre Tom Jobim, Vinícius e, mais uma vez, o pianista russo Emil Gilels tocando Liszt. Conversa de bar em uma pequena mesa no Villarino. Momentos inesquecíveis! Dizem por aí que a vida não vale nada. Equívoco quando relembramos momentos marcantes da fraternidade.
Na metade dos anos setenta ele convenceu seus pais de que seu maior sonho era abandonar a atividade de empresário e --- então aluno de Jacques Klein --- mandar-se para Viena, a estudar música! Assim foi, por lá vivendo durante oito anos. Na Viena dos nossos sonhos, Wien Wien, nur du allein!
Oito anos de lições de piano e pedagogia musical, além de trabalho na Embaixada do Brasil e na Rádio e TV Austríaca. De volta ao Brasil tornou-se professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e assumiu a direção artística do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, do qual mais adiante seria presidente.
Mais fascinante do que tudo, no entanto, é o fato de ter-se doutorado em musicologia pela Universidade de Montreal, no Canadá. Eu sabia disso, mas no início de 2013, em Paris, passando pela Place de la Sorbonne vi na vitrine da Librairie philosophique J. Vrin um livro dele, Les variations por piano, op. 27, d’Anton Webern. Tenho este livro agora, exatamente agora, cá em minhas mãos. Uma preciosidade, de verdade, com maravilhoso prefácio de Jean-Jacques Nattiez. E outras mais, entre as quais A orquestra sinfônica e sua história e O guia da ópera em CD.
Vivemos momentos maravilhosos, repito, por conta da nossa Amizade. Inúmeros encontros, mais um deles no Bar Brasil, no Rio de Janeiro, na avenida Mem de Sá --- na Lapa ---, restaurante histórico fundado por austríacos em 1907. E outros em um restaurante próximo ao apartamento no qual morava, o Bar e Restaurante Garota da Urca, no qual um garçom nos dizia, rempli de soi-même, “estamos aqui há mais de cem anos!”.
Momentos inesquecíveis entre os quais o de uma fuga minha de Brasília, ao tempo no qual ainda integrava o STF, para --- incógnito --- assistir a reinauguração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em maio de 2010. Escondido, mas logo após comemoramos a Amizade em um restaurante ali por perto!
Retornando ao passado relembro nossos encontros em bares e restaurantes próximos à sua casa, além de tudo --- repito --- no Bar e Restaurante Garota da Urca. Vem aos meus ouvidos, de repente, uma canção que afirma ser sempre bom lembrar coisas passadas! É bem verdade, o Tempo não para no porto, não apita na curva, não espera ninguém!
Falávamo-nos por telefone a cada duas semanas, mas há meses não consegui encontra-lo e apenas agora, outubro, fiquei sabendo que Luiz Paulo faleceu há três meses, aos oitenta e três anos e há de estar à minha espera, lá no Céu. No futuro --- não sei quando --- estaremos juntos, inúmeras vezes, para sempre.