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Enfim, diversidade de gênero na redação do Judiciário brasileiro

A inovação trazida pela resolução do CNJ é uma vitória para a sociedade, mas será necessário reavaliar o pleito apresentado pelos movimentos sociais quanto à adoção de uma nova linguagem pautada na neutralidade, pois o direito, assim como a linguagem, deve acompanhar as modificações sociais.

17/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Visando corrigir uma antiga falha na redação oficial do Poder Judiciário brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma importante resolução determinando a utilização de substantivos e pronomes inclusivos.  

Agora, devem obrigatoriamente ser utilizadas palavras no masculino e no feminino no âmbito da comunicação oficial do Poder Judiciário e nos sistemas de processos judiciais eletrônicos de todo o País. 

Segundo a resolução, de autoria do ministro Luiz Fux, “o Poder Judiciário nacional, em todas as suas unidades e ramos, deverá adotar a designação distintiva para todas e todos integrantes, incluindo desembargadores e desembargadoras, juízes e juízas, servidores e servidoras, assessores e assessoras, terceirizados e terceirizadas, estagiários e estagiárias.”, o que também se aplica às pessoas transgêneros, observando-se seus respectivos nomes sociais. 

Apesar de parecer simples, a resolução representa um significativo avanço na busca por inclusão de gênero no Poder Judiciário, meio historicamente predominantemente masculino.  

A utilização constante de termos voltados ao gênero masculino ignorava completamente a presença feminina no Judiciário, o que vai de encontro à latente necessidade de igualdade de gênero em nossa sociedade.  

Além disso, a centralização das denominações apenas na figura masculina reafirmava uma relação machista de poder, perpetuando essa forma de preconceito presente no âmbito social. 

Os ajustes trazidos pela resolução chegaram tarde, considerando a maciça presença das mulheres no mundo jurídico desde a década de 1950, mas em momento ainda oportuno, em que o debate por equidade de gênero ganha envergadura no Brasil.  

A instituição da flexão de gênero na redação oficial no âmbito do Judiciário demonstra o interesse e o comprometimento deste Poder em colaborar com o rompimento das diretrizes machistas sob as quais a nossa sociedade foi estruturada.  

A resolução revela um compromisso do Poder Judiciário com a busca por igualdade de gênero e a aplicação de princípios garantidos pelo caput do art. 5º da Constituição Federal, como o princípio da isonomia. 

Apesar do avanço, uma linguagem pautada apenas nos gêneros masculino e feminino não abrange as diversas formas de identificação de gênero existentes em nossa sociedade, pois não contempla pessoas que simplesmente não se reconhecem dentro desses dois gêneros. 

Os movimentos feministas e LGBTQIA+ defendem, há muito tempo, a aplicação de uma linguagem neutra, com o objetivo de abranger todas as pessoas, sem qualquer forma de exclusão. Este debate, que inclui aqueles que se identificam como binários (ele ou ela, “o” ou “a”), ganhou relevância nos últimos anos, observado o processo de consolidação dos direitos das pessoas LGBTAQIA+1 em nosso País. 

Sendo assim, a inovação trazida pela resolução do CNJ é uma vitória para a sociedade, mas será necessário reavaliar o pleito apresentado pelos movimentos sociais quanto à adoção de uma nova linguagem pautada na neutralidade, pois o direito, assim como a linguagem, deve acompanhar as modificações sociais. 

_________

1 COVAS, FABÍOLA SUCASAS NEGRÃO e BERGAMINI, LUCAS MARTINS. Análise crítica da linguagem neutra como instrumento de reconhecimento de direitos das pessoas LGBTQIA+. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-549. 13 jun. 2021. 

Elis Maria Peixoto
Advogada da área de Direito Administrativo do escritório Martorelli Advogados.

Italo Weslley Cardoso Verissimo
Advogado da área de Direito Administrativo do escritório Martorelli Advogados.

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