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As tutelas provisórias e o recurso especial. Súmula 735 STF. Interpretação adequada e os desdobramentos do CPC/15

O presente artigo estuda a súmula 735 STF e sua aplicação pelo STJ aos recursos que versam sobre tutelas provisórias. Além disso, aponta interpretação mais adequada, a permitir o cabimento do recurso especial contra decisões que, a despeito de versarem sobre tutela provisória, são de caráter satisfativo ou veiculam situações graves e relevantes.

8/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Natureza do Recurso Especial e a Instância 

Sabidamente, o recurso especial só deve ser manejado caso veicule ataque contra decisão proferida “em única ou última instância” (art. 105 III CF).  A dicção constitucional se justifica, na medida em que a finalidade nobre do STJ (uniformização do Direito Federal) não se compatibiliza com a abertura de acesso àquela Corte em situações onde há ainda viabilidade de reversão pelas instâncias ordinárias.

Por isso mesmo decisões reexamináveis por recursos ordinários não podem ser alvejadas pelo recurso especial, a exemplo do que acontece com decisões monocráticas proferidas nos tribunais, as quais ainda comportam a interposição do agravo interno (art. 1021 CPC).

Sob a inspiração desse mesmo raciocínio, o Supremo Tribunal Federal, entendendo que decisões liminares são provisórias e, portanto, reexamináveis, editou a súmula 735. Segundo a aludida súmula, “não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar."

O STJ, de sua vez, vem aplicando o aludido enunciado aos julgamentos de recursos especiais, inclusive na vigência do CPC/15, amparado na premissa de que seja para conceder, seja para negar a tutela provisória, o acórdão do Tribunal de 2º grau consubstanciará decisão que poderá ser reexaminada por posteriores pronunciamentos judiciais, inclusive por aqueles que desatarão o mérito em definitivo. Logo, reexaminável que é pelas instâncias ordinárias, não é atacável por recurso especial o acórdão que defere ou indefere tutela provisória1.

De fato, se considerada a natureza precária da tutela provisória, a qual “pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada” (art. 296 CPC), a conclusão a que se chegará é no sentido de que a aplicação inflexível da súmula 735 STF pelo STJ é medida correta.

Com efeito, se a função precípua do STJ, em vez de literalmente fazer justiça às partes, é a de uniformizar o Direito Federal2, não é razoável permitir o acesso à Corte para revisão de determinada decisão, que sequer é definitiva. Sim, o STJ poderá se pronunciar com mais profundidade sobre temas jurídicos relevantes, quando estes foram decididos e debatidos, em definitivo, nas instâncias ordinárias. Tal dialética, posta em prática nas instâncias ordinárias, permite ao STJ visualizar todas as nuances da matéria controvertida e posicionar-se de forma mais segura e enfática.

2.  A Exceção admitida pelo STJ.

O STJ, a despeito das lógicas considerações sobre a reversibilidade da tutela provisória e a inviabilidade de rediscuti-la em sede de recurso especial, viu-se na contingência de estabelecer alguma exceção.

O que se percebeu é que, embora seja mais adequado examinar a causa por meio de recurso especial, quando já houver decisão definitiva nas instâncias ordinárias, há hipóteses em que pode estar em jogo a própria autoridade acerca do instituto da tutela provisória. Isso porque o acórdão do Tribunal de 2ª instância poderá, por exemplo, estar criando requisito inexistente para a concessão da tutela provisória ou mesmo dispensando algum outro que seja imprescindível. Ainda seguindo nas alternativas factíveis, pode acontecer de determinado Tribunal proferir acórdão dizendo, por exemplo, ser incabível a concessão de tutela provisória contra determinado ente ou em determinada situação jurídica e/ou processual, sem que tais vedações tenham respaldo legal.

Enfim, quando for discutido o próprio dispositivo legal que dá ensejo à tutela provisória, e não a matéria de fundo, abre-se exceção para o cabimento do recurso especial3.

É importante pontuar que as decisões que versam sobre tutela provisória não são, apenas, aquelas que assim são apontadas pelo legislador, pelas partes ou pelo juízo. Na verdade, há diversas situações no código instrumental e em leis esparsas em que se tem verdadeiras tutelas provisórias, inobstante o legislador não as tenham assim rotulado. Logo, pode-se dizer cabível recurso especial quando estão em discussão os requisitos do art. 300 do CPC. Mas o mesmo acontecerá também, quando a matéria versar sobre os requisitos para outras medidas acauteladoras ou antecipatórias previstas em diplomas e dispositivos legais distintos.

À guisa de exemplo, em ações de rito especial, como é o caso das possessórias, há decisões sobre tutelas provisórias, que podem ser concedidas liminarmente ou não (arts. 561, 562 e 563 CPC). A despeito da ausência de alusão ao termo tutela provisória, é disso que se cuida, na medida em que, por meio da liminar, estará o magistrado entregando o próprio bem de vida à parte postulante, antes ainda de haver decisão final. Em assim sendo, se o Tribunal de 2º grau referendar decisão denegatória de liminar possessória sob o falso fundamento de que se fazia mister o requisito do perigo de dano, haverá aí ofensa aos referidos artigos 561,  562 e 563 CPC4.

De outro lado, em que pese versar sobre tutela provisória, será cabível recurso especial se o acórdão recorrido negar o cabimento de tal medida – mesmo com a observância aos requisitos da probabilidade do direito e do perigo de dano -, em ações possessórias de posse velha (mais de ano e dia)5. Ou, ainda no campo das possessórias, será cabível recurso especial contra o acórdão que, analisando equivocadamente os requisitos à medida de urgência, entende que ela não pode ser revogada no curso do processo6.

Ainda no campo das ilustrações, ter-se-á como matéria restrita ao cabimento da tutela provisória aquela que discutir, por exemplo, o (des)cabimento de tal pretensão contra a fazenda pública7. Logo, acórdão que enfrenta tal tema pode ser contrariado por recurso especial.

Por derradeiro, imagine-se, em tutela provisória sobre retomada ou manutenção de posse de imóvel dado em alienação fiduciária imobiliária, o questionamento sobre acórdão que concedeu a medida, a despeito de não ter havido a consolidação prévia da propriedade em prol do credor8 ou mesmo o regular procedimento administrativo. Trata-se de situação em que, em princípio, caberia recurso especial ao redor dessa discussão sobre os requisitos legais à concessão da medida antecipatória9.

Portanto, esse é o cenário sobre o cabimento de recurso especial contra decisão proferida em sede de tutela provisória. Trata-se de posicionamento bastante lógico, sobretudo se considerado o requisito constitucional acerca do esgotamento das instâncias ordinárias, assim como o perfil do recurso especial (manutenção da autoridade do Direito Federal).

Luiz Fernando Valladão Nogueira
Advogado. Procurador do município de Belo Horizonte. Professor universitário em graduação e pós-graduação. Coordenador de pós-graduação em Direito Processual Civil. Advogado do escritório Valladão Sociedade de Advogados.

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