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Demissão por justa causa na recusa do empregado à vacinação contra covid-19

A recusa do trabalhador em tomar a vacina, medida necessária para contenção da pandemia que assola todo território mundial, coloca em risco toda a coletividade, especialmente dos integrantes do corpo da empresa empregadora.

1/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Que as motivações para a demissão do empregado precisam de determinação expressa na legislação trabalhista já é sabido. Todavia, com o decorrer das alterações no convívio da sociedade, existem novas situações específicas que geram dúvidas acerca da possibilidade de rescisão na referida modalidade, entre elas, em razão da pandemia do Covid-19, encontra-se a recusa do empregado em ser imunizado pela vacinação contra o Covid-19. Afinal, o empregado que se recusa a tomar a vacina contra o CoronaVírus pode ser demitido por justa causa?

O contrato de trabalho, como é sabido, em regra deve ocorrer por tempo indeterminado. 

Contudo, buscando proteger os empregadores de práticas abusivas e que ultrapassem as condutas exigíveis de convivência, a CLT prevê algumas hipóteses em que a rescisão do contrato de trabalho poderá ser realizada pelo empregador em razão das faltas graves cometidas pelo obreiro, modalidade conhecida como demissão por Justa Causa.

Em tal modalidade de rescisão, o obreiro perderá direito ao aviso prévio, saque dos depósitos do FGTS, multa fundiária, inscrição no seguro desemprego, bem como as verbas proporcionais – assim consideradas aquelas ainda não vencidas.

Assim, o trabalhador receberá tão somente as verbas já vencidas, como férias integrais já conquistadas, todavia, ainda não gozadas e recebidas.

Tal situação ocorrerá quando o empregado cometer as faltas graves previstas no artigo 482, CLT. Vejamos:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

 a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

g) violação de segredo da empresa;

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l) prática constante de jogos de azar.

m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado. 

Acerca do tema, a doutrina converge no sentido de que tais hipóteses são taxativas, por haver necessidade de tipificação legal, estando estas reunidas no artigo supracitado.

 Da mesma forma conceitua Sérgio Pinto Martins (2012, p. 382):

“Justa causa é a forma de dispensa decorrente de ato grave praticado pelo empregado, implicando a cessação do contrato de trabalho por motivo devidamente evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas em lei.”

Frisa-se que a legislação pátria tipifica algumas hipóteses enquadradas como infração do obreiro, todavia, tal disposição não exime a necessidade de enquadra do ato praticado nas hipóteses de justa causa previstas no artigo 482, CLT.

A título de exemplo, destacamos o parágrafo único do artigo 235-B, CLT, no qual é tipificado como ato de infração o empregado motorista que se recusa a realizar o exame toxicológico obrigatório. Veja-se:

Art. 235-B.  São deveres do motorista profissional empregado:  

VII - submeter-se a exames toxicológicos com janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com sua ampla ciência, pelo menos uma vez a cada 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, podendo ser utilizado para esse fim o exame obrigatório previsto na lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, desde que realizado nos últimos 60 (sessenta) dias. 

Parágrafo único. A recusa do empregado em submeter-se ao teste ou ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica previstos no inciso VII será considerada infração disciplinar, passível de penalização nos termos da lei.

Nesse contexto, muito embora a previsão da infração não esteja prevista no artigo 482 da CLT, necessariamente, para aplicação da justa causa, o empregador deverá enquadrar a infração em alguma alínea do artigo retromencionado – no caso citado, possivelmente na alínea “M”, haja vista ser obrigatório para regularidade da habilitação de motorista.

Vencidos tais esclarecimentos inicias, adentremos no tema do presente artigo, que é a possibilidade de demissão por justa causa do empregado que se recusa em tomar a vacina contra o Covid-19.

De início, destaquemos que a CLT, destaca, de forma clara que o interesse coletivo (público) deverá prevalecer em detrimento do interesse particular, consoante seu artigo 8º.

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Por outro lado, e não menos importante, temos que, de fato, por ser um direito de personalidade, o empregado não deverá se submeter a tratamento médico de forma forçada, consoante artigos 5º, VI e VIII, CF, bem como artigo 15 do Código Civil.

Dessa forma, não há como negar a presença do combate entre dois direitos fundamentais existentes: o do empregado, em não se submeter obrigatoriamente a tratamento médico (vacinação), e o da coletividade, em não ser obrigada a conviver com um possível vetor de transmissão do Vírus Covid-19.

Diante de tal situação, a solução só pode ser uma: a análise do caso concreto, utilizando-se da técnica do sopesamento entre os direitos fundamentais para decidir qual deverá prevalecer.

Ora, de fato, o empregado não pode ser obrigado a se vacinar. Todavia, uma vez que a coletividade possui prevalência frente à individualidade, me parece, mais maléfico, obrigar toda uma coletividade a conviver diariamente com um indivíduo, que por opção própria, decide não imunizar-se.

Não sendo só, muito embora tenhamos citado os ditames dos artigos 5º, VI e VIII, CF, bem como artigo 15 do Código Civil, é lícito salientar que, especificamente para medidas contra o Covid-19, a lei 13.979/2020 prevê a possibilidade de vacinação compulsória. Confira-se:

Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela lei 14.035, de 2020)

[...] III - determinação de realização compulsória de:

[...]

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

e) tratamentos médicos específicos;

Também podemos citar, dentre os argumentos que corroboram a realização da vacinação, a aprovação da Anvisa para realização desta, bem como guias técnicas para vacinação emitidas pelo Ministério Público do Trabalho, e, por fim, os argumentos aduzidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ADIs 6586 e 6587 e do ARE 1.267.897, que tratam acerca da vacinação obrigatória.

Me parece, dessa forma, cristalinamente, que o legislador pátrio – bem como o poder judiciário - mais uma vez, priorizaram a prevalência do interesse da coletividade em detrimento do individual.

Nesse contexto, recentemente, o Tribunal Regional da 2ª região entendeu que, uma vez realizada a recusa pelo empregado em se vacinar, coloca, fatalmente, em risco a saúde da coletividade, o que é vedado pelas determinações supracitadas, motivo pelo qual o ato do obreiro é considerado falta grave, conforme artigo 482, H, CLT.

Vejamos o trecho da decisão proferida em primeira instância, pela 2ª Vara do Trabalho de Caetano do Sul, confirmada pelo Tribunal supracitado (Processo 1000122-24.2021.5.02.0472):

Mais adiante o Guia enumera diversas consequências lógicas de tudo que foi nele exposto, concluindo que se o trabalhador se recusar injustificadamente a ser vacinado, mesmo após lhe ser disponibilizado o direito à informação, poderá configurar falta grave e aplicação de sanções previstas na CLT:

[...]

Assim, após o cotejo da lei e da Jurisprudência da Suprema Corte e em conjunto com as orientações do Ministério Público do Trabalho, este juízo entende que a vacinação compulsória é perfeitamente legal no caso em apreço, ainda mais por laborar a autora em ambiente hospitalar, o que a coloca em estado de vulnerabilidade, podendo tanto contagiar os colegas de trabalho e pacientes ou ser contagiada por eles.

[...]

E por fim, somente na data de 2/2/21, após a segunda recusa em tomar a vacina, a autora recebeu a Comunicação de Dispensa Por Justa Causa, com base no artigo 482, alínea “h” da CLT – ato de indisciplina ou insubordinação. (fls. 118).

Nesse contexto, conclui-se que a recusa do trabalhador em tomar a vacina contra o Covid-19, medida necessária para contenção da pandemia que assola todo território mundial, coloca em risco toda a coletividade em risco, especialmente dos integrantes do corpo da empresa empregadora, indo, portanto, contra a legislação pátria, motivo pelo qual, poderá ser enquadrada a demissão por justa causa, com tipificação no artigo 482, H, CLT.

Pedro Henrique de Castro Gonçalves Leitão
Advogado do escritório Aguiar Advogados. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho.

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