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Entenda o que é assédio organizacional

O TST tem reconhecido o assédio organizacional como motivo para condenar as empresas a pagar indenização por danos morais aos empregados.

28/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A métrica de resultados é o epicentro da atividade empresarial contemporânea. Controlar o ambiente de trabalho, bem como a produtividade e desempenho são fundamentais para o alcance do sucesso. A gestão empresarial hodierna é executada sob dois prismas: reunir informações que se traduzam em números cuja consequência é orientar forma de trabalho e procedimentos. Esta é a base ideológica e estrutural para que o empregador exerça seu poder de subordinar para convencer os empregados a adotar métodos e modos de trabalho adequados aos fins colimados.  

O empregador tem direito1 de exigir metas, resultados, mas não em caráter absoluto. O poder que o empregador possui é limitado à dignidade da pessoa humana e, se exercido fora das balizas de razoabilidade e proporcionalidade há abuso de direito2, modalidade de ato ilícito. A expectativa de resultados e a higidez ambiental do trabalho podem apresentar facetas conflitantes, inconciliáveis. E, neste conflito, deve prevalecer o ambiente de trabalho equilibrado e saudável.

A gestão empresarial equivocada no que tange ao exercício do poder empregatício é a origem do assédio moral organizacional3, pois este advém de conduta abusiva, desarrazoada, ofensiva, distante do comportamento ético almejado. Esta conduta abusiva tem sido alvo de tratamento jurídico, através do viés indenizatório.

Inexiste legislação que regulamente o que é assédio organizacional. Esta figura jurídica foi construída pela doutrina4 e jurisprudência através da repetição de casos e condutas que não se destinam a agredir o patrimônio imaterial de um empregado, mas que extrapolam e redundam em comportamento de gestão, direcionado a todos. O assédio organizacional, portanto, reveste-se de modo de gestão da empresa, de política de gestão ofensiva aos empregados. Como forma de aclarar, vejamos algumas decisões do Tribunal Superior do Trabalho a respeito da matéria:

[...] "DANO MORAL - ASSÉDIO ORGANIZACIONAL - "QUANTUM" INDENIZATÓRIO (ANÁLISE CONJUNTA COM O RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR) [...] A modalidade de assédio organizacional caracteriza-se pela conduta abusiva e reiterada do agressor como método de gestão, não sendo requisito a intenção de prejudicar ou inferiorizar determinada pessoa. Tem por essência a utilização de práticas abusivas para aumentar a produtividade e/ou reduzir custos, como cobranças excessivas de metas, rigor disciplinar excessivo, métodos de gestão por estresse. [...] Ocorre que as relações de trabalho devem se pautar pela respeitabilidade mútua, em face do caráter sinalagmático da contratação, impondo-se aos contratantes, reciprocidade de direitos e obrigações. O terror psicológico dentro da empresa, que caracteriza o assédio moral, manifesta-se através de comunicações verbais e não-verbais, como gestos, insinuações, zombarias, visando desestabilizar a vítima. [...] A atitude patronal afrontou valores éticos que são esperados em uma execução contratual pautada pela boa-fé, causando constrangimentos e dissabores plenamente evitáveis. [...] Todavia, nem a mais radical concepção de mundo capitalista, autoriza a adoção de comportamento empresarial excessivo, rigoroso e aterrorizador, degradando o ambiente de trabalho. Verifica-se que a reclamada adota um perverso sistema de gestão por pressão, para que todos os empregados de suas equipes atinjam as metas a qualquer custo, em evidente abuso do poder diretivo da empregadora e em detrimento da dignidade do trabalhador, que se vê obrigado a trabalhar incessantemente em busca de maior produtividade. [...]. O assédio moral se caracteriza por repetidas perseguições a alguém, devendo haver por parte do empregador o ânimo de depreciar a imagem e o conceito do empregado perante si próprio e seus pares, fazendo diminuir sua autoestima. Trata-se, inicialmente, de uma conduta do empregador direcionada a um indivíduo. Hodiernamente, além do assédio moral individual, tem-se reconhecido a figura do assédio moral denominado organizacional, que compreende um conjunto sistemático de práticas reiteradas, provindas dos métodos de gestão empresarial, que tem por finalidade atingir determinados objetivos empresariais relativos ao aumento de produtividade e à diminuição do custo do trabalho, por meio de pressões, humilhações e constrangimentos aos trabalhadores na empresa. (Grifos nossos)

(TST - AIRR: 15120820175090661, relator ministro Claudio Mascarenhas Brandao, 7ª turma, data de publicação: 24/5/2021)

 

[...] INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. "GESTÃO POR ESTRESSE". INDENIZAÇÃO. VALOR ARBITRADO (DEZ MIL REAIS). EFEITOS PEDAGÓGICOS DA MEDIDA. CARÁTER DISSUASIVO QUE TODA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVER TER. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. [...] No caso dos autos, a Corte de origem arbitrou o valor da indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais), tendo em vista a "extensão do dano" - art. 944 do Código Civil -, advinda do assédio organizacional ("gestão por estresse"), instituída pela empresa. [...] Recurso de revista conhecido e provido. (Grifos nossos)

(TST - RR: 11084420125040281, relatora ministra Maria Helena Mallmann, data de julgamento: 7/11/2018, 2ª turma, data de publicação: DEJT 9/11/2018)

RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO ORGANIZACIONAL. LIMITAÇÃO DE PAUSAS PARA BANHEIRO. Cinge-se a controvérsia a saber se a concessão de pausas, com a restrição de uso do toalete, pode ser admitida no exercício regular do poder diretivo do empregador como prática de incentivo à produtividade. Na hipótese dos autos, a prova oral revelou que, embora concedidos, os intervalos para uso do sanitário eram rigidamente controlados pela Reclamada, visto que o sistema de incentivo de produtividade adotado convergia para: quanto menor o tempo gasto nas pausas, maior a pontuação concedida ao grupo. Havia, aliás, recomendação para que o tempo utilizado para o uso dos sanitários não ultrapassasse 5 (cinco) minutos. Como se vê, o sistema de gestão adotado pela Reclamada mostra-se danoso aos empregados, porque os expõe a constrangimentos e atentando contra a honra, saúde e dignidade do trabalhador, ensejando reparação indenizatória. Não pode o empregador, sob o argumento de que está exercendo seu poder diretivo, violar direitos da personalidade do empregado, sendo certo que o próprio legislador se preocupou em garantir ao trabalhador ambiente de trabalho saudável ao obrigar a empresa a adotar diversas medidas de higiene e saúde, previstas no art. 389 da CLT. Ademais, o controle e a fiscalização da utilização dos toaletes não podem ser vistos como medida razoável, independentemente da atividade exercida pelo empregado. Visto tratar-se de questão fisiológica, que nem sequer pode ser controlada pelo indivíduo, não há dúvidas de que a medida viola o direito à privacidade e ofende a dignidade do trabalhador, expondo-o a constrangimento desnecessário e descabido. Devida, portanto, indenização, a título de danos morais, pela indevida utilização do sistema de gestão, com a restrição ao uso dos sanitários. Recurso de Revista conhecido e provido. (Grifos nossos)

(TST - RR: 13145620145090020, relatora ministra Maria de Assis Calsing, data de julgamento: 29/11/2017, 4ª turma, data de publicação: DEJT 1º/12/2017)

As ementas demonstram, de forma clara, que o assédio organizacional está relacionado ao modelo de ética de gestão adotado na empresa, não se direcionando – em particular – a nenhum empregado, mas à toda coletividade de trabalhadores. Este modelo de gestão, consoante explicitado nas decisões, viola direitos fundamentais e da personalidade do empregado, afetando sua dignidade humana. O assédio organizacional é fundado em práticas gerenciais voltadas ao aumento da produtividade e da lucratividade das empresas que por suas características e por sua reiteração potencialmente causam danos à saúde física ou mental dos empregados5.

As condutas indicadas como assédio organizacional, perpassam por estabelecimento de metas abusivas, limitação ao uso do banheiro, redução arbitrária de pausas, imposição de participação em dinâmicas de grupo aviltantes, por exemplo. Tudo isto, voltando a uma maximização de resultados e redução de custos6, compelindo os empregados a produção crescente que se não alcançadas ou para serem alcançadas geram punições, humilhações, prejuízos psicológicos e até doenças de ordem motora/ocupacionais.

O assédio organizacional tem seis características: abusividade da conduta, habitualidade, contexto organizacional ou gerencial, natureza coletiva do público alvo, finalidade institucional e ataque à dignidade e aos direitos fundamentais do trabalhador7.

O abuso do poder empregatício reside no estabelecer procedimentos e regras que violem a dignidade dos empregados em geral. Atitudes como a cobrança excessiva metas, exigência de resultados cuja viabilidade seja duvidosa ou inexistente. Abordagens desrespeitosas, o controle que exorbite o razoável, são elementos que indicam uma postura empresarial ilícita que deve ser combatida. Ademais, o próprio estabelecimento de padrões arbitrários e reprimendas que ultrapassem as permitidas em lei, recaindo em perseguição, vexame ou humilhação revela-se suficiente para que uma indenização por dano morais.

Os tribunais trabalhistas assentaram entendimento de que o assédio organizacional é conduta empresarial violadora de direitos do trabalhador, pelo que há condenações em danos morais. Sem perder de vista que o sindicato obreiro ou Ministério Público do Trabalho podem buscar judicialmente a condenação da empresa, que pratique assédio moral organizacional, indenização por dano moral coletivo.

Para se evitar o passivo trabalhista e até condenações vultosas por assédio organizacional há dois caminhos claros: a adoção de um programa de compliance com código de conduta e a mudança de cultura institucional, adotando a gestão empresarial ética, positiva e humanizada, que busque resultados através do respeito e incentivo ao desenvolvimento de capacidades e habilidades dos empregados.

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1 REMEDIO, José Antônio; OLIVERA, Gustavo Henrique de. O abuso de direito no sistema jurídico nacional: origens e aplicabilidade. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 22, n. 126, Fev./Maio 2020, p. 113-137.

2 O abuso de direito é ato ilícito. Por isto, sempre que uma conduta permitida em lei extrapole as balizas, haverá contexto para pleito indenizatório. Código Civil. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

3 MORAIS, André Oliveira; NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. O assédio moral organizacional na era da conexão permanente. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 55, p. 111-122, jul./dez. 2019.

4 SOBOLL, Liz Andrea Pereira. Assédio moral organizacional. Uma análise da organização do trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008, p. 25 e ss.

5 RAMOS FILHO, Wilson. Bem-estar das empresas e mal-estar laboral: o assédio moral empresarial como modo de gestão de recursos humanos. Revista Eletrônica do Curso de Direito da Unifacs, n. 108, jun. 2009. Acesso em: 21 Set. 2021.

6 LOYOLA, Fernanda Beatriz Kula; CAMPOS, Erika Paula de. O assédio moral organizacional. Percurso, [S.l.], v. 1, n. 12, p. 259-280, jan. 2013. ISSN 2316-7521. Acesso em: 21 set. 2021.

7 SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça dos. Assédio moral organizacional virtual. Conteudo Juridico, Brasília-DF: 21 set 2021. Acesso em: 21 set 2021.

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BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de instrumento em recurso de revista 15120820175090661, relator ministro Claudio Mascarenhas Brandão, 7ª turma, data de publicação: DEJT 24/5/2021.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista 11084420125040281, relatora ministra Maria Helena Mallmann, data de julgamento: 7/11/2018, 2ª turma, data de publicação: DEJT 9/11/2018.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista 13145620145090020, relatora ministra Maria de Assis Calsing, data de julgamento: 29/11/2017, 4ª turma, data de publicação: DEJT 1/12/2017.

LOYOLA, Fernanda Beatriz Kula; CAMPOS, Erika Paula de. O assédio moral organizacional. Percurso, [S.l.], v. 1, n. 12, p. 259-280, jan. 2013. Acesso em: 21 set. 2021.

MORAIS, André Oliveira; NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. O assédio moral organizacional na era da conexão permanente. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 55, p. 111-122, jul./dez. 2019.

RAMOS FILHO, Wilson. Bem-Estar das Empresas e Mal-Estar Laboral: o assédio moral empresarial como modo de gestão de recursos humanos. Revista Eletrônica do Curso de Direito da Unifacs, n. 108, jun. 2009. Acesso em: 21 Set. 2021.

REMEDIO, José Antônio; OLIVERA, Gustavo Henrique de. O abuso de direito no sistema jurídico nacional: origens e aplicabilidade. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 22, n. 126, Fev./Maio 2020, p. 113-137.

SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça dos. Assédio moral organizacional virtual. Conteudo Juridico, Brasília-DF: Nov. 2020. Acesso em: 21 set. 2021.

SOBOLL, Liz Andrea Pereira. Assédio moral organizacional. Uma análise da organização do trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.

Dayse Coelho de Almeida
Advogada e consultora. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Autora do livro Direito do Trabalho e Coronavírus. São Paulo: Letras Jurídicas, 2020 e outras obras e artigos publicados.

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