Recentemente, nos deparamos com o emblemático lançamento do novo prédio residencial mais alto de São Paulo.
O empreendimento batizado de Figueira Altos do Tatuapé, conta com 50 andares e possui 168 metros de altura.
A mesma construtora é também responsável por outro ainda maior com lançamento previsto para o ano que vem, o prédio foi nomeado de Platina 220, é um misto de residencial e comercial – possuindo 172 metros é mais alto que seu irmão, contando com 46 andares.
Desde do início da construção de ambos, o tema voltou à tona e tem gerado muita polêmica entre os especialistas, acerca dos problemas advindos da verticalização, que traz consigo exagerado adensamento nos miolos dos bairros – por vezes não guarnecido de eixo de transporte adequado.
Pois bem. Vamos entender juntos tal problemática do ponto de vista jurídico (se é que ela existe).
O que diz a legislação atual da cidade de São Paulo sobre a licença para obras e edificações?
No município de São Paulo, o Plano Diretor Estratégico em vigor foi implementado pela lei 16.050/2014, trazendo ao seu art. 380 a seguinte regra:
Art. 380. Os processos de licenciamento de obras e edificações, protocolados até a data de publicação desta lei, sem despacho decisório serão apreciados integralmente de acordo com a legislação em vigor à época do protocolo, exceto nos casos de manifestação formal do interessado, a qualquer tempo, optando pela análise integral nos termos desta lei.
Sem nenhum suspense, até porque não estamos num programa de domingo à tarde, ao nosso ver a lei municipal paulista faculta ao proprietário (incluindo aqui os construtores e incorporadores) a possibilidade de executar seu projeto, em conformidade com os índices construtivos vigentes à época do protocolo do pedido, caso a prefeitura cometa alguma arbitrariedade o interessado poderá ingressar com uma medida administrativa ou judicial para assegurar a eficácia do seu direito.
Entenda a polémica envolvendo o prédio mais alto da cidade de São Paulo.
Ao caso, nos padrões em que foi concebido o projeto do Figueira Altos do Tatuapé não seria viável pelas regras do novo Plano Diretor de 2014, o qual segue vigente na capital paulista.
Porém, o protocolado do projeto foi efetivado na prefeitura da cidade em 09/2013 – assim a construtora já tinha autorização para construí-lo.
Agora para seu irmão mais alto, o Platina 220, apesar de seu projeto ter sido protocolado bem antes, no ano de 2011, a construtora achou por bem solicitar uma nova análise, nos termos do atual Plano Diretor, para aproveitar as novas definições de construção para o setor onde o edifício se situa (diferente do outro ele se situa fora do miolo do bairro), o local já conta eixo de transporte, tais como estações trem, metrô e ônibus.
Existe ou não controvérsia jurídica sobre o licenciamento urbanístico?
Sabe-se que é a lei que impõe os limites mínimos e máximos ao poder de edificar do proprietário.
O que nos leva a entender que tal direito vai se modificando à medida que vão surgindo novas legislações, as quais vão traçando novas regras à propriedade, principalmente quanto à índices, coeficientes de aproveitamento e recuos.
O direito de construir não é uníssono desde a aquisição da propriedade do imóvel sobre o qual se pretende construir. Ele é mutável, de acordo com a alteração da lei de regência, conforme pontua o professor Alexandre Levin.1
A Prefeitura local, exercendo seu poder de polícia (poder-dever), tem o encargo de fiscalizar se o projeto apresentado pelo proprietário atende as normas vigentes.
Tal processo é chamado de licenciamento urbanístico - dessa maneira em sendo atendido pelo proprietário todos os requisitos legais obrigatórios, expede-se a licença para construir e edificar.
Com já dito, o proprietário não está livre de mudanças durante a tramitação do processo de licenciamento, isso porque a construção deve atender ao gabarito legal, especialmente: coeficientes de aproveitamento, taxas de ocupação, recuos e gabaritos de altura.
Se considerarmos a hipótese em que o pedido é protocolado em conformidade com a lei vigente e as regras são alteradas após o pleito e antes da decisão administrativa.
Dessa maneira, caso sobrevenha nova norma deve o proprietário atualizar o projeto de acordo com os novos índices construtivos?
Se a respondermos sim à pergunta feita anteriormente, muitas obras seriam inviabilizadas, certamente outras seriam obrigadas a reduzir drasticamente o coeficiente de aproveitamento do terreno, algo que pode tornar impraticável qualquer execução de projeto construtivo ou até mesmo coisa pior como tornar a área non aedificandi2.
Em tais hipóteses, existe claro prejuízo financeiro para construtores e incorporadores, sendo eles os mais interessados na conclusão dos projetos exatamente como foram concebidos no início.
É aqui que nasce a controvérsia doutrinária quanto à natureza declaratória ou constitutiva da licença construtiva.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende a natureza declaratória da licença, diferenciando-a da autorização, de caráter constitutivo3.
Carlos Ari Sundfeld reputa que a licença não pode ser meramente declaratória por atribuir ao administrado uma faculdade de que não dispunha anteriormente4.
Os doutrinadores que sustentam a natureza declaratória enfatizam que a faculdade de construir, já decorre da lei e do direito de propriedade, cabendo à Administração apenas constatar a preexistência do direito e declará-lo.
Já os que defendem a natureza constitutiva destacam a circunstância de o titular do direito encontrar-se impedido de exercê-lo antes da obtenção da licença.5
Com todo respeito, o bom senso prático nos faz entender como o professor Alexandre Levin, no sentido que o proprietário está livre de qualquer nova legislação no momento que protocola o pedido de expedição de sua licença construtiva, obviamente desde preencha os requisitos obrigatórios para seu deferimento.
A construtora dos maiores prédios de São Paulo agiu dentro da lei?
Em sendo o projeto de construção protocolado, ele será regido pela lei em vigor naquele momento, mesmo que a execução da construção aconteça à posteriori.
A posição aqui defendida vem ao encontro do Plano Diretor Estratégico vigente na cidade de São Paulo, visto que em áreas, situadas nas proximidades das estações de metrô, trem, corredores de ônibus, a legislação autoriza um coeficiente de aproveitamento bem avantajado, até quatro vezes o tamanho do terreno, sem limite de altura.
Pode até parecer uma jogada estratégica da construtora, visto que em um dos empreendimentos o protocolo foi efetivado meses antes da mudança do Plano Diretor da cidade.
Porém, ambos empreendimentos encontram amparo legal como já amplamente dito neste artigo – a única crítica que devemos fazer é quando o local é considerado miolo de bairro e não possui infraestrutura de transporte adequada, de tal sorte que apesar de ter sido aprovado dentro da legalidade a sua edificação pode afetar negativamente vida dos moradores que ali residem.
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1 LEVIN, Alexandre. Superveniência de legislação mais restritiva no curso de processo de licenciamento urbanístico e o direito de construir de acordo com a lei revogada. Fórum Municipal & Gestão das Cidades – FMGC, Belo Horizonte, ano 3, n. 11, jul./set. 2015
2 Como o próprio nome já diz 'área non aedificandi', em latim significa 'espaço onde não é permitido construir'.
3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo 2732. ed. São Paulo. Rio de Janeiro: AtlasForense, 20149. p. 239-240263.
4 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo… cit., p. 43.
5 KLEIN, Aline; NETO, Floriano. Capítulo 5. O Conteúdo da Atividade de Policia – Parte II Poder de Polícia In: KLEIN, Aline; NETO, Floriano. Tratado de Direito Administrativo – Vol. 4 – Ed. 2019. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais. 2019.