O regime de publicidade de atos, informações e documentos societários cumpre papel extremamente relevante para os agentes (acionistas, sócios, credores, dentre outros) que se relacionam com sociedades que exercem atividades empresárias, ao obrigar que sejam tornados públicos determinados eventos e informações cujo conhecimento o legislador entende que não pode se limitar à sociedade e/ou seu controlador.
Entretanto, um grande entrave que se enfrenta atualmente diz respeito à forma como tais publicações são realizadas: por meio da publicação no Diário Oficial e em jornais.
Basta recuperar as revogadas disposições do Código Comercial (lei 556/1850) para se constatar que, cerca de 171 anos após a edição daquele, a forma como se dá publicidade aos atos societários permanece substancialmente a mesma. Por exemplo, o art. 6º do Código Comercial previa que a concessão da matrícula ao comerciante seria “publicada por editais e pelos jornais, onde os houver”.
Atualmente, nos termos do art. 289 da lei 6.404/1976 (a chamada “lei das S.A.”) e do art. 1.152, §1º, do Código Civil (lei 10.406/2002), a regra geral aplicável às sociedades permanece praticamente inalterada em relação ao exemplo acima do Código Comercial: as publicações legalmente ordenadas devem ser feitas (i) no Diário Oficial da União ou do Estado ou Distrito Federal do local da sede da sociedade e (ii) em jornal de grande circulação na mesma localidade.
Sem dúvidas, é injustificável que, na era da tecnologia, da internet e da comunicação instantânea entre pessoas, até mesmo em nível internacional, as publicações societárias ainda tenham que ser realizadas em jornais impressos (cada vez mais em desuso) e em Diários Oficiais (que, sejamos pragmáticos, ninguém lê). Isso sem falar nos exorbitantes valores cobrados pelos referidos veículos para promover as publicações exigidas por lei (principalmente os Diários Oficiais, com os quais não há concorrência).
Em 2019, houve tentativa de alterar de forma ampla essa realidade, com a edição da Medida Provisória 892/2019, que modificava o art. 289 da lei das S.A. para estabelecer que as publicações relativas às companhias abertas seriam realizadas em portal da Comissão de Valores Mobiliários – CVM; ao passo que as pertinentes às companhias fechadas seriam disciplinadas por ato do Ministro da Economia e realizadas também em ambiente eletrônico. A referida Medida Provisória, no entanto, não foi convertida em lei e caducou, voltando a vigorar o regime anterior.
Enquanto não se consegue aprovar mudança ampla da lei das S.A. e do Código Civil que se aplique a todas as sociedades empresárias, pelo menos as companhias de pequeno e médio porte receberam uma boa notícia a partir da edição da lei Complementar 182/2021.
A referida lei Complementar alterou a redação do art. 294 da lei 6.404/1976 para autorizar que companhias fechadas que tiverem receita bruta anual de até R$ 78 milhões realizem as publicações ordenadas pela lei exclusivamente de forma eletrônica, ficando excepcionadas do disposto no art. 289.
Anteriormente, o mesmo dispositivo legal permitia apenas que companhias fechadas com menos de 20 acionistas e patrimônio líquido de até R$ 10 milhões convocassem assembleias gerais por anúncios entregues a todos os acionistas e deixassem de publicar as demonstrações financeiras e demais documentos mencionados no art. 133 da lei das S.A.
A nova redação introduzida pela lei Complementar 182/2021 no art. 294 da lei 6.404/1976 é bem mais abrangente do que a anterior, na medida em que: (i) não faz qualquer exigência relacionada ao número de acionistas; (ii) substitui o critério do patrimônio líquido pelo da receita bruta anual (que parece muito mais adequado para medir o porte e nível de atividade da companhia); e (iii) estende a exceção do regime geral à todas as publicações ordenadas pela lei das S.A. A única exceção a esse regime simplificado são as companhias abertas ou controladoras de grupo de sociedades, ou a ela filiadas.
A despeito dessa alteração legal, a produção de seus efeitos ficou condicionada à regulamentação por ato do Ministro de Estado da Economia, nos termos do § 5º do art. 294 da lei das S.A. Tal ato foi publicado em 13.10.2021 e consiste na Portaria ME 12.071/2021.
Nos termos dessa Portaria, a publicação eletrônica de atos e divulgação das informações das companhias fechadas com receita bruta anual de até R$ 78 milhões será feita concomitantemente de duas formas: (i) na Central de Balanços do Sistema Público de Escrituração Digital – SPED, instituída pelo Decreto 6.022/2007; e (ii) nos respectivos sites das companhias. Em ambos os casos, exige-se a assinatura eletrônica dos documentos publicados com uso de certificado digital.
Para alívio dos administradores das sociedades, a Portaria do Ministro da Economia consignou expressamente que “não serão cobradas taxas para as publicações e divulgações”. Portanto, finalmente surge uma alternativa definitiva e viável para o caro e ineficiente regime das publicações em Diário Oficial e jornais, especialmente para as sociedades de pequeno e médio porte (certamente as mais impactadas com os custos relacionados às publicações ordinárias).
Obviamente, o regime simplificado instituído pela lei Complementar 182/2021 é melhor do que o anterior (em que todas as sociedades tinham que observar a regra geral). Por outro lado, pode ser objeto de críticas, valendo destacar uma dentre todas: o Código Civil não foi alterado para refletir expressamente essa exceção à forma de publicação para as sociedades limitadas.
Embora com número reduzido de eventos se comparado à lei das S.A., o Código Civil também estabelece diversas situações em que as sociedades limitadas necessitam promover a publicação atos e documentos societários, como, por exemplo, os anúncios de convocação de assembleias de sócios (art. 1.152, §3º), o documento que aprova a redução do capital social (art. 1.084) e os documentos relativos à dissolução e extinção da sociedade (arts. 1.103, I, e 1.109, parágrafo único, todos do Código Civil).
Também no caso das sociedades limitadas, essas publicações, como se adiantou no início deste artigo, devem ser realizadas em Diário Oficial e jornal de grande circulação (art. 1.152, §1º).
Parece contraditório que as sociedades limitadas não tenham sido abarcadas por um formato simplificado de publicação de documentos e informações. De origem muito mais recente que as companhias, as sociedades limitadas foram idealizadas justamente para permitir ao empreendedor se valer do regime de limitação de responsabilidade sem ter que se sujeitar à complexa estrutura de uma sociedade anônima.
Ou seja, consistem em um tipo societário que, por sua própria natureza, possuem estrutura e exigências legais simplificadas em comparação com as sociedades anônimas. Nesse cenário, por atender aos propósitos organizacionais de pequenos e médios empreendedores, as sociedades limitadas são o veículo societário mais utilizado atualmente no Brasil, segundo o Ministério da Economia.1
Simplesmente não faz sentido, então, que o regime de publicidade de atos societários atualmente imposto às sociedades limitadas seja mais custoso e burocrático que o imposto às companhias. Por essa razão, andou mal o legislador ao não ter inserido disposição semelhante à do art. 294 da lei das S.A. no Código Civil.
Sem prejuízo dessa crítica, o art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil, permite que o contrato social preveja a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas das sociedades anônimas.
Conforme acima já destacado, a regra geral sobre forma de publicação de atos societários é mesma para ambos esses tipos societários. Logo, caso determinado contrato social preveja a regência supletiva da lei das S.A., não se vislumbra qualquer impeditivo em aplicar o art. 294 daquela lei à sociedade limitada.
Pelo contrário: a melhor interpretação do art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil, c/c art. 294 da lei 6.404/1976 parece ir no sentido de que a sociedade limitada que (i) tenha estipulado em seu contrato social a regência supletiva da lei das S.A.; e (ii) tenha receita bruta anual de até R$ 78 milhões, pode realizar as publicações ordenadas pelo Código Civil por meio eletrônico, na forma da Portaria ME 12.071/2021.
Em linha com essa interpretação, recomenda-se que o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI, no exercício de suas atribuições legais, determine às Juntas Comerciais que admitam o arquivamento de atos societários de sociedades limitadas publicados na forma da Portaria ME 12.071/2021.
1 No 2º quadrimestre de 2021, o Brasil possuía 4.200.293 sociedades limitadas, contra 172.595 sociedades anônimas. Naquele período, foram constituídas 214.006 sociedades limitadas e apenas 5.442 companhias. Foram desconsiderados os dados de empresários individuais (que englobam os de microempreendedor individual – MEI), que não são pessoas jurídicas. Ref.: MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Mapa de Empresas. Boletim do 2º Quadrimestre/2021. Brasília, 30 set. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 14 out. 2021.