Migalhas de Peso

Melhor Chamar Dr. T.

Na solidão e na companhia, busco forças para seguir em frente! Nas leituras e nas viagens que faço a partir de meu banker (quarto) com uma modesta biblioteca, viajo pelo mundo sem sair de casa! A vida segue!

22/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Olá! Tudo bem? Meu nome é T. Alguns, nos fóruns, nos ofícios, nas varas, nos tribunais, enfim, no cotidiano forense preferem me chamar por Dr. T. Confesso, desde já, que não me agrada o pronome de tratamento, Dr. Porém, ossos do ofício! Se assim preferem, que assim seja. Também não gosto de ser chamado de Sr. Para mim, Sr. está no céu! Porém, mais uma vez, se assim preferem...

Opto por narrar estes fatos do dia-a-dia na primeira pessoa. Acredito que seja melhor assim. Algo mais corajoso! Sem medo! Um mergulho nas relações jurídicas e humanas, nas quais pulo de cabeça!

Hoje é sexta-feira! Após uma dura semana de trabalho, enfim posso relaxar um pouco. Em minha casa, meu lar, tomo sozinho à noite um vinho tinto de supermercado e fumo um charuto holandês barato. Deixo me envolver pelo néctar de Baco e ser levado pelas fumaças defumadas sem rotas definidas. Eis que toca o telefone.

Uma colega da época de faculdade. Me ajudara bastante nas tarefas e lições do curso. Na ocasião, por falta de experiência, não soube conduzi-la ao esplendor. Ofereci um “miojo” com ovos, quando, na verdade, deveria ter oferecido um salmão defumado, com cebolinhas verdes, com cogumelos, arroz branco, ovos mexidos e um bom vinho. Minha amiga me liga, assim, de repente, no meio da noite. Também advogada deseja marcar uma reunião acerca de um caso. Não recuso! E marcamos de pronto!

No sábado, encontro-a em um café, localizado em uma esquina, próximo a um grande hotel. Ela logo diz, quando pergunto do que se trata: “Bora logo resolver pendências!”. E sem deixar que me manifestasse diz: “O hotel é logo ali! Vamos?!”. E obediente e como seu fiel servo, deixo-me levar e conduzir por seus encantos, feitiçarias, magias puras!

Um ótimo fim de semana. Uma nova semana se irradia! Após refeições, almoços e orações em família, me preparo para mais uma semana no batente! O trabalho! Em frente!

No fórum de Santana, duas audiências no mesmo dia, uma seguida da outra. Dr. T, de Terno e gravata. Apesar de tudo, não reclamo! Faz parte! Gosto de dizer que estou fantasiado! E, por baixo de minha fantasia, um amuleto da sorte! Minha camisa do Batman para dar sorte!

Para conciliar as audiências, chego um pouco cedo e converso com os responsáveis de cada ofício, para explicar a situação e as demandas. Cientes disso, me tranquilizam e dizem que não há com o que se preocupar.

Uma audiência de violência doméstica e outra sobre regulamentação de visitas (direito da Família). Sou academicamente especialista em direito do Estado e constitucional, com foco no Direito Público. Já na prática forense sou um generalista, com atenção particular em determinados temas, como Consumidor e Família e PMEs. Na realidade, tenho parcerias com outros advogados, o que me permite atuar em diversas frentes. Mas! Voltemos aos Fatos!

No caso da violência doméstica, consegui que a excelentíssima juíza absolvesse o réu. Nas alegações finais, a digna promotora de justiça alegou por tempo extenso suas observações. Quando me foi dada a palavra, logo disse de início que seria breve. Meus argumentos! O réu é primário e sem antecedentes. As medidas protetivas concedidas afastam a suposta vítima de qualquer perigo. Há insuficiência probatória no caso, não sendo comprovados os fatos. Temos hoje a Justiça Seletiva, velha conhecida da Opinião Pública. O STF (Supremo Tribunal Federal), nesse sentido, absolveu um furto de um copo de requeijão. Assim, seria preciso uma mudança de cultura e posturas, sem a ânsia condenatória, diante da insignificância e bagatela, que não ferem significativamente o bem jurídico protegido. Disse que seria breve! E assim fui! Logrando êxito no feito!

Já quanto à ação de regulamentação de visitas, trata-se de um caso que envolve uma tia-avó pleiteando mais tempo com os netos, em detrimento dos pais. Os genitores nunca se casaram e estabeleceram de comum acordo as regras de visitas dos menores. Os pais simples e bem esclarecidos, não negam as visitas a tia-avó, constatado os laços afetivos das crianças com a senhora. Porém, a senhora alega até que as crianças choram quando vão embora. O que, no entanto, clarificado quando o pai informa que a senhora comprou um Playstation e só deixa os sobrinhos netos utilizarem em sua residência. Quando as crianças pedem para leva-lo para casa, a tia-avó nega, afirmando que o brinquedo só pode ser utilizado em sua casa. Diante das exposições dos fatos, dos argumentos das partes e nossos, e concessões de nossa parte, o outro pólo da ação quer mais, não satisfeito com as concessões. No final, a audiência restou infrutífera. Porém, o martelo da lei, após uma parábola à Esopo, não uma filosofia kantiana ou aristotélica, resumiu com uma estória filosófica cotidiana, que, em síntese, “quem tudo quer, nada tem!”.

Finalmente, depois de mais uma semana, mais um final de semana! Recarrego as baterias. Vou a bares, botecos, botequins e ponho o papo em dia com os amigos. Passo mais tempo em família. Por outro lado, também passo horas sozinho. Na solidão e na companhia, busco forças para seguir em frente! Nas leituras e nas viagens que faço a partir de meu banker (quarto) com uma modesta biblioteca, viajo pelo mundo sem sair de casa! A vida segue! Não há como parar o trem! Temos de seguir em frente! Em frente! E viva Saul! E viva Suits! Better call Saul e Suits pulando da telinha da tevê, do Netflix, para um mundo fantástico! Uma vida dura, porém uma bela jornada!

Nicholas Maciel Merlone
Advogado | Professor na Pós-graduação do Senac & Escritor. Mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Autor de artigos, ensaios e análises.

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