Migalhas de Peso

Projeto Alê Sazfir

O céu está em festa desde 2016, e nós aqui continuamos na luta, que sempre foi e continuará sendo da Alê.

20/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Há quase 10 anos me tornei sócia do escritório Toron, Torihara e Szafir, hoje Toron, Torihara e Cunha Advogados. À época do meu ingresso, o escritório ainda tinha em seus quadros a incansável Alexandra Szafir, advogada brilhante, generosa, de sensibilidade ímpar e que deixou um legado único para a advocacia criminal. Sempre digo que a Alê, como a chamávamos, é daqueles seres humanos extraordinários, que Deus capricha bem e só faz um por década.

A história da Alê é de incessantes batalhas, pelos oprimidos, pelos sem voz e sem vez, e pela vida: a sua própria, na voraz luta contra a Esclerose Lateral Amiotrófica —ELA — e a de todos aqueles que a procuravam em busca de ajuda. Os livros Descasos dão uma pequena amostra da gigante que foi a Alê, na vida e na profissão. Para quem é ou pretende ser advogado criminalista, a leitura é obrigatória. Aliás, para quem não é e nem pretende ser advogado criminalista, também.

Conheci a Alê já bastante debilitada. Mesmo acamada, com limitadíssimos movimentos, usava dos seus olhos para advogar, para ajudar, para brigar por quem precisava e não podia pagar. Escreveu Descasos 2 assim, deitada na cama, mexendo apenas os olhos.

Vi a Alê, já sem poder andar, se mexer, ou falar, ir, pessoalmente, ao fórum da Barra Funda despachar um caso pro bono. A indignação com a injustiça era tamanha que as severas limitações físicas que a acometiam não eram suficientes para impedi-la. Foi de cadeiras de rodas, acompanhada por um advogado do escritório, e levou consigo uma carta, escrita com os movimentos dos olhos, com tudo aquilo que ela queria falar e não podia. Entregou para a juíza do caso, esperou que lesse, olhou nos seus olhos. Despachou, brigou por seu cliente e ganhou. Essa era a Alê. Esse era o tamanho da Alê. Uma gigante.

Alê nos deixou em 2016. Sua partida deixou um vazio enorme, a sensação de que o mundo ficou pior, menos humano e a certeza de que precisávamos seguir de alguma forma com sua luta, honrar seu nome e sua história.

Sempre foram muitos os casos pro bono do escritório. São inúmeras as histórias e são dezenas os personagens. Toron e Alê nunca precisaram anunciar isso por aí. Nunca fizeram publicidade. É a grandeza de poucos.

Descobri com a Alê e com o Toron um verdadeiro sacerdócio; a advocacia como um exercício de fé, que não rende honorários e nem capa de jornal. É o advogar para ajudar os desafortunados, os esquecidos, os protagonistas dos muitos Descasos da Justiça Criminal.

A vontade de ajudar mais gente e deixar vivo o espírito da Alê, fez com que colocássemos em prática uma vontade antiga: institucionalizar em nosso escritório um setor inteiramente pro bono, para as outras tantas vítimas dos Descasos. É assim que nasce o Projeto Alê Szafir.

À frente dessa empreitada desafiadora, como não poderia deixar de ser, está o também gigante Alberto Toron, de quem tenho a honra de ser sócia e aprender diuturnamente o real sentido da advocacia criminal. Conduzindo esse novo setor, está a advogada Ingrid Ortega, já há 8 anos no escritório e que nutre os mesmos ideais e paixões da querida e saudosa Alê.

Após longo estudo, foram criadas diretrizes objetivas para orientar a atuação do escritório. O Projeto Alê Szafir será integralmente voltado para atender as pessoas hipossuficientes e em situação de vulnerabilidade, especialmente  nos temas que as vitimizam mais constante e gravemente, de modo a atingir, ainda que indiretamente, o maior número de "Descasos".

A batalha é longa, as injustiças são muitas. Essa é uma pequena homenagem a uma das personagens mais incríveis que advocacia criminal já teve e a um ser humano inspirador para muitas gerações.

O céu está em festa desde 2016, e nós aqui continuamos na luta, que sempre foi e continuará sendo da Alê.

Luiza Oliver
Sócia do escritório Toron, Torihara e Cunha Advogados.

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