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A improbidade e o mito da impunidade: reflexões sobre o projeto de lei aprovado

A impunidade é um mito que se pinta como forma de evitar as evoluções legislativas, condenando aprioristicamente a conduta. Há críticas ao projeto de lei? Sim, pode haver. Mas a defesa que se faz é relativa ao conjunto da obra, é sobre a possibilidade de aumentar a segurança jurídica em favor dos processados e reduzir o arbítrio do Estado.

20/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Muito tem se comentado nos últimos dias sobre as alterações da lei de Improbidade Administrativa (lei 8.429, 1992) e o suposto aumento da impunidade. Após aprovação pelo Senado Federal, a matéria foi devolvida à Câmara dos Deputados, que finalmente aprovou no dia 06 de outubro a versão final do projeto de lei. A matéria seguiu para sanção presidencial, que tem até 28 de outubro de 2021 para análise.

Os mais diversos argumentos, nem sempre jurídicos, são utilizados para afastar o mérito da aprovação. Muitos querem ver sangue derramado: condenações e prisões a quaisquer custos fazem parte do menu. É muita emoção e pouca razão.

Nesta linha, o primeiro (contra) ponto diz respeito à eliminação da modalidade culposa para a improbidade administrativa. Para quem não sabe, a improbidade administrativa nada mais é do que uma ilegalidade qualificada pela presença da má-fé, da desonestidade. Não basta, portanto, que uma irregularidade ocorra. É necessário que se demonstre que a pessoa estava imbuída da vontade de (i) se enriquecer (art. 9º), (ii) gerar prejuízo ao erário (art. 10) ou (iii) violar os princípios que regem a administração pública (art.11).

Ora, se a má-fé e a desonestidade fazem parte do elemento subjetivo, nada mais razoável que o recorte necessário para o reconhecimento da improbidade administrativa esteja relacionada com a ação deliberada e consciente do agente que deseja praticar o ato de improbidade.

Por isso, afastar o reconhecimento da improbidade por culpa é uma grande evolução legislativa, que não necessariamente importará em aumento da impunidade. Pelo contrário, haverá mais segurança jurídica nas relações público-privadas, e no próprio estímulo a reduzir o que se tem chamado nos últimos anos de “apagão das canetas”.

Muitos gestores públicos têm deixado de decidir da melhor forma para a administração e para os administrados porque sabem que, no final do dia, poderão ser processados cível, penal e ou administrativamente. É bem por isso que sempre estimulo que as pessoas que julgam (ou pelo prazer sádico de julgar as pessoas, ou porque cumprem o poder-dever estatal de julgar) colocarem-se no lugar daquele que está sendo acusado.

Será mesmo que ele estava agindo de forma deliberada e consciente para o determinado ilícito?

O senso comum não pode ser suficiente para condenar quem quer que seja, e a nova lei, se sancionada, tem essa finalidade, a finalidade de evitar que condenações desamparadas de provas efetivas sejam impostas.

Veja-se, portanto, que a alteração não acarreta por si a impunidade. O dever de provar continua incumbindo ao autor, no sentido de demonstrar que está presente o elemento subjetivo.

Outro ponto importante que a lei preconiza é o reconhecimento da prescrição intercorrente. Ora, se ela existe na seara criminal, na fiscal e na cível, por que não poderia ela ser prevista também na seara da improbidade administrativa? E mais: o que isso tem a ver com a impunidade?

Veja-se que a improbidade administrativa se insere no escopo do direito administrativo sancionador, de modo que não se afeiçoa razoável que as ações durem eternamente. Aliás, a quem interessa a manutenção de uma ação anos a fio sem que nenhuma consequência seja prevista quanto a um prazo? É importante lembrar que a Constituição Federal já consagra a garantia da duração razoável do processo, e a prescrição intercorrente, tal como prevista nas demais searas sancionatórias, é medida que permite o incremento da segurança jurídica.

Não interesse a ninguém, nem mesmo a quem tem o dever de empregar as forças estatais para vigiar e punir, a duração eterna, sem limites, de um processo que julga a improbidade administrativa.

A segurança jurídica não pode ser simples expressão. Ela que tem que ser efetiva. Ela deve ser atendida. Ora, se anos se passam e nada se prova, não é uma questão de complexidade do caso, mas de efetiva falta de tipificação da conduta. Se não há prova de que tenha o agente agido de forma consciente e deliberada – e esse é o ponto a ser provado –, não há dizer existir improbidade.

Outra questão relevante, entre outras, a ser noticiada é a que diz respeito à eliminação da defesa prévia. Se sancionada o Projeto de lei aprovado, o rito da ação de improbidade deixará de prever a defesa prévia. Embora pudesse ser uma oportunidade de a ação ser resolvida rapidamente, logo após a oferta de defesa escrita dos implicados, a rigor era uma fase que não levava a lugar algum; a grande maioria das ações são recebidas mesmo que não se tenha elementos, em muitas delas, para que a ação seguisse, criando apenas uma fase desnecessária – e que a rigor antecipava a defesa, fazendo que depois da defesa prévia ainda houvesse a apresentação de contestação, isso sem contar do agravo de instrumento que era possível às partes interpor, recebida ou rejeitada a ação.

A nosso ver, portanto, a impunidade é um mito que se pinta como forma de evitar as evoluções legislativas, condenando aprioristicamente a conduta. Há críticas ao projeto de lei? Sim, pode haver. Mas a defesa que se faz é relativa ao conjunto da obra, é sobre a possibilidade de aumentar a segurança jurídica em favor dos processados e reduzir o arbítrio do Estado. Quando se está a litigar sobre importantes restrições aos direitos, entre elas a pena capital ao ser político, que é a suspensão dos direitos políticos, assegurar um processo justo e mediante regras claras é respeitar o Estado de Direito.

Paulo Henrique Triandafelides Capelotto
Advogado sênior e sócio do escritório Dal Pozzo Advogados.

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