Migalhas de Peso

O marco temporal para demarcação de terras indígenas

O julgamento pela não aplicação do marco temporal, com base na promulgação da Constituição Federal de 1988, seria um grave retrocesso, afetando diretamente o agronegócio e indiretamente toda a população, dado o efeito cascata que ocorrerá com a diminuição da produção agrícola.

20/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou no dia 26/8/21, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365/SC que irá decidir sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil. Assunto que vem gerando muita discussão no âmbito jurídico e econômico, na hipótese do STF não reconhecer a tese favorável ao marco temporal, que defende a previsão de que indígenas podem reivindicar somente terras comprovadamente ocupadas por eles antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Entendimento este que diverge da FUNAI, Ministério Público Federal e demais órgãos que representam os povos indígenas.

Explicaremos no decorrer deste artigo, de forma objetiva, apesar de ser um tema complexo e que demandaria várias páginas, um pouco da origem da discussão e os impactos deste julgamento para a economia e especificamente ao agronegócio.

A Constituição Federal de 1988, trouxe nos artigos 231 e 232 os direitos dos índios e reconhecendo a eles o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo à União demarca-las. Sendo este o cerne da discussão no STF.

No ano de 2009, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do caso que envolvia a demarcação da terra indígena (TI) “Raposo Terra do Sol”, o aposentado ministro Carlos Ayres Brito, julgou favorável à comunidade indígena, utilizando como uma das premissas para elaboração do seu voto, o fato daquela comunidade estar na posse da terra anterior a promulgação Constituição Federal, que se deu em 5 de outubro de 1988.

Com base nessa decisão, houve o pedido de cancelamento de diversos processos administrativos de demarcação e ajuizamento de inúmeras ações de anulação de procedimentos demarcatórios e reintegração de posse, cuja uma delas foi a que se encontra em julgamento no STF, tendo como partes a Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (FATMA) e de outro lado os indígenas da etnia Xokleng, Funai e União.

Na primeira e segunda instância a FATMA teve seus pedidos atendidos, havendo a determinação judicial para reintegração da posse, sendo utilizado em todas as instancias julgadoras, aquele fundamento empregado pelo Ministro Ayres Brito no julgamento que envolvia a demarcação da TI Raposa Serra do Sol, lá em 2009, de que somente poderiam reivindicar as terras comprovadamente ocupadas antes da promulgação da CF/88.

Neste caso acima, o TRF-4 aplicou o critério do "marco temporal' ao conceder ao instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ.

O caso de FATMA, não foi isolado. Tribunais de todo Brasil começaram a julgar também neste mesmo sentido. Foi ai então, que houve a intervenção do Ministério Público Federal (Ação Civil Pública) e da Advocacia Geral da União (através de pareceres), requerendo a suspensão de todos os procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas e ações que tratavam sobre o tema.

Com base nas inúmeras ações de reintegração de posse e anulatórias de processos administrativos, foi que o Relator do RE, Ministro Edson Fachin, reconheceu que o assunto em questão deveria ser julgado como matéria de repercussão geral, ou seja, o que for decidido neste julgamento será aplicado em todos os casos de demarcação de terras indígenas. É a partir deste ponto que inicia a preocupação com o resultado final deste processo.

Os povos indígenas e seus representantes defendem que o marco temporal é inviável, já que diversas tribos foram expulsas de suas terras antes da promulgação da Constituição Federal, e que por esse motivo não estão na posse de suas propriedades, inviabilizando assim a demarcação.

Do outro lado da celeuma, temos a classe ruralista, alguns Órgãos Federais, empresas e Estados da Federação que defendem a instituição do marco temporal, afirmando que a adoção dessa tese traz segurança jurídica e protege o direito à propriedade privada, sendo um risco para o agronegócio e também a economia brasileira caso não seja fixada.

Uma pesquisa realizada pelo Instituo Pensar Agropecuária (PensarAgro), que reúne 44 entidades do setor produtivo, concluiu que se não houver o marco temporal com base na promulgação da CF/88, nós teremos um salto de 14,1% para 27% do território brasileiro considerado terra indígena, contra 7,8% de lavouras; 1,5 milhão de empregos a menos; uma queda de R$ 364,59 bilhões no faturamento do setor e queda de US$ 42,73 bilhões nas exportações, e claro, o cancelamento de títulos de propriedade de imóveis, cujo os proprietários apenas serão indenizados pelas benfeitorias e não pela terra.

Para o advogado Rudy Ferraz, chefe da Assessoria Jurídica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em sustentação oral por videoconferência, alertou a importância da realização de uma análise quanto as consequências que a decisão contrária poderia provocar, como impor a necessidade da contratação de laudo antropológico quando for realizada a compra de um imóvel, para atentar que não havia índios na aérea em um passado remoto, causando assim uma insegurança jurídica aos proprietários de terra.

Segundo ele, “o marco temporal é o único instrumento que traz segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade das relações sociais no País. É um referencial insubstituível para os títulos de propriedade e um importante instrumento de conciliação e de diálogo que nós precisamos para, muitas vezes, resolvermos casos no campo”, afirmou.

O Ministro Edson Fachin, votou no dia 09/09/2021 de forma contrária ao Marco Temporal, defendendo que são fundamentais os diretos dos indígenas, entendendo que além de garantir a manutenção de uma vida digna aos índios, “a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas, sob pena de desconsideração desses direitos enquanto direitos fundamentais, bem como de todo o arcabouço normativo-constitucional da tutela da posse indígena ao longo do tempo”.

O Ministro Kássio Nunes Marques votou no dia 15/9/21 a favor da tese do Maro Temporal, defendendo que a posse indígena sobre certa terra somente deveria existir até 1988, a fim de evitar a expansão ilimitada para áreas já incorporadas ao mercado imobiliário do país.

Após o voto do ministro Nunes o julgamento foi adiado, devido a solicitação de vistas dos autos pelo Ministro Alexandre de Moraes, sendo incerta a data de retorno do julgamento, para que os demais integrantes da Suprema Corte possam votar.

Apesar de não ser possível datar a finalização do julgamento, devemos ficar atentos ao resultado que impactará significante o agronegócio nacional. Importante mencionar que o Agro não é contra os povos indígenas, ou a favor daqueles que adquiriram e adquirem propriedades por meios irregulares. O setor defende aquele produtor de boa-fé que através do seu suor, conquistou de forma legítima o título de sua propriedade.

No nosso entendimento, o julgamento pela não aplicação do marco temporal, com base na promulgação da Constituição Federal de 1988, seria um grave retrocesso, afetando diretamente o agronegócio e indiretamente toda a população, dado o efeito cascata que ocorrerá com a diminuição da produção agrícola.

Kannandra F. Farina Danielewz
Advogada no escritório Aibes Advogados Associados

Antonio de Las Cuevas
Advogado do Aibes Advogados Associados, especialista em Direito do Agronegócio.

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