O processo de construção de uma sentença
Carlos Almiro Melo*
A função do juiz é fazer acontecer a justiça nos conflitos existentes no seio da sociedade, através da sentença. No processo de construção de uma sentença, lida o juiz não só com conflitos reais entre as partes, como também, com conflitos ideológicos, que quase sempre estão presentes entre as partes, entre as partes e o Estado (expresso nas leis), entre o juiz e as partes e entre este e o próprio Estado.
Infelizmente, em muitos processos, para se chegar à justiça, é preciso descobrir a verdade, o que realmente aconteceu, as verdadeiras emoções e motivações envolvidas no conflito.
Nos crimes de ação pública, a verdade já deveria estar presente no Inquérito Policial, porém, na maioria dos casos, isto não acontece, cabendo ao Juiz a descobrir a verdade, para que justiça possa ser alcançada.
A busca da verdade é fundamental na construção de uma sentença e, durante o processo de construção, deve o Juiz evitar influências ideológicas. A única ideologia possível de ser aceita, é a ideologia do Estado, contida na Lei. Através da descoberta do “espírito da lei”, chega-se à vontade do legislador, portanto, à vontade do Estado.
Não quero com isto tirar a importância da dialética no processo de construção de uma sentença, porém, a ideologia que deve primar, é a ideologia do Estado.
Toda vez que uma sentença é construída fora desses parâmetros, se correrá um grande risco da justiça não ser alcançada.
A melhor sentença é aquela, onde o juiz ignorou as suas convicções durante o processo da sua construção. Assim haverá mais chance de aproximar o Direito da Justiça.
Não quero dizer com isto que o Juiz deixe de ter convicções ideológicas, pois isto é impossível, a ideologia junto com os sentidos permitem a interpretação de tudo que acontece ou aconteceu no mundo. O que não está correto é o juiz impor a sua ideologia a outros, através da sentença. Como seria uma sentença de um Juiz marxista numa sociedade capitalista?
Assim, quanto mais próxima a sentença estiver da vontade do legislador, mais próxima estará da Justiça. Quanto mais a sentença estiver próxima das pretensões de qualquer das partes do processo, ou dentro das convicções do juiz, mais longe estará da justiça. Fugir dessa realidade é entrar num rol de discussões intermináveis, aonde não se chegará a nenhuma conclusão.
Beccaria, por volta de 1762, já alertava do perigo do excesso de discricionariedade por parte do juiz. “ Não existe coisa mais perigosa do que aquele axioma comum que é preciso consultar o espírito da lei. Seria um dique rompido ante a torrente das opiniões.”
Beccaria mais adiante fala: “O espírito da lei seria, pois, o resultado de uma boa ou má lógica do juiz, de uma fácil ou malfeita digestão; dependeria da violência de suas paixões, da fraqueza de quem sofre, das relações do juiz com o ofendido, e de todas aquelas pequeninas forças que mudam as aparências de cada objeto no espírito instável do homem.”
Desta forma, o Direito Alternativo como chamam alguns ou o uso alternativo do direito como querem outros, representa um sério retrocesso na evolução do Direito, uma afronta ao Estado Democrático de Direito.
Imaginem o poder discricionário ilimitado nas mãos de juízes como Rocha Matos, Nicolau, Mazlum e muitos outros que estão a povoar os nossos tribunais. A impressão que tenho, fruto dos constantes noticiários, é juízes com a firmeza de caráter de um João Batista Herkenhoff.
Ao que me consta, a ciência ainda não é capaz de detectar em exames psicológicos, ou outro qualquer tipo de exame, desvios de caráter, propensão à desonestidade, etc.
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* Administrador de empresas
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