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Previdência privada e direito das sucessões

Os planos de Previdência Privada ou Complementar são geralmente contratados visando garantir ao beneficiário, durante a sua aposentadoria, um padrão de vida semelhante ao que tinha quando estava trabalhando. Entretanto, em caso de falecimento do participante (assim entendido quem contrata o plano), é preciso determinar como será regida a sua sucessão no tocante também aos direitos advindos do plano de Previdência Privada contratado.

8/2/2007


Previdência privada e direito das sucessões

Aline Hungaro Cunha*

1. Os planos de Previdência Privada ou Complementar são geralmente contratados visando garantir ao beneficiário, durante a sua aposentadoria, um padrão de vida semelhante ao que tinha quando estava trabalhando. Entretanto, em caso de falecimento do participante (assim entendido quem contrata o plano), é preciso determinar como será regida a sua sucessão no tocante também aos direitos advindos do plano de Previdência Privada contratado.

2. Cumpre esclarecer, inicialmente, que o contorno dos direitos sucessórios dependerá muito do plano de Previdência Privada escolhido e do tipo de benefício contratado.

3. Quando da contratação do plano de Previdência Privada, em geral, o participante indica um beneficiário. O beneficiário, segundo a Resolução n.º 92/2002 do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados), é a(s) pessoa(s) indicada(s) livremente pelo participante para receber os valores do benefício na hipótese de seu falecimento, de acordo com a estrutura do plano.

4. Deste modo, se em decorrência do plano contratado e do falecimento do participante que o contratou, alguém vier a receber os valores aplicados na Previdência Privada, esta pessoa será o beneficiário indicado. Por outro lado, se o participante não tiver indicado qualquer beneficiário, então os herdeiros legais, segundo o Código Civil (clique aqui) (artigo 792), receberão o montante aplicado.

5. Neste ponto, é importante ressaltar que a liberdade de escolha do beneficiário pelo participante sofre algumas restrições.

6. De acordo com os artigos 30 e 73 da Lei Complementar 109/2001 (clique aqui), a legislação aplicável aos seguros e às sociedades seguradoras aplica-se também, no que couber, às entidades e institutos da Previdência Privada. A partir disso, tem-se que o Capítulo XV do Código Civil de 2002 (Do Seguro) aplica-se subsidiariamente às questões de Previdência Privada.

7. O art. 793 do CC/2002 dispõe que "é válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato". Em uma interpretação a contrario sensu, pode-se inferir que se ao tempo do contrato o segurado não era separado judicialmente, nem se encontrava separado de fato da sua cônjuge, será inválida a instituição da companheira (que, no caso, seria melhor chamada de concubina) como beneficiária.

8. Nesse sentido, era até mesmo mais claro o Código Civil de 1916, cujo artigo 1.474 previa que não era possível instituir como beneficiário pessoa que fosse legalmente inibida de receber doação do segurado. Diante desse artigo, combinado com o artigo 1.177 do CC/1916 (clique aqui) (este mantido no art. 550 do CC/2002), que previa que a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice podia ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até 2 (dois) anos depois de dissolvida a sociedade conjugal (arts. 178, § 7°, VI, e 248, IV), era nítido que a instituição de cúmplice do cônjuge adúltero como seu beneficiário em seguro de vida ou Previdência Privada era inválida.

9. Cumpre ressaltar que a mudança de redação do artigo 1.474 do Código Civil de 1916 para o artigo 793 do Código Civil de 2002 não alterou o conteúdo da disciplina quanto à matéria neles tratada.

10. Lembrando-se ainda da aplicação das normas sobre seguros à Previdência Privada, merece destaque o art. 792 do CC/2002, que prevê que "na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária". Dispõe, ainda, o parágrafo único deste dispositivo que "na falta das pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência".

11. A partir do acima exposto, nota-se que, não sendo necessariamente seguida a ordem de vocação hereditária, os direitos previdenciários e securitários não obedecem às regras normais aplicáveis aos direitos sucessórios. É por esse motivo que tais direitos são conhecidos como aqueles que compõem a sucessão anômala, afastando-se das regras da sucessão legítima.

12. No entanto, a sucessão anômala não pode ser vista como um meio apto a evitar a aplicação de toda e qualquer regra de sucessão legítima. Os herdeiros necessários, por exemplo, devem ter seus direitos sucessórios preservados, de modo que a sua legítima deve ser respeitada, não podendo o participante dispor sobre a integralidade do seu patrimônio, alocando-o todo para planos de previdência e seguros. Sendo assim, o respeito à legítima dos herdeiros necessários deve ser entendido como mais uma restrição à escolha do beneficiário e ao montante aplicado em planos de Previdência Privada.

13. Visando tornar mais clara a relação entre o plano de previdência privada escolhido e os direitos sucessórios existentes em caso de morte do participante, faz-se necessário especificar alguns destes planos.

14. A SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) e as entidades de Previdência Privada chegaram a criar alguns planos padrão, que podem oferecer os seguintes tipos de benefícios: pecúlio por morte, pecúlio por invalidez, pensão por morte e renda por invalidez.

15. Os planos, em geral, possuem duas fases: a fase de contribuições e a fase de pagamento do benefício, sendo que o momento de ocorrência da morte do participante, em uma fase ou outra, tem grande relevância para a definição dos direitos existentes.

16. Ocorrendo a morte do participante durante a primeira fase, o saldo acumulado será disponibilizado a seus beneficiários e, não tendo estes sido indicados, aos seus herdeiros legais. Deste modo, se o titular do plano ainda não estava aposentado quando da sua morte, todo o capital acumulado é transferido aos beneficiários e, na falta destes, aos herdeiros legais, sem necessidade de incluir esses valores no inventário em ambos os casos.

17. Por outro lado, se a morte do titular ocorrer após sua aposentadoria, é preciso verificar o plano contratado.

18. Se, ao entrar no plano de previdência, o investidor não contratar um plano adicional de "renda reversível" ou de "prazo mínimo garantido" e vier a falecer após a sua aposentadoria, o saldo de suas reservas fica para a instituição financeira.

19. Assim, ao adquirir um plano de Previdência, é preciso contratar essa cobertura extra, para que o beneficiário indicado (ou herdeiros legais, se for o caso) tenha direito à pensão em caso de morte do titular durante a fase de pagamento do benefício.

20. Nessa fase são possíveis quatro situações, dependendo dos contornos que o plano possui.

21. Se o contrato for de renda mensal vitalícia, o valor será pago só ao titular em vida, ou seja, morrendo este, nem beneficiário nem herdeiros receberão as aplicações da Previdência Privada.

22. Se o contrato for de renda mensal temporária, o benefício é pago exclusivamente ao titular pelo tempo contratado, cessando com o seu falecimento ou com o decurso do tempo contratado (o que ocorrer primeiro).

23. No benefício de renda mensal vitalícia com prazo mínimo garantido, se a morte do titular ocorrer antes do final deste prazo mínimo garantido, o benefício irá para os beneficiários pelo período restante da garantia. Não havendo beneficiários indicados ou se aqueles indicados tiverem falecido antes do participante, o benefício será pago aos herdeiros legítimos do titular pelo restante do prazo mínimo. Por outro lado, caso ocorra a morte do participante após o prazo mínimo, a obrigação de pagamento de benefícios cessa para a entidade.

24. Por fim, há o benefício de renda mensal vitalícia reversível ao beneficiário indicado, no qual o pagamento é feito ao participante enquanto ele estiver vivo, mas, caso ele morra, o percentual do valor estabelecido será revertido ao beneficiário indicado. Se o beneficiário morrer antes do participante ou durante o período de recebimento, a reversibilidade acabará1 .

25. Diante das diversas possibilidades de planos e de planejamento de benefícios, atualmente, a Previdência Privada tem sido muito usada como instrumento de sucessão patrimonial, possibilitando que, em caso de morte do participante, o patrimônio seja transferido imediatamente aos beneficiários ou herdeiros, sem necessidade de esperar a conclusão do inventário.

26. Conclui-se, assim, que, na Previdência Privada, os direitos sucessórios dependerão do plano e dos benefícios contratados, conforme acima exposto, de modo que, com a morte do participante, pode receber as aplicações o beneficiário, o herdeiro ou, então, pode até ser que a entidade de Previdência Privada fique com os valores investidos.

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1 Além das modalidades-padrão supracitadas, há ainda o plano da renda mensal vitalícia reversível ao cônjuge com continuidade aos filhos menores, no qual, ocorrendo o falecimento do participante durante a percepção da renda, o percentual do valor estabelecido na proposta de inscrição será revertido vitaliciamente ao cônjuge. Na falta deste, o benefício é reversível temporariamente ao(s) menor(es) até que completem uma idade para maioridade estabelecida no Regulamento e conforme o percentual de reversão estabelecido.
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*Advogada do Escritório Boccuzzi Advogados Associados

 

 

 

 

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