Migalhas de Peso

A educação tributária como instrumento de emancipação social e política do povo brasileiro

Imagine se o povo concedente do poder tributário, então, passasse a compreender que o tributo é amigo e não inimigo do povo, haveria uma forte instância de controle e fiscalização.

13/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Os tributos são atrelados, muitas das vezes, à abusividade do poder estatal, embora, em sua natureza, tenham sido criados com intuito de favorecer o desenvolvimento econômico e social do Brasil e, principalmente, munido do objetivo de beneficiar a sociedade.

O exemplificado paradoxo do tributo é acentuado pela falta de debate sobre o assunto, para além da hermeticidade do ambiente acadêmico, mas sim, de forma democratizada, para que todo cidadão-contribuinte tivesse pleno conhecimento, vez que este seria instrumento eficiente para romper com as velhas distorções e capaz de fomentar o exercício da cidadania.

Nessa perspectiva, o Direito Constitucional Tributário precisa ser dialogado, de modo acessível, não apenas, nas universidades, mas nas escolas, nas associações, nas rádios comunitárias e nas sociedades empresariais. No âmbito acadêmico, deveria ser estudado não apenas pelos centros jurídicos, econômicos e financeiros, mas em qualquer área, sobretudo, porque “o conhecimento é um ato político”1 e, consequentemente, o tributo.

Aliomar Baleeiroafirma que: “o tributo é vestuta e fiel sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação.” Se tudo é político, qualquer profissão perpassa pela discussão, afinal o universo da política é habitado por todos nós, queiramos ou não, vez que em tudo há reflexo político. Então, é imprescindível que a sociedade seja politizada e informada.

O principal desafio é expandir e democratizar a educação tributária e constitucional, pois não basta o estudo e a compreensão do Sistema Tributário Nacional, mas também de toda a ordem constitucional, para que a sociedade tenha consciência fiscal. É importante conceber que o dever de pagar tributo não é o causador dos males econômicos do povo brasileiro.

No Brasil, desde a Constituição de 1824, o constituinte preocupa-se com a tributação. Hugo de Brito Machado3 assegura: “desde o regime constitucional anterior já tínhamos a Constituição mais rica do mundo em normas pertinentes à tributação.” Mas, ainda assim, não era suficiente para controlar os abusos.

Entende-se que a Constituição de 1988 elevou 3 (três) pilares inovadores, quais sejam: os princípios gerais da tributação, as limitações do poder do Estado de tributar e a classificação de distribuição das competências tributárias. Criaram-se instrumentos de proteção à ordem positiva do Estado, a qual abrange os direitos sociais e econômicos, vez que estes serão exercidos e cobrados pelo povo de forma coletiva. A maximização dos direitos exige o correspondente custo, logo, a arrecadação tributária é essencial para concretizar a força normativa da Constituição principalmente quanto à prestação estatal.

Para a população compreender a função social do tributo, tem de existir diálogo e informação, a fim de que o art. 192 da CRBF/88, o qual menciona o sistema financeiro nacional, seja de fato elucidado, de modo a se desconstruir o estigma comum de que “imposto” seria roubo.

Afinal, faz-se necessário compreender a utilidade do impostômetro, que infelizmente é tão odiado pela população, mas, na verdade, serve ao povo como instrumento de controle da administração pública. A arrecadação responsável fomenta atendimentos básicos, tais quais: educação, saúde, segurança, saneamento básico e tantas outras necessidades. Nesse contexto, a quem mais interessaria tanta educação política e tributária?

Importa muito mais ao pequeno empreendedor que busca entender a razão de ser de uma folha tributária onerosa; ao seu João, que abriu sua padaria; à Mariazinha, que tem uma confecção e sonha em se tornar uma grande fábrica, mas que, muitas vezes, nem sabe da existência de incentivos fiscais e, quando sabe, não se encaixa no modelo empresarial que atende às regras para obter a ajuda fiscal.

De fato, a quem arrecada não interessa a difusão do conhecimento sobre a matéria tributária, pois já bastariam as limitações ao poder de tributar impostos pelo regime constitucional. Imagine se o povo concedente do poder tributário, então, passasse a compreender que o tributo é amigo e não inimigo do povo, haveria uma forte instância de controle e fiscalização.

Na Europa, têm-se exemplos fortes da pressão popular pelo controle dos tributos, como, no Reino Unido, com a Magna Carta de 1215, quando nobres e plebeus solicitaram ao Rei João Sem Terra a aprovação de um estatuto que proibisse a tributação irrestrita da Coroa. Já, na Revolução Francesa, intensificou-se a luta contra o fim da tributação extorsiva.

Em temor ao fortalecimento dos vínculos entre o povo e a função social do tributo, exemplifica-se a tentativa de tributação sobre os livros, que seria um meio de “matar dois coelhos com uma cajadada só”, ao passo que o conhecimento é a porta para a fiscalização estatal e encarecer o acesso a este, por meio de impostos, fortaleceria o estigma que se tem sobre a culpabilização do tributo e, ao mesmo tempo, alienaria a sociedade diante de mais óbices ao acesso à leitura. Sociedade sem informação, arrecadação sem conscientização, trocas de favores, abusos de poder, todos esses fatores ensejam retrocesso social e político.

Por fim, com razão a reflexão de Nelson Mandela4: “o conhecimento é a arma mais poderosa para mudar o mundo".

_______

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de Janeiro: Forense,1997.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2015.

MANDELA, Nelson. Conhecimento é arma. Disponível aqui. Acesso em: 31 ago.2021

PARANHOS, Kátia Rodrigues. Abram-se as cortinas e começa o espetáculo. In: PARANHOS, Kátia Rodrigues.(org). História, Teatro e Política. São Paulo: Boitempo, 2012.

Dayane Nayara Alves
Mestra em Direito Econômico e Desenvolvimento pela UCAM-RJ. Especialista em Direito Fiscal pela PUC-RJ. Foi aluna regular da disciplina de Direito e Economia pelo PPGD-UFRJ. Professora Universitária.

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