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Entenda porque o TJ/PR decidiu que os animais detêm capacidade para estarem em juízo

A decisão em comento operou verdadeira inovação com relação ao conceito de pessoa para o direito, e demonstrou, na prática, que o Direito deve acompanhar a evolução de questões sociais e científicas não afetas diretamente à área jurídica, e não apenas pautar-se no sentido estrito das palavras previstas em lei.

14/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

É bem verdade que causa estranheza, num primeiro momento, a afirmação de que animais podem ser parte no processo judicial. No entanto, a discussão acerca da capacidade dos animais para estarem em juízo e da condição de serem sujeitos de direitos é bastante complexa e necessária nos dias de hoje. É justamente em razão disso que o Tribunal de Justiça do Paraná, em decisão inédita e recente, proferida na sessão de 14 de setembro de 2021 da 7ª Câmara Cível, reconheceu que, sim, os animais detêm capacidade para estarem em juízo, e, portanto, podem figurar como parte em ação judicial.

A grande controvérsia no que diz respeito ao assunto pode ser assim resumida: como pode um animal (não-humano, portanto), ser considerado capaz para estar em juízo, quando a lei prevê que apenas pessoas detêm capacidade para tanto?

O Código Civil prevê, logo em seu artigo 1º, que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Já o Código de Processo Civil prevê, especificamente no artigo 70, que “toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.

A doutrina entende que a parte detém capacidade processual quando constatado o preenchimento de dois requisitos: (i) primeiramente, deve se tratar de sujeito de direitos, isto é, aquele que pode contrair obrigações, e (ii) em segundo lugar, e aqui reside a controvérsia que será tratada no presente artigo, também deve se tratar de pessoa que detém plena capacidade de exercer os atos da vida civil.

No que se refere ao primeiro requisito, inexistem grandes discussões, uma vez que a condição de sujeito de direitos dos animais já foi reconhecida não somente pelo entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, mas também pela própria Constituição Federal, em razão do contido no § 1º, VII do artigo 225. A partir daí, os animais deixaram de ser considerados como “coisas” ou bens semoventes.

Cassio Scarpinella Bueno lembra, com relação ao segundo requisito, que “se é verdade que todo aquele que tem capacidade jurídica ou de gozo, ou seja, capacidade de ser titular de direitos e obrigações, na esfera civil, tem também capacidade de ser parte, isso não significa dizer, no entanto, que o exercício desses direitos, no plano processual, não precise, por vezes, ser integrado ou complementado por um outro agente, do mesmo modo que ocorre no plano material” (BUENO, 2017, p. 145 e 146). É dizer, basicamente, que ainda que a parte não preencha o segundo requisito – capacidade de estar em juízo, por ser incapaz para exercer os atos da vida civil –, é possível que ela seja parte no processo judicial, desde que devidamente representada por outro agente. Daí que se extrai a mais relevante fundamentação para sustentar que os animais detêm capacidade de estarem em juízo, pois, tratando-se inequivocamente de sujeitos de direitos, deveriam ter direito de figurar como parte em demandas judiciais que os envolvam, desde que devidamente representados, como é o caso de massa falida, espólio, nascituro, comunidades indígenas, condomínio, dentre outros, que não se tratam, em sua maioria, de pessoas, e sim de entes despersonificados, os quais detêm capacidade para estarem em juízo reconhecida.

Importa, para a análise do caso, entender o que deve ser considerado pessoa para o direito, e nesse ponto, é interessante citar trecho da petição de agravo de instrumento apresentada no caso que originou a decisão do TJPR em discussão (autos de 0059204-56.2020.8.16.0000), quando as advogadas responsáveis pelo patrocínio dos interesses dos agravantes – ONG Sou Amigo e cães Rambo e Spyke – citam Pontes de Miranda para dizer que “para que um ente possa ser considerado pessoa para o direito (para que seja considerado capaz de ter direitos), basta que o sistema confira a ele ao menos um direito: “Para se ser pessoa, não é preciso que seja possível ter quaisquer direitos: basta que possa ter um direito. Quem pode ter um direito é pessoa.””.

O Relator do recurso, Exmo. Dr. Juiz Subst. De 2º grau Marcel Guimarães Rotoli de Macedo, entendeu, e foi acompanhado por unanimidade de votos, que a qualidade de pessoa no sentido jurídico deve ser reconhecida aos animais. Consta, ademais, no v. acórdão, que, conforme ensina Fredie Didier Júnior, “todo titular de direitos substantivos tem capacidade de ser parte em processo judicial, sem o que a garantia de acesso à justiça seria ineficaz e sem utilidade prática”. Concluiu, portanto, que “os animais, enquanto sujeitos de direitos subjetivos, são dotados da capacidade de ser parte em juízo (personalidade judiciária), cuja legitimidade decorre não apenas do direito natural, como também do direito positivo estatal”.

A decisão em comento operou verdadeira inovação com relação ao conceito de pessoa para o direito, e demonstrou, na prática, que o Direito deve acompanhar a evolução de questões sociais e científicas não afetas diretamente à área jurídica, e não apenas pautar-se no sentido estrito das palavras previstas em lei. É nada mais que a demonstração da necessária atividade interpretativa do Poder Judiciário.

Suzan Raphaellen Franche
Advogada e membro do escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados.

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