No dia 1º de setembro do ano curso foi publicada notícia, no site do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, intitulada “Trabalhadora coagida a participar de ritual de cunho religioso durante jornada de trabalho em MG será indenizada”.1
A reparação por danos morais deferida teve como fundamento a dispensa de uma exempregada de um supermercado, que era “constrangida durante o contrato de trabalho a participar de roda de oração antes da jornada de trabalho”, sendo que “o gerente chegou a chamar sua atenção por deixar de comparecer ao ritual, e, passou a perseguila até que houvesse a dispensa por justa causa”.
Na notícia foi indicado que, “para o desembargador Jorge Berg de Mendonça, relator do caso, ficou claro pelas provas que o gerente desrespeitava as convicções religiosas dos empregados de forma habitual, impondo-lhes coativamente prática de culto. Ele chamou a atenção para o estado de sujeição em que se acham os empregados, economicamente frágeis e dependentes da fonte de renda do empregador”.
Além da condenação em pecúnia, e diante da “constatação de que a empresa submetia coletivamente seus empregados a ritual de cunho religioso e no local de trabalho, com violação de suas garantias individuais de liberdade de crença”, foi determinada a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, para eventuais apurações e providências.
A seguir, apresentaremos uma sucinta consideração a respeito do tema.
O nosso ordenamento jurídico estabelece que o cidadão é livre para escolher a sua religião e praticar a sua fé.
A Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 18°, dispõe que “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
Nessa mesma direção restou positivado na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em seu artigo 12º.
O Brasil de igual forma reconhece como direito fundamental a liberdade do cidadão para seguir a sua crença, sendo a matéria tratada, portanto, na nossa lei Maior.
Nesse cenário, devem ser destacadas as disposições contidas nos incisos VI e VIII, do artigo 5º, da Constituição Federal:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
Com efeito, o Estado tem o dever de prevenir e eliminar todas as formas de intolerância e discriminação religiosa, o que alcança, naturalmente, os ambientes de trabalho.
Isso não quer dizer que as empresas ou os empregadores não podem incentivar o fortalecimento da espiritualidade de seus colaboradores, dentro da jornada de trabalho ou do espaço em que são desenvolvidas as atividades laborais.
Tanto é verdade que esse fato não é incomum.
Rogério Rodrigues da Silva, Professor e Psicólogo, em seu artigo “Espiritualidade e Religião no Trabalho: Possíveis Implicações para o Contexto Organizacional”, menciona que “do ponto de vista da organização, a expansão desse movimento de espiritualidade no trabalho insere-se em uma perspectiva organizacional vinculada a uma postura mais humanista diante do mundo. Para Cavanagh (1999), as empresas têm adotado uma axiologia mais transcendental, ligada a valores como paz interior, verdade, respeito e honestidade, que se relaciona a uma busca por significado, por equilíbrio e por humanização e por maior integração da empresa com a sociedade”.
Adiante, no mesmo artigo, prossegue: “De acordo com Pauchant (2002), a espiritualidade no contexto do trabalho não está ligada a um sistema religioso, a uma tipologia específica, nem mesmo a uma ritualística organizada ou a um proselitismo dentro das organizações. Ela não envolve rituais, doutrinas ou crenças religiosas institucionalizadas, ainda que carregue valores comuns à maioria das religiões. Esse autor considera a espiritualidade no contexto organizacional uma forma de humanização e uma nova perspectiva de auto realização no trabalho”.
O que não pode ser tolerado é o direcionamento, mediante coação, no sentido de que o empregado participe de determinada religião ou que se abstenha de seguir a de sua escolha.
Para Mangoni, “forçar a mudança na fé das pessoas é uma das maiores violências, pois mexe com o todo da pessoa, com o significado de sua vida. E o ser humano não consegue viver se não conseguir significar sua vida.”2
O empregador possui o poder diretivo na relação de emprego, mas esse poder deve ser exercido com a cautela necessária a fim de que não sejam violados direitos fundamentais de seus colaboradores e princípios previstos na Constituição, como é o caso do respeito à dignidade da pessoa humana.
Aliás, Ingo Wolfgang Sarlet ensina: “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”3
O certo é que atitudes coercitivas como as descritas acima poderão configurar assédio moral e desaguar nas consequências já apontadas, e até mesmo eventual discussão e pleito de rescisão indireta do contrato de trabalho.
_______
1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui
3 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 60