Migalhas de Peso

Voto plural nas sociedades limitadas

O voto plural pode ser bem-vindo, tendo em vista a garantir o poder decisório, após rodadas de investimentos, aos fundadores, que possuem o racional para tomar as melhores decisões quanto à tecnologia ali desenvolvida.

7/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A publicação da lei 14.195, de 26 de agosto de 2021, incluiu na lei das Sociedades Anônimas, a possibilidade da criação de ações ordinárias com peso de até 10 votos por ação ordinária, o voto plural. A novidade no ordenamento jurídico brasileiro merece uma trilogia de artigos para que possamos discutir diversos cenários que o voto plural pode se encaixar. É bem verdade que o voto plural chegou com inúmeros entraves, porém, como a inclusão do voto plural foi feita na lei das Sociedades Anônimas, se levanta o debate: é possível o voto plural nas Sociedades Limitadas? Em caso afirmativo, em quais condições ele pode ser implantado.

Talvez, a resposta mais fácil, para encerrar a discussão, seria utilizar o inciso I e II do art. 110-A, em que somente Companhias Fechadas e Abertas poderiam utilizar do Voto Plural. Contudo, a Sociedade Limitada possui caráter misto, podendo ser uma sociedade pessoal (aderindo supletivamente às regras da sociedade simples) ou sociedade capitalista (aderindo supletivamente às regras das sociedades anônimas). Assim, o que é necessário discutir é se a estrutura da Sociedade Limitada comporta o voto plural, caso ela aderisse supletivamente às regras das sociedades anônimas.

O art. 110-A da lei das Sociedades Anônimas apresenta alguns entraves para o voto plural, para o que ora interessa, vamos discutir o critério de votação dos sócios, que pode colidir diretamente com a estrutura legal das Limitadas.

Nas sociedades Limitadas, os sócios votam na proporção do valor que investiram no capital social da Sociedade (art. 1076 do Código Civil), não importando o número de quotas, mas o seu valor no capital social. Assim, a multiplicação do peso das quotas não teria efeito, tendo em vista que o valor integralizado por cada Sócio fica o mesmo. Contudo, esse critério de votação já vem sendo relativizado, por parte da doutrina1 e pela orientação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) que, em sua Instrução Normativa 81, permitiu a criação de Quotas Preferenciais, prevendo expressamente a possibilidade de retirada do direito a voto dessas quotas.

Assim, sendo possível retirar o direito a voto nas Quotas Preferenciais, o que impediria de uma Limitada, que utiliza supletivamente a lei das S/A, em criar Quotas com voto plural? Os defensores dessa possibilidade podem levantar permissão embasando-se na lei da Liberdade Econômica2 que dá às relações empresariais a liberdade aos sócios de ditar o seu próprio negócio, tornando subsidiárias as regras empresariais. Assim, para justificar essa possibilidade, os sócios poderiam, em tese, dentro de sua autonomia estabelecer a pluralidade de votos para as quotas de determinada sociedade. A título exemplificativo, o sócio com 1 quota no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) poderia, em tese, ter um peso até 10 vezes maior que o original nas votações.

Apesar de ensejar muitos debates sobre os seus efetivos benefícios, é certo que a adoção do voto plural pode ser um mecanismo muito útil de formação de controle, sem a mesma necessidade de capital que existia o voto plural. Essa medida é especialmente importante numa sociedade limitada, em que há quóruns de 75% dos votos a serem preenchidos. Isso pode permitir uma participação de cada vez mais investidores em determinado negócio, viabilizando o acúmulo de capitais, tão necessário para o desenvolvimento de diversas atividades empresariais, sem que os controladores percam seu poder de direção do negócio3.

Ademais, em sociedade com contornos mais capitalistas, que se caracterizam pela livre cessão de quotas, o voto plural pode ser um instrumento de segurança para o controlador e os administradores no desenvolvimento de projetos.

Em se admitindo a figura do voto plural, restará um grande problema ainda a ser definido que será a implantação dessa figura nas sociedades atualmente existentes. A princípio, o quórum de 75%4 será necessário, pois essa mudança dependerá de uma alteração do contrato social e prever o voto múltiplo. Contudo, surgirão discussões sobre a própria possibilidade de o sócio votar nessa deliberação que cria condições especiais para suas próprias quotas, uma vez que se trata de matéria que lhe interessa diretamente.

Além disso, aplicando-se supletivamente a lei 6.404/76, aparecerá a discussão sobre a necessidade de algum tipo de aprovação dos quotistas que não terão voto múltiplo, na medida em que o artigo 16, parágrafo único exige a concordância de todos os titulares das ações atingidas, no caso de alteração do estatuo na parte que regula a diversidade de classes. A nosso ver, essa autorização dos demais quotistas também será aplicável, diante da mudança do próprio equilíbrio de poder para as sociedades já existentes. Na constituição de novas sociedades, não haverá maiores problemas, pois, decorrerá de um ato constitutivo que conta com o apoio de todos os sócios.

Muitas questões a serem debatidas ainda surgirão.

O importante no momento será aguardar o posicionamento do DREI em relação a possibilidade ou não da utilização do voto plural pelas limitadas, bem verdade que em um âmbito de inovação, o voto plural pode ser bem-vindo, tendo em vista a garantir o poder decisório, após rodadas de investimentos, aos fundadores, que possuem o racional para tomar as melhores decisões quanto à tecnologia ali desenvolvida. Inclusive, cabe ressaltar que a justificativa para a inclusão do voto plural no ordenamento jurídico brasileiro, foi exatamente para evitar “perdas de listagens de empresas brasileiras para quais a manutenção do controle acionário, num estágio inicial de abertura de capital, é fator essencial”5, o que se enquadraria no argumento para permitir que Startups, que adotam o tipo empresarial da Sociedade Limitada, utilizarem do voto plural.

________

1 PRADO, Viviane Müller. As quotas preferenciais no direito brasileiro. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 5/1999, maio/ago. 1999, p. 143. No mesmo sentido: TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto do Código Civil. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 53, p. 405­-415, jul./set. 2011, PINHEIRO, Frederico Garcia. Sejam bem­-vindas quotas preferenciais. Disponível aqui. Acesso em 1 out 2021; RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial esquematizado. 7. ed. São Paulo: Método, 2017, p. 307; GUSMÃO, Mônica. Lições de Direito Empresarial. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, VitalBook file, item 12.7. Ressalvado nesse particular, o ponto de vista pessoal do autor Marlon Tomazette, que se curva, porém, à opinião majoritária quem vem sendo posta em prática.

2 Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

V - gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário;

VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública;

3 GILSON, Ronald J. Evaluating Dual Class Common Stock: The Relevance of Substitutes, 73 VA. L. REV. 807

(1987). Disponível aqui. Acesso em 01 out 2021.

4 Ressalvadas as sociedades limitadas enquadradas como microempresa e empresa de pequeno porte, que têm um regime especial de deliberação no artigo 70 da Lei Complementar 123/2006.

5 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Medida Provisória 1.040, de 2021. Disponível aqui. Acesso em: 28 set. de 2021

Marlon Tomazette
Sócio no escritório Tomazette, Franca e Cobucci Advogados.

Lucas Lacerda Esteves
Advogado no Ouriques Cruz Advocacia Empresarial

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