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A responsabilidade civil dos hospitais em casos de infecção hospitalar

Nota-se que há jurisprudência reconhecendo a inevitabilidade da infecção e, com isso, afastando a responsabilização quando provado que o hospital adotou todas as medidas possíveis para evitar a contaminação.

6/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O presente estudo se dedica a analisar o crescente número de ações propostas por pacientes, perante o sistema judiciário brasileiro, envolvendo a responsabilidade civil dos hospitais por infecção hospitalar.

A “infecção hospitalar”, atualmente chamada de “infecções relacionadas à assistência à saúde – IRAS”, é aquela adquirida após a admissão do paciente em instituição de saúde (hospitais, clínicas, pronto-atendimentos etc.) e que se manifeste durante a internação ou após a alta, devendo ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares.

Em linhas gerais, toda infecção decorrente de ato cirúrgico é considerada infecção hospitalar, todavia, faz-se necessário delimitar a responsabilidade civil do hospital, vez que mesmo em instituições com excelente padrão de qualidade e controle, é tecnicamente impossível a exclusão completa dos riscos.

Com o passar dos anos, algumas leis e diretrizes sobre o tema foram criadas, o que ocasionou uma revisão dos preceitos jurídicos que norteiam a problemática da responsabilidade civil dos hospitais decorrentes de infecção hospitalar, refletindo diretamente na jurisprudência pátria.

Inicialmente, destaca-se o conceito de infecção hospitalar traçado pelo jurista e doutrinador, Stocco (2007, p. 583) a saber:

 (...) a chamada 'infecção hospitalar' é a presença no local da prática médica desses seres inferiores e oportunistas, que se desenvolvem, multiplicam e contaminam o organismo debilitado do paciente, por decorrência de intervenção cirúrgica ou da ação de medicamentos, que podem resultar em consequências nocivas a esse indivíduo, em grau maior ou menor, até mesmo com possibilidade de conduzir ao óbito ou a lesões graves e, ainda, interferir na cirurgia realizada ou no tratamento desenvolvido, visando a cura. Pode-se, então, afirmar que não há estabelecimento de saúde sem infecção. (...)

Cediço que a obrigação dos hospitais é considerada obrigação de meio, eis que devem assegurar a incolumidade do paciente durante o período de internação, mas não o resultado – ou seja, garantir um resultado certo e definido.

Não menos importante é a diferenciação da responsabilidade subjetiva – que depende da comprovação do dolo ou culpa na modalidade de imprudência, negligência ou imperícia, por parte do causador do dano – da responsabilidade objetiva, a qual independente de culpa, sejam resultantes de ações ou omissões de alguém, ou estejam conexas com sua atividade.

De acordo com Kfouri Neto (2010, p. 90) “a responsabilidade objetiva, pois, independe de ilicitude e de culpa. Dispensa-se, por isso, a alegação e prova de qualquer conduta culposa. O nexo causal entre o fato e o dano, sim, deve ser demonstrado pelo lesado”.

A responsabilidade dos hospitais, pelos serviços paramédicos e de hotelaria, contudo, admite as excludentes da responsabilidade civil. Nas palavras de Hamid Charaf Bdine Júnior  (2007, p. 134):

Essa obrigação, contudo, não subsiste se não houver defeito ou se o dano resulta de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, §3º, II e II, CDC).

Conforme apregoa a lei 9.431/1997, os hospitais brasileiros são obrigados a manter um Programa de Controle de Infecções Hospitalares (PCIH), criando Comissões próprias para rigoroso controle das ocorrências e visando assegurar que as instituições de saúde disponibilizem infraestrutura adequada.

Prepondera nos tribunais brasileiros, nos casos envolvendo infecção hospitalar, a perspectiva da responsabilidade objetiva das instituições de saúde, sob o fundamento de que o risco de infecção é inerente à atividade do ambiente hospital, em consonância com o artigo 6º do CDC.

Nesse sentido, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1642307/RJ, DJe 18.12.2017, firmou o entendimento de que “o hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si (e-STJ, fl. 2209)”.             

Por outro, surgem relevantes decisões afastando a responsabilidade objetiva dos hospitais quando comprovada a existência das excludentes e das mencionadas Comissões, ou seja, quando comprovado que o hospital envidou todos os esforços para evitar infecções hospitalares, não se caracterizando, portanto, defeito na prestação do serviço hospitalar.

Tem-se que a infecção hospitalar constitui risco inerente à realização de todo e qualquer procedimento médico, mas, nem sempre, configura defeito do serviço médico-hospitalar capaz de embasar o dever de indenizar.

A infecção hospitalar é uma das causas que provoca o maior índice de mortalidade e, por consequência, do aumento das demandas propostas invocando a responsabilidade civil.

Nota-se que há jurisprudência reconhecendo a inevitabilidade da infecção e, com isso, afastando a responsabilização quando provado que o hospital adotou todas as medidas possíveis para evitar a contaminação.

Tal posicionamento, contudo, está longe de ser majoritário, predominando o entendimento de que a ocorrência de infecção comprovadamente hospitalar configura descumprimento da obrigação contratual, resultando em indenização.

 __________

Kfouri Neto, M. (2010). Responsabilidade Civil dos Hospitais. São Paulo: Revista dos Tribunais.

Silva, R. B., Godoy, C. L., Zuliani, Ê. S., & Bdine Junior, H. C. (2007). Responsabilidade Civil na Área da Saúde. São Paulo: Editora Saraiva.

Stocco, R. (2007). Tratado de Responsabilidade Civil. Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais.

Mariana Liza Nicoletti
Sócia do escritório Fernando Corrêa da Silva Sociedade de Advogados.

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