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O contrato de namoro e sua efetividade

O contrato de namoro pode ser um documento eficaz para que não haja a caracterização da união estável e, com isso, resguardar os interesses e o patrimônio dos envolvidos, desde que a declaração de vontade constante do aludido instrumento seja reflexo da verdade.

29/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Há algum tempo, passou-se a falar na possibilidade da celebração de contrato de namoro, por meio de instrumento público ou particular, a fim de resguardar os interesses dos casais que não desejam configurar o seu relacionamento como sendo uma união estável.

Como se sabe, em casos de inexistência de documento formal por meio do qual duas pessoas declaram que vivem em união estável, há comportamentos sociais que conduzem à conclusão de que o relacionamento mantido se trataria de uma entidade familiar, tais como a existência de conta bancária conjunta, um contrato de aluguel firmado por ambos, compromisso de venda e compra de imóveis, indicação do outro como beneficiário em seguro de vida ou previdência privada, inclusão do outro como dependente no contrato de seguro saúde ou ainda a constituição de uma empresa em nome de ambos.

O fato é que, se a união estável é uma entidade familiar e gera direitos e obrigações para aqueles que convivem de forma pública e contínua, com o objetivo de constituir família, afigura-se desnecessário para seu reconhecimento que o casal firme um documento nesse sentido, de modo que aqueles que não tem o objetivo de constituir família, mesmo que vivam sob o mesmo teto, precisam contar ao mundo que não são uma entidade familiar para, assim, não estarem sujeitos aos direitos e obrigações inerentes à união estável.

Em resumo, pode-se dizer que o indicativo se uma relação configura união estável é o desejo imediato de constituir uma família.

Mas como minimizar os riscos de que se entenda que determinado casal de namorados é uma entidade familiar? A resposta parece simples: não sendo uma entidade familiar.

No entanto, é muito tênue a linha que separa o namoro da união estável, já que atualmente os namorados dormem na casa do outro com frequência, viajam juntos, inclusive com familiares e amigos etc.

Diante disso, com o objetivo de evitar que os direitos e obrigações inerentes à união estável alcancem os namorados, como direito à mútua assistência e direitos sucessórios, instrumentos denominados contrato de namoro vêm sendo celebrados.

Acerca do tema, Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Dabus Maluf ensinam que:

“Diferentemente, dos companheiros, cujos direitos pessoais e patrimoniais são resguardados pela lei, os namorados não têm direito a herança nem a alimentos. Assim, com o fim do namoro, não há qualquer direito na meação dos bens do ex-namorado. Aliás, nem há de se falar em regime de bens ou em partilha de bens entre namorados. Os namorados não têm nenhum direito, pois o namoro não é uma entidade familiar”. (MALUF, Carlos Alberto Dabus, MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus, Curso de Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 376-377).

Com relação a esse instrumento, a primeira pergunta que devemos fazer é: o chamado contrato de namoro é de fato um contrato? 

O artigo 421 do Código Civil prevê que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

Por sua vez, o artigo 422 do Código Civil dispõe que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Muitos doutrinadores defendem que o denominado contrato de namoro na verdade não é um contrato, haja vista que não há direitos e obrigações recíprocos entre os contratantes, portanto, não há repercussão jurídica.

Ocorre que, não há nenhuma vedação legal à celebração desse instrumento, de cunho declaratório, por meio do qual duas pessoas afirmam e reconhecem que o relacionamento afetivo que mantém não é uma união estável, diante da ausência dos seus elementos caracterizadores, em especial, pelo desinteresse em constituir família.

Parece-me, então, que a validade do contrato de namoro está condicionada à veracidade das informações nele contidas. Se de fato aquelas pessoas não estão juntas com o objetivo de constituir família, é um namoro e o contato deve ser tido por plenamente válido.

É evidente que não se pode atribuir validade a um documento criado exclusivamente para falsear e burlar as consequências que emanam de normas de ordem pública ou tenham objeto ilícito, com o direito dos companheiros à percepção de alimentos, o direito à herança etc. (artigo 166, II e VI do Código Civil), mas também não se pode negar validade a um instrumento que retrate a verdade e a vontade das partes envolvidas.

Em que pese seja expressivo o entendimento doutrinário no sentido de que o contrato de namoro não tem validade jurídica, pelas razões já mencionadas, há decisões judiciais fundadas em contratos dessa natureza para negar o reconhecimento de união estável.

É verdade que não se trata de decisões fundadas unicamente na existência do instrumento, mas também em aspectos fáticos da vida dos contratantes.

A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento de um recurso de apelação proveniente de uma ação de reconhecimento de união estável, objetivando a partilha de bens e percepção de alimentos, confirmou a sentença proferida em Primeiro Grau e negou provimento ao recurso, sob o entendimento que não se tratava de uma união estável, mas de um namoro. O Relator fundamentou sua decisão em elementos fáticos, como o curto tempo de relacionamento, a inexistência de coabitação e o fato de terem firmado um contrato de namoro: “Verifica-se que os litigantes convencionaram um verdadeiro contrato de namoro, celebrado em janeiro de 2005, cujo objeto e cláusulas não revelam ânimo de constituir família”(gn). (TJSP – Apelação n. 9103963-90.2008.8.26.0000. 9ª Câmara de Direito Privado. Relator: Grava Brazil. Data de julgamento: 12/08/2008).

Agora, se por um lado admite-se o reconhecimento da união estável, mesmo quando não há coabitação, pode-se admitir que se trata de namoro, quando a coabitação está presente. 

A pandemia fez com que esse cenário se tornasse muito comum. Casais de namorados passaram a residir sob um mesmo teto, já que estão trabalhando em casa e, assim, podem estar juntos sem colocar em risco sua saúde e de terceiros, cumprindo a orientação de isolamento social, só que a dois. 

Entretanto, essas pessoas não sabem se o relacionamento será duradouro, se chegarão a constituir família, não pretendem que haja comunhão de bens e não têm dever de assistência mútua. Trata-se de um grupo de pessoas que está nessa situação de forma provisória e que deseja retornar à situação anterior, assim que a pandemia terminar. 

Contudo, a pandemia está perdurando muito mais tempo do que imaginaram e, enquanto isso, as pessoas adquirem bens, fazem reservas financeiras, contraem dívidas, o que justifica celebrarem um instrumento que retrate sua realidade e, especialmente, deixe claro que eles não desejam constituir família de imediato, portanto, não vivem em união estável e os diretos e deveres atinentes a esse instituto jurídico não se aplicam a eles. 

Vale mencionar, ainda, que há decisões judiciais reconhecendo que a relação havida entre as partes é um namoro qualificado e não união estável. Pode-se dizer que a diferença entre ambos consiste no fato de que no namoro qualificado, ao menos um dos dois não entende que se trata de uma família, ainda que admita a possibilidade de se tornar uma entidade familiar no futuro.

Neste sentido, ao julgar o recurso especial de número 1.454.643, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que no relacionamento amoroso das partes envolvidas no processo julgado, em que pese duradouro, não havia o interesse imediato de constituir família por pelo menos um dos envolvidos.

Diante dessa situação concreta, o STJ fundamentou sua decisão no entendimento de que na união estável a família está constituída e no namoro, mesmo que qualificado, há mera expectativa de constituição da entidade familiar.

O fato é que, diante da incerteza sobre o posterior reconhecimento judicial do contrato de namoro, os contratantes já podem prever no seu contrato de namoro que, na hipótese de reconhecimento da união estável, por exemplo, o regime de bens a ser adotado é o da separação convencional de bens. 

Conclui-se, portanto, que o contrato de namoro pode ser um documento eficaz para que não haja a caracterização da união estável e, com isso, resguardar os interesses e o patrimônio dos envolvidos, desde que a declaração de vontade constante do aludido instrumento seja reflexo da verdade. Se restar comprovado que os contratantes têm uma relação pública e contínua com o objetivo de constituir família, o contato de namoro será nulo e a união estável será reconhecida.

Fernando Brandão Whitaker
Sócio do escritório De Vivo, Castro, Cunha, Ricca e Whitaker Advogados.

Claudia Baptista Lopes
Sócia do escritório De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados.

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