A lei por vezes restringe a liberdade de contratar com o fim de proteger um dos contratantes que considera em desvantagem em relação ao outro, estabelecendo normas cogentes onde normalmente as partes poderiam deliberar livremente.
Este é o caso do casamento com regime de separação legal ou obrigatória de bens, previsto no artigo 1.641, inciso II do vigente Código Civil, e no antigo artigo 258, §2º, inciso II do Código de 1916, que estabelece a incomunicabilidade dos bens adquiridos no casamento contraído por determinadas pessoas.
O atual artigo 1.641 praticamente reedita o antigo artigo 258, com algumas pequenas modificações, mas iguais em sua essência, o que é amplamente criticado na doutrina em se tratando de imposição do regime de bens em razão da idade.
Para Sílvio de Salvo Venosa1, o objetivo do legislador foi “afastar o incentivo patrimonial do casamento de uma pessoa jovem que se consorcia com alguém mais idoso”, pressupondo a má-fé de um dos nubentes e a hipossuficiência do outro, tomando por base unicamente o critério biológico da idade.
Segundo Rolf Madaleno2, a imposição de regime de bens a pessoas maiores de 60 anos constitui-se em intromissão indevida do Estado na esfera íntima do cidadão, implícita a ideia de que a partir de uma certa idade a pessoa torna-se menos capaz de gerir a própria vida e deve ser ‘protegida’ com a separação obrigatória de bens caso venha a se casar.
A jurisprudência há muito tenta corrigir os efeitos por vezes nefastos desta previsão legal, e já em 1964 o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 377, segundo a qual “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. A súmula em questão tem por objetivo conferir maior simetria às relações conjugais cujo regime de bens é o da separação obrigatória, evitando que os aquestos, assim entendidos como “o patrimônio adquirido no período da vida em comum” segundo Maria Berenice Dias3, não sejam partilhados.
A razão de existência da referida súmula é exatamente a presunção do esforço comum na aquisição de bens na constância do casamento; afastar da partilha bens adquiridos na constância do matrimônio em razão da imposição do regimento de separação obrigatória seria causa de injustiça em relação a um dos cônjuges, daí a necessidade de ‘corrigir’ esse possível efeito da lei.
Resta saber se a presunção do esforço comum é relativa ou absoluta – em outras palavras, é necessária a prova do esforço comum na aquisição dos bens adquiridos na constância de casamento cujo regime de bens é o da separação obrigatória?
O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que a partilha de bens onerosos adquiridos na constância de casamento sob a separação legal depende de prova do esforço comum na aquisição de tais bens, ou seja, a presunção é relativa.
No entanto, há casos em que os aquestos são compostos também por bens recebidos por fato eventual – como por exemplo o ganho de prêmio em loteria -- e estes devem igualmente integrar a partilha no caso de casamento com separação obrigatória, em razão tanto da Súmula 377 STF, quanto do que vem disposto nos artigos 1.660, inciso II do Código Civil em vigor, e artigo 271, inciso II do Código revogado.
Verifica-se, por fim, que a Súmula 377 do STF, ainda aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça -- que embora evoluído sua jurisprudência para exigir a prova do esforço comum – implica em transformar, verdadeiramente, o regime de separação obrigatória de bens em outro similar ao da comunhão parcial, com a possibilidade de meação de aquestos.
A alternativa, ainda não muito difundida na sociedade brasileira, é a opção pelos pactos pré-nupciais, em que se afaste, expressamente, os efeitos da comunhão de aquestos em dito regime, quando o casamento for contraído por maiores de sessenta anos (ainda que com relação a apenas um dos nubentes). A Corregedoria do Geral de Justiça do Estado de São Paulo já admitiu a habilitação de casamento, cujo regime é o de separação obrigatória de bens, e prevalência de pacto pré-nupcial em que se previu a incomunicabilidade da comunhão de aquestos4.
Há que se ressalvar, contudo, que a comunhão de aquestos, em regime de separação de bens, desde que demonstrado o esforço comum, não se aplica à hipótese de separação convencional, entendida como aquela em que os nubentes, com idade inferior a 60 anos, optem por esta forma de gestão patrimonial em seu contrato de casamento.
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1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 6. ed. – 3. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2006, p. 343.
2 MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 867.
3 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 301.
4 Processo Administrativo n. 1065469-74.2017.8.26.0100.