Migalhas de Peso

Para fortalecer a inovação é necessário maior segurança jurídica

Realizar o Direito é tão importante quanto reconhecê-lo. Para fortalecer a inovação é necessário maior segurança jurídica.

22/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Um sistema de justiça que garante segurança jurídica, fornece com clareza as regras do jogo, proporcionando uma estrutura de incentivos para que os agentes desenvolvam suas atividades, confiantes de que terão ao seu dispor uma instituição sólida e eficaz para a proteção de seus direitos na hipótese de qualquer ameaça de violação, criando, portanto, um ambiente favorável às trocas e, por consequência, ao desenvolvimento econômico. 

“O Direito sem o mercado é a imobilidade ou paralisia da sociedade; o mercado sem o Direito é o caos” (Alain Minc) 

INTRODUÇÃO: O ECOSSISTEMA DAS STARTUPS 

Em poucas palavras, ecossistema significa o sistema onde se vive. É um termo que deriva das ciências biológicas.

Contudo, é bastante utilizado no contexto empresarial para designar o conjunto de empresas nascentes e inovadoras que atuam em determinado local, por meio de interação com os hábitos de consumo existentes, com o auxilio de diversos agentes (aceleradoras, investidores, advogados, governos e entidades, incubadoras e etc.) em um cenário de riscos e incertezas.

Analisando a doutrina sobre o tema vemos que as startups podem ser consideradas uma empresa protótipo, em seu estágio inicial de desenvolvimento e em processo de constituição, carente de processos internos e organização, com perfil inovador, altamente dependente do capital: humano (intelectual) e de terceiros (investimentos), bem como, da tecnologia, emergida em condições de risco e incertezas (mercado pouco explorado) tendo como finalidade primordial a criação e o desenvolvimento de produto ou serviços inéditos no mercado. 

Hodiernamente, muitos empreendedores questionam: “qual seria o melhor momento para formalizar minha empresa? ”, ou seja, a criação da pessoa jurídica que irá exercer a atividade empresarial proposta.

De início, cumpre asseverar que se trata de uma decisão estratégica dos seus fundadores, que deveram ter ciência do tempo para a sua constituição e dos custos fixos que deverão arcar adiante, em razão da contabilidade que precisará ser efetivamente declarada.

As bancas ao serem consultadas pelos fundadores das startups sobre a constituição da sociedade, precisam avaliar se o estágio do negócio demanda tal providência e propor alternativas.

Considerando o cenário típico, num primeiro momento do projeto, startups podem dispensar a constituição formal (contrato social), o que não significa dizer que os participantes do projeto estarão desassistidos, se amparados em um bem redigido Memorando de Entendimentos com cláusulas de Confidencialidade.

Superada esta fase, deve-se avaliar a mais adequada estratégia de constituição formal da sociedade, qual seja, a sociedade limitada (LTDA) ou quem sabe uma sociedade por ações (SA).

É mais comum a constituição formal de uma startup por meio de uma “sociedade limitada”, pelas mesmas razões que fazem deste o modelo mais utilizado no Brasil: flexibilidade de contratação, estrutura de governança enxuta e, especialmente, a limitação de responsabilidade dos sócios. Em contrapartida, uma de suas grandes limitações é inadequação do tipo para uma sociedade com grande número de sócios, cujo volume de transações demande (estrategicamente) tornar público certos atos. Nesse contexto, a Sociedade Anônima está mais bem aparelhada e estruturada.

Quanto aos aspectos favoráveis a constituição de limitada, em face da sua característica de sociedade de pessoas, mostra-se mais conveniente no seu estágio inicial, onde as ideias dos negócios estão sendo desenvolvidas, dando suporte à expertise dos seus fundadores e a inovação, de modo menos burocrático e dispendioso.  

Doutra parte, com a consolidação e maturidade de seu negócio, e consequente crescimento, faz surgir à necessidade de receberem um aporte de investimentos sem que isto resulte na alteração do controle, o que acaba muitas vezes por justificar a adoção do tipo societário das sociedades anônimas. 

Como se vê, há uma porção de variáveis a serem consideradas quando da escolha do tipo societário. O advogado, nesse mister, deve ser um parceiro comercial, e um portfolio de gestão, indo além de seu conhecimento jurídico para auxilia-las, em especial, na esfera preventiva, com um minucioso planejamento jurídico para a consolidação de seus negócios.

Ao propor o modelo jurídico adequado à determinada conjuntura, aliado com a avaliação do cenário econômico, o gestor jurídico com sua solução técnica que atenda aos propósitos empresariais, destaca-se como um importante direcionador de valor.

Por sua vez, o profissional contábil, deixa de ser simples guarda livros, passando a ser essencial neste ecossistema, para a melhor tomada de decisões gerenciais, com o objetivo de oferecer suporte a execução do business plan, como por exemplo, a melhor escolha do regime tributário e o planejamento contábil, com a extração de informações da escrituração contábil, de forma segmentadas e personalizadas, para uso na gestão do negócio.

No contexto deste ecossistema inovador, o contrato é essencial ao funcionamento do mercado e permite que agentes econômicos transacionem, agregando riqueza à sociedade. 

Todavia, a inovação exige segurança jurídica para o crescimento sustentável da economia, representada pelo respeito aos contratos e sua força obrigatória perante o Judiciário. 

Na temática proposta, abordaremos o direito dos empreendedores à indenização pelo inadimplemento contratual quanto as disposições inerentes ao capital semente, intrínseca aos programas de aceleração deste segmento, para fins de ilustrar a importância de um ecossistema maduro pautado em tecnologia, segurança jurídica e atratividade de investimentos. 

A RESPONSABILIDADE DO INVESTIDOR PELO PAGAMENTO DO CAPITAL SEMENTE À STARTUP

Trazemos para discussão acadêmica uma hipótese muito recorrente no âmbito das relações contratuais envolvendo startups e aceleradoras. 

A vexata quaestio cinge-se à responsabilização civil do investidor referente a programas de aceleradoras e seus certames, na hipótese de inadimplemento do valor pactuado a título de capital semente e demais benesses oferecidas a startup vencedora. 

Não obstante o princípio do pacta sunt servanda, a conferir a natureza ao contrato de “lei entre as partes”, sofrer, no moderno direito obrigacional, relativização, notadamente por normas de ordem pública e, por consequência, de caráter cogente, como as aplicáveis às relações de consumo, a força vinculante do pacto prevalece, devendo ser cumprida as respectivas obrigações (cf. STJ, REsp167.978/PR, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, julgado em 26.05.1998). 

Cumpre anotar, ainda, segundo ensina Antônio Junqueira de Azevedo1, que “a declaração de vontade, tomada primeiramente como um todo, deverá ser: a) resultante de um processo volitivo; b) querida com plena consciência da realidade; c) escolhida com liberdade; d) deliberada sem má-fé” 

Deste modo, inaugurado o processo seletivo de startups, por determinada aceleradora, cujo prêmio consiste, além de aporte de capital semente, na transferência de know how, sessões de mentoria, disponibilização da lista de contatos e cessão de um espaço de trabalho, dentre outros, deve ser cumprido nos exatos termos delineados em seu edital de seleção em favor da futura vencedora. 

Consoante acórdão proferido pela E. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, uma vez reconhecida a responsabilidade do investidor pelo pagamento do “capital semente” à startup vencedora é cabível a sua condenação no valor máximo discriminado pelo edital. 

“APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA COM PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE CUNHO INDENIZATÓRIO. Sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão autoral. Inconformismo da ré. Preliminar de ilegitimidade passiva. Inocorrência. Ausência de menção quanto à empresa responsável pelo certame em edital oficial. Saneamento de dúvidas feito diretamente coma demandada. Execução de providências para a concretização das benesses prometidas aos vencedores do concurso realizados pela empresa ré. Reconhecimento e confissão de sua responsabilidade pelo pagamento da “capital semente” à autora. Legitimidade passiva configurada. Mérito. Fato incontroverso que a autora foi vencedora do certame. Conjunto probatório que evidencia o adimplemento de todas as obrigações que lhe incumbiam. Ausência de documento anexado pela ré apto a comprovar sua insatisfação com qualquer das atividades realizadas pela demandante. Ônus probatório que competia à demandada. Inteligência do art. 373, inciso II, do CPC. Correto arbitramento do prêmio a ser pago à autora no valor máximo discriminado pelo edital. RECURSO DESPROVIDO” (Apelação Cível nº 1046737-77.2019.8.26.0002. Des. Rel. Azuma Nishi. Julgado em 10/03/2021) 

Os processos seletivos promovidos pelas aceleradoras tem a natureza jurídica de promessa pública de recompensa em que os pretendentes podem disputar um prêmio ou uma remuneração pressupondo uma convocação de pessoas dotadas de certos atributos de idoneidade técnica e a superação de condições especificamente estabelecidas, com uma seleção voltada para a escolha do concorrente que, nos termos do anúncio feito, observados os critérios fixados, demonstrar maior mérito. 

Por oportuno, há de observar os requisitos necessários à obrigatoriedade da promessa de recompensa; ampla publicidade, prévia descrição das condições para serem implementadas pelos concorrentes e indicação de uma premiação final. 

Não obstante, na hipótese de inadimplemento da referida promessa e objeto de discussão judicial, o valor correspondente à condenação, deve observar as premissas inseridas no seu instrumento convocatório. 

CONCLUSÃO 

A confiança é pressuposto de todo e qualquer negócio. É a força motriz da economia porquanto permite a troca de serviços e/ou produtos e benefícios mútuos entre as pessoas. É, de certo modo, um meio indispensável para o surgimento e conclusão de negócios. 

A falta de confiança de que as instituições garantirão o direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas e incertezas sobre as consequências dos atos baseados nas normas jurídicas vigentes, ocasionando no âmbito da sociedade à sensação de insegurança jurídica. 

Esse ambiente é pouco favorável ao desenvolvimento da atividade econômica, o que limita a competitividade das empresas, encarece o crédito, provoca a retração de investimentos, enfim, produz efeitos nefastos na economia. 

Realizar o Direito é tão importante quanto reconhecê-lo. Para fortalecer a inovação é necessário maior segurança jurídica. Segurança jurídica significa também crescimento sustentável da economia. Os investimentos somente serão duradouros e capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico se houver repressão sólida e eficaz a qualquer ameaça de violação de direitos, mormente na esfera contratual, conforme acima exposto. 

Caso não haja formas de se obrigar os devedores a honrarem com suas obrigações, isso poderá acarretar uma insegurança de grande monta e todos sofrerão as suas consequências, com a instabilidade econômica e aumento dos juros, contribuindo, negativamente para o Custo Brasil4. 

O empreendedorismo proporcionado pelas startups e seus investimentos em tecnologias, propiciam o surgimento de um ambiente próspero para a originalidade, de modo a agregar riqueza contínua e duradoura, uma vez que diversificam as exportações de um país, que não pode ficar restrito as oscilações do seu mercado de commodities. 

Além do aspecto jurídico, é importante conhecer o mercado financeiro como um todo, apreender o contexto econômico em que se está e entender de que forma a operação da empresa está alinhada com as perspectivas de desenvolvimento nacional e crescimento econômico mundial. 

A confiança nas instituições, a segurança jurídica, o respeito aos contratos são os insumos de nosso desenvolvimento econômico, tecnológico e consequente protagonismo na ordem econômica mundial. 

_______________ 

1 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico - existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Editora Saraiva 2002, p. 43.

2 IV Jornada de Direito Civil. Conselho da Justiça Federal. Coordenador-Geral Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/ Capturado em: 10/11/19.

3 BRASIL. Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências.

4 Em decorrência da falta de segurança quanto ao cumprimento de cláusulas contratuais e/ou de recuperação de créditos, o credor embute o risco nos juros, em especial, nos contratos de financiamento, onerando ou mesmo restringindo o crédito, o que também implica na diminuição de investimentos. A participação da Justiça no custo Brasil se dá em razão do alto nível de insegurança jurídica e de efetividade da jurisdição, o que provoca o aumento do risco e dos custos das transações econômicas, afetando a competitividade das empresas brasileiras e onerando, por conseguinte, a renda familiar dos consumidores.

Alexandre Assaf Filho
Advogado corporativo. Coordenador da área societária da Laurentiz Sociedade de Advogados. Especialista em Direito Societário pelo Insper/SP e Pós-graduado em Direito Processual Civil pela FAAP. Colunista Jurídico.

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