Migalhas de Peso

A citação eletrônica na lei 14.195/21

É sabido e consabido que ninguém pode alegar desconhecimento da lei para deixar de cumpri-la. Portanto, repita-se à exaustão, as pessoas jurídicas que não possuem o cadastro regularizado junto ao Poder Judiciário ou ao sistema integrado da Redesim devem regularizá-lo.

22/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

No último dia 27/8/21 foi publicada em Diário Oficial a lei 14.195/21, que dispõe sobre a facilitação para abertura de empresas, a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior, o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos, as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, a profissão de tradutor e intérprete público, a obtenção de eletricidade e a prescrição intercorrente no Código Civil, por meio das quais anseia o legislador obter desburocratização e, por conseguinte, aumentar a competitividade e modernizar o ambiente de negócios no país.

Dentre as várias modificações e inserções legislativas contempladas na referida lei, encontram-se, no capítulo intitulado “da racionalização processual”, relevantes alterações no Código de Processo Civil, quais sejam: (i) dever das partes em manter atualizados dados perante órgãos públicos para recebimento de citações e intimações (art. 77, VII, CPC); (ii) estabelecimento de termo inicial de prazos processuais (art. 231, IX, CPC); (iii) fixação de regras de citação (arts. 238, parágrafo único, 246, 247 e CPC); (iv) criação de requisitos ao pedido de exibição de documentos ou coisa (art. 397, CPC); (iv) alteração de regras de suspensão do processo de execução (art. 921, CPC) e (v) revogação dos incisos I a V do art. 246, CPC (hipóteses de citação).

Diante da miríade de alterações processuais, nos cingiremos a abordar neste breve texto as novas regras de citações em processos judiciais, inspiradas no desejo do legislador em melhorar a posição do país no Relatório Doing Business do Banco Mundial, por meio da implementação e utilização efetiva da citação eletrônica.

Entretanto, antes de adentrar no exame de cada uma dessas mudanças normativas, é imperioso destacar que a lei 14.195/2021, ao nosso sentir, já nasce eivada de manifesta inconstitucionalidade no que concerne a essas modificações trazidas sob a bandeira de racionalização processual.

Isso porque a lei 14.195/21 decorre do Projeto de lei de Conversão 15, de 2021 que visava a conversão em lei da Medida Provisória 1.040/21, adotada pelo Presidente da República.

Haveria, portanto, inconstitucionalidade formal, seja pela ausência de urgência para tratar das referidas matérias processuais, seja justamente porque é vedada, na forma do art. 62, § 1º, I, “b”, da Constituição Federal, a edição de medida provisória sobre matéria relativa a direito processual civil, como corretamente alertado pelo Senador IRAJÁ (PSD/TO) no Parecer 160, de 2021-PLEN/SF de sua autoria.

No entanto, até que tal matéria encontre, oportunamente, análise e julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, e, uma vez que tais alterações têm aplicação imediata, com produção de efeitos desde sua publicação, no momento somente nos cabe analisar tais alterações nas regras de citação e aguardar o posicionamento do nosso Colendo STF.

Antes da publicação da lei 14.195/21 a citação acontecia, de modo geral, através dos correios. Conforme a nova redação do artigo 247 do Código de Processo Civil, as citações deverão ser realizadas, em regra, pelo correio ou por meio eletrônico.

Em uma leitura inicial, a colocação do vocábulo “ou” poderia levar o intérprete a entender tratar-se de uma faculdade absoluta, uma opção da parte ou do magistrado em utilizar o meio eletrônico ou os correios para realizar a citação. Mas, em nossa opinião, não o é.

Isso porque o artigo imediatamente antecedente, qual seja, o art. 246 do Código de Processo Civil, também sofreu alterações que deixam inconteste a intenção do legislador em priorizar, como regra da citação, o meio eletrônico. Com efeito, o referido dispositivo reza que a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário.

Analisando esses dois dispositivos em conjunto, resta cristalina a intenção do legislador de empregar maior velocidade e efetividade ao ato citatório, seja eliminando as dificuldades relacionadas à localização do endereço físico atualizado do citando, seja ao estipular o prazo máximo de 2 (dois) dias úteis para a prática do ato.

Quanto ao referido banco de dados do Poder Judiciário, é de se lembrar que a partir da vigência da Resolução 234/2016 do Conselho Nacional de Justiça, foi implementada a Plataforma de Comunicações Processuais (Domicílio Eletrônico), na qual a União, os Estados, o DF, os Municípios, entidades da administração indireta, bem como empresas públicas e privadas, exceto as microempresas e empresas de pequeno porte, mantêm cadastro em cumprimento ao disposto no art. 246, §1º, do Código de Processo Civil e ao art. 8º, §1º e 2º da referida Resolução do CNJ.

A lei 14.194/21 procurou dar maior efetividade a essa norma, por meio da inclusão do inciso VII ao artigo 77 do Código de Processo Civil, estendendo a obrigatoriedade, que já era prevista na antiga redação do § 1º do art. 246 do Código de Processo Civil, da manutenção de dados cadastrais atualizados como um dever também às partes, seus procuradores e de todos aqueles que, de qualquer forma, participem do processo.

O inciso VII adicionado ao artigo 77 e a nova redação do § 1º do art. 246 do Código de Processo Civil trazem a novidade de impor o dever de manter seus dados devidamente atualizados a todas a pessoas jurídicas de direito público ou privado, não figurando mais como exceção a esse comando legal as microempresas e as empresas de pequeno porte.

Parece-nos que tais dispositivos importam em afastamento ao direito constitucionalmente estabelecido de tratamento jurídico diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte sob a justificativa do legislador no sentido de que tais empresas já estão sujeitas ao ônus de manter um endereço eletrônico disponível e atualizado para  fins de cumprimento das obrigações fiscais, o Domicílio Tributário Eletrônico – DTE, sendo certo que a implementação da  citação eletrônica para as MPEs se dará a partir da utilização, pelo Poder Judiciário, dos dados cadastrais constante da Rede Nacional para Simplificação de Empresas - Redesim.

Portanto, as pessoas jurídicas que não possuem o cadastro regularizado junto ao Poder Judiciário ou ao sistema integrado da Redesim devem estar atentas a esta inovação legislativa e adotar as providências necessárias para a regularização! E isto sob pena de sua omissão ser objeto de sanção – outra inovação trazida pela lei 14.194/21.

Isso porque foram acrescidos vários parágrafos ao art. 246 do Código de Processo Civil, estabelecendo diversas regras processuais referentes à citação eletrônica, a saber: se a pessoa jurídica não confirmar o recebimento da citação eletrônica em até 3 dias uteis do seu recebimento, as citações ocorrerão da seguinte forma: (I) - pelo correio; (II) - por oficial de justiça; (III) - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; (IV) - por edital (§ 1º A, artigo 246), sendo certo que, acontecendo de modo diverso da citação por meio eletrônico, a pessoa jurídica citada deverá, na primeira oportunidade que se manifestar nos autos, apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente (artigo 246 § 1º B).

E o mais grave: deixar de confirmar o recebimento da citação por meio eletrônico, sem justa causa, passa a ser considerado ato atentatório à dignidade da justiça, passível de aplicação de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa (artigo 246 § 1º C).

Esse arcabouço normativo acerca da obrigatoriedade de atualização constante dos dados, não permite imaginar que não ter o cadastro regularizado e atualizado por simplesmente desconhecer a legislação poderia, em alguma hipótese, ser considerada justa causa justificar a ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica. É sabido e consabido que ninguém pode alegar desconhecimento da lei para deixar de cumpri-la. Portanto, repita-se à exaustão, as pessoas jurídicas que não possuem o cadastro regularizado junto ao Poder Judiciário ou ao sistema integrado da Redesim devem regularizá-lo.

Por fim, há que se noticiar outra importante inovação processual trazida pela lei 14.195/21, qual seja, a modificação havida quanto ao termo inicial do prazo processual para a resposta, na forma do inciso IX acrescentado ao artigo 231 do Código de Processo Civil, de modo que se a citação eletrônica for regularmente confirmada se considerará o dia do começo do prazo, o quinto dia útil seguinte à confirmação do recebimento da citação realizada por meio eletrônico. De modo que este também é um aspecto que merece a especial atenção de todas as empresas.

Mano Fornaciari Alencar
Sócio do escritório Siqueira Castro - Advogados

Alexandre dos Santos Wider
Sócio do escritório Siqueira Castro - Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Decisão do STF sobre ITCMD: Impactos no planejamento previdenciário

26/12/2024

Sobre o decreto do uso da força policial

27/12/2024

As expressões de publicidade como marca: Breve reflexão sobre a nova interpretação do inciso VII do art. 124 da LPI pelo INPI

27/12/2024

Destrinchando o indulto de Natal 2024

27/12/2024

Rankings jurídicos: Por onde começar?

27/12/2024