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Transexual garante direito a troca de prenome em registro civil

A decisão fora proferida pelo juízo da 6ª Vara de Família da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Considerou para tanto estudos psicológicos e sociais da Autora, assim como a incidência de Direitos fundamentais.

20/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A partir da concepção, o cidadão brasileiro adquire a proteção dos Direitos de Personalidade, sendo estes identificados dentre os arts. 11 e 21 do Código Civil.

Tais direitos compõem um conjunto subjetivo existencial que, contempla a defesa de fatores mínimos para a vida do sujeito, como a proteção ao nome, a vida, a integridade física, a imagem, a privacidade, a honra e etc. Tais direitos são inatos e vitalícios, extinguindo-se apenas com a morte de seu detentor.

Os direitos da personalidade têm por objeto os modos de ser, físicos ou morais do indivíduo. O que se busca proteger com tais direitos são os atributos específicos da personalidade, sendo esta a qualidade do ente considerado pessoa.

As características inatas do indivíduo perante si e a sociedade são tutelas por tais direitos que, expostos no diploma civilista nacional, não são exaustivos, posto que a Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, da CF/88) os acompanha.

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;”

Ainda quanto ao conceito, é importante indicar o disposto no Enunciado 274 do CJF/STJ:

“Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.”.

Neste contexto, nos autos 0045653-03.2012.8.19.0001 a autora postulou ter seu prenome alterado em decorrência de sua transexualidade.

Apresentou pretensão para que seu prenome, masculino, fosse alterado para o feminino em virtude de sua notória transexualidade.

Em exordial, fora indicado que o demandante possui traços físicos e mentais femininos e, que a condição diferente de sua documentação era combustível para hostilidade social.

A fim de comprovar os alegados, fora juntado estudos psicológicos e sociais que corroboravam a condição da demandante.

Aqui, é importante indicar a definição de transexualidade e a sua percepção no cenário jurídico nacional:

De acordo com a Resolução 2.265, de 20 de setembro de 2019 do Conselho Federal de Medicina:

“Art. 1º Compreende-se por transgênero ou incongruência de gênero a não paridade entre a identidade de gênero e o sexo ao nascimento, incluindo-se neste grupo transexuais, travestis e outras expressões identitárias relacionadas à diversidade de gênero.

§1º Considera-se identidade de gênero o reconhecimento de cada pessoa sobre seu próprio gênero.

(...)

§3º Consideram-se mulheres transexuais aquelas nascidas com o sexo masculino que se identificam como mulher.”

Além da definição exposta pelo Conselho Federal de Medicina, a Organização Mundial de Saúde retirou, no ano de 2019, a transexualidade da lista de transtornos mentais durante a 72ºAssembleia Mundial de Saúde, em Genebra. Na ocasião, fora transferida para a categoria de “condições relacionadas à saúde sexual” subclassificada como “incongruência de gênero”, ou seja, transexualidade é uma condição inerente ao ser humano e não uma patologia mental.

Na decisão proferida para o processo supramencionado, em 2013, o magistrado, de forma brilhante, apresentou entendimento avançado, concedente o direito a demandante da troca de seu prenome. Na ocasião, ainda estava em debate a ADI 4275, em que o Supremo Tribunal Federal discutia a aplicação do art. 58 da lei de Registros Públicos.

Vale aqui indicar que, após a demanda em análise, no ano de 2018, o STF decidiu pela permissão da troca do prenome e gênero em registro civil para transgêneros (transeuxuais, travestis, etc.) sem a necessidade de realização de cirurgia de retificação de sexo. Também fora decidido a desobrigação de demanda judicial para tal intento, assim como apresentação de laudos médicos e psicológicos.

Portanto, a decisão favorável no ano de 2013, da demanda em discussão, fora inovadora, visto que permitiu a demandante a alteração do prenome antes da decisão da ADI 4275.

Para tanto, segue trecho da decisão da demanda em debate:

“Do ponto de vista da teoria e da dogmática dos direitos fundamentais, a dianteira de uma ou outra perspectiva não é irrelevante. Ao contrário, a força normativa da Constituição e o conseqüente dever de adotar a compreensão que maior eficácia empreste aos direitos fundamentais requer a prevalência da interpretação que concretize o direito à saúde a partir da perspectiva da liberdade, da igualdade e da proteção da dignidade humana.” (Processo 0045653-03.2012.8.19.0001, p. 3).

A integração entre direito privado e constitucional é evidente nesta decisão, posto que, a vida e integridade físico-psíquica inicialmente apresenta-se em conflito com o direito a proteção do nome da pessoa natural, contudo, a resolução de tal conflito teve como resultado a valorização da Dignidade da Pessoa Humana, ou seja, a qualidade de vida da demandante em detrimento de qualquer impedimento na troca de seu prenome.

“As citações e reflexões acima ventiladas têm como objetivo deixar claro que o acolhimento do pedido de modificação do prenome independe da realização da cirurgia de transexualização. O conjunto probatório dos autos comprova que a parte autora não só apresenta-se com características físicas e psíquicas femininas, como também deixa certo que o nome que melhor lhe identifica e que satisfaz os seus anseios é o nome com tais características. Basta olhar as fotos contidas no documento de fl. 28 e ser verá que a parte autora efetivamente se apresenta como uma mulher.” (Processo 0045653-03.2012.8.19.0001, p. 5).

O Superior Tribunal Federal tem entendido pela permissão da troca de prenome e gênero em registro civil, o que foi encaminhado via argumentação jurídica realizada na  decisão da 6ª Vara de Família, tendo a Autora alcançado seu objetivo: o reconhecimento de sua dignidade.

Vitor Hugo Lopes
Advogado. Pós Graduado em Direito Empresarial e Direito imobiliário. Sócio fundador do Vitor Hugo Lopes Advogados Associados.

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