Migalhas de Peso

Decisão do ministro Gilmar Mendes no processo RE 1.160.361-SP

Da inclusão de pessoas jurídicas e físicas na fase de execução sem que tenham feito parte da fase de conhecimento – impossibilidade - nova regra do art. 513, §5º, do CPC - Aplicação ou não no processo do trabalho.

16/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Assim decidiu o ministro Gilmar Mendes em despacho publicado no dia 14/09/2021, nos autos do processo STF RE 1.160.361-SP, in verbis: 

DECISÃO: Trata-se de agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário formalizado em face de acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, ementado nos seguintes termos:

“RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014. EXECUÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE VIOLAÇÃO DIRETA DE PRECEITO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL. Não se conhece de Recurso de Revista, em processo de execução, quando não demonstrada violação direta de dispositivo de natureza constitucional.

Aplicação do disposto no artigo 896, § 2.º, da CLT e na Súmula

n.º 266 do TST. Recurso de Revista não conhecido.” (eDOC 56)

No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, aponta-se violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, do texto constitucional.

Sustenta-se que o acórdão afronta os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Além disso, diz-se que a execução direcionada à recorrente, sem que tenha participado da formação do título executivo, é ilegal e inconstitucional. (eDOC 66)

Intimada, a parte recorrida defende a negativa de seguimento ao recurso extraordinário ou que lhe seja negado provimento. (eDOC 81)

A Procuradoria-Geral da República posiciona-se pelo não conhecimento do agravo e, sucessivamente, pelo não provimento do recurso extraordinário. (eDOC 125)

Decido.

Assiste razão ao recorrente.

Quanto à possibilidade de empresa pertencente a grupo econômico responder por débitos de empregador condenado, o Tribunal de origem  assim se manifestou:

“Em razão do que até aqui exposto, não se divisa a apontada violação dos incisos II, LIV e LV do art. 5.º da Constituição Federal.

A discussão promovida pela Recorrente já não se mostra mais possível, visto que operado o seu trânsito em julgado, não sendo comprovado qualquer cerceamento ao seu direito de defesa.

Apenas por amor ao debate, registro que a parte deveria ter interposto, em primeiro lugar, Embargos de Declaração contra a decisão de Agravo de Petição interposto contra os seus Embargos de Terceiro e, a posteriori, Recurso de Revista, questionando os pontos relativos ao grupo econômico e à sua  responsabilização. E, no presente Recurso, deveria ter arguido que não haveria coisa julgada em relação à existência de grupo

econômico, o que não foi feito.

Sob qualquer ângulo que se aprecie o teor do Recurso de Revista, o que se verifica é que não foram afetadas as garantias

do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Ademais, a jurisprudência desta Corte é no sentido de ser possível a inclusão de empresa pertencente ao mesmo grupo

econômico no polo passivo da execução (...) As discussões levadas a efeito pela parte revelam inconformismo com o título

executivo transitado em julgado, não implicando violação direta de preceito constitucional.” (eDOC 56, p. 10-11)

Na verdade, observo que há uma situação complexa e delicada na perspectiva do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa no que toca aos processos trabalhistas desde o cancelamento da Súmula 205 do TST, em 2003, a qual dispunha:

“O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.”

A esse respeito, sob o pretexto de melhor reflexão do TST sobre a

matéria, as motivações e os efeitos do cancelamento de referido

enunciado sumular tornaram-se objeto de vívida polêmica doutrinária, conforme se extrai de Sérgio Pinto Martins em sentido oposto ao que se tornou comum na Justiça Trabalhista:

“O responsável solidário, para ser executado, deve ser parte no processo desde a fase de conhecimento. Não é possível executar uma das empresas do grupo econômico que não foi parte na fase processual de cognição, incluindo-a no polo passivo da ação apenas a partir da fase da execução, quando já há coisa julgada.” (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 188)

No entanto, a partir do advento do Código de Processo Civil de

2015, merece revisitação a orientação jurisprudencial do Juízo a quo no sentido da viabilidade de promover-se execução em face de executado que não integrou a relação processual na fase de conhecimento, apenas pelo fato de integrar o mesmo grupo econômico para fins laborais. Isso porque o §5º do art. 513 do CPC assim preconiza:

“Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.

§ 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.” (grifos nossos)

Nesse sentido, ao desconsiderar o comando normativo inferido do §5º do art. 513 do CPC, lido em conjunto com o art. 15 do mesmo diploma legal, que, por sua vez, dispõe sobre a aplicabilidade da legislação processual na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, o Tribunal de origem afrontou a Súmula Vinculante 10 do STF e, por consequência, a cláusula de reserva de plenário, do art. 97 da Constituição Federal.

Eis o teor do enunciado sumular:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”

Por essa razão, o Tribunal a quo incorreu em erro de procedimento. Sendo assim, reconhecida essa questão prejudicial, faz-se imprescindível nova análise, sob a forma de incidente ou arguição de inconstitucionalidade, pelo Juízo competente, antes da apreciação, por esta Corte, em sede de recurso extraordinário, da suposta violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, do texto constitucional.

Nessa linha, cito o RE 482.090, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 13.3.2009, assim ementado:

“CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACÓRDÃO QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DE NORMA FEDERAL. CAUSA DECIDIDA SOB CRITÉRIOS DIVERSOS ALEGADAMENTE EXTRAÍDOS DA CONSTITUIÇÃO. RESERVA DE PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. LEI COMPLEMENTAR 118/2005, ARTS. 3º E 4º. CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (LEI 5.172/1966), ART. 106, I. RETROAÇÃO DE NORMA AUTO-INTITULADAINTERPRETATIVA. ‘Reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que - embora sem o explicitar -

afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição’ (RE 240.096, rel. min. Sepúlveda Pertence,  Primeira Turma, DJ de 21.05.1999). Viola a reserva de Plenário (art. 97 da Constituição) acórdão prolatado por órgão fracionário em que há declaração parcial de

inconstitucionalidade, sem amparo em anterior decisão proferida por Órgão Especial ou Plenário. Recurso extraordinário conhecido e provido, para devolver a matéria ao exame do Órgão Fracionário do Superior Tribunal de Justiça.” (grifos nossos)

Ante o exposto, dou provimento o recurso extraordinário, nos termos do art. 21, §2º, do RISTF, com a finalidade de cassar a decisão recorrida e determinar que outra seja proferida com observância da Súmula Vinculante 10 do STF e do art. 97 da Constituição Federal, prejudicado o pedido de tutela provisória incidental....” 

A regra processual em discussão, presente no Código de Processo Civil 2016, assevera  em seu Título II – DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA, Capítulo I – DISPOSIÇÕES GERAIS, em seu art. 513, in verbis:

Art. 513.

O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.

.........

§ 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento. 

O estudo aqui apresentado está centrado no caput do artigo, assim como no parágrafo 5º do dispositivo. Visa examinar a possibilidade de aplicação ou não do disposto no processo do trabalho. A primeira questão que se coloca está em verificar se existe na legislação processual trabalhista regra similar à mesma, à luz da aplicação subsidiária do processo civil garantida pelo art. 769,CLT. A resposta é negativa, pois do exame da CLT não se verifica norma que conflite com aquela ora em exame, nem outra que regule as limitações ou ampliações da coisa julgada no aspecto passivo do título judicial, como aquela do novo diploma processual civil. Com isso, havendo lacuna legal na CLT, a regra subsidiária do processo civil comum aplica-se ao processo do trabalho. De se registrar que o Tribunal Superior do Trabalho, ao interpretar as novas normas do novo CPC, para aplicação ou rejeição das mesmas, admitindo várias regras e negando outras, através da RES.Nº 203, de 15/0/2016, por seu plenário, silenciou por completo no posicionamento em relação à regra legal ora em estudo. Superado o 1º óbice, é preciso examinar os conceitos de coobrigação e corresponsabilidade, já que aquele da fiança é conhecido e não se discute no processo do trabalho. Coobrigado ou corresponsável são aqueles que por contrato ou imposição de lei estão vinculados ao devedor de uma obrigação, sendo junto com este corresponsável por seu cumprimento. Veja-se que o conceito não retira a responsabilidade do Coobrigado ou Corresponsável pelo cumprimento da obrigação a qual o devedor não cumpriu, mas a norma processual inovou e criou instituto que protege os mesmos, assegurando-lhes o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, assegurados pelos incisos XXXV, LIV e LV, do art. 5º, da Carta Magna, ainda na fase de conhecimento, não se lhes podendo imputar e executar título judicial onde não figuram como devedores.

A norma processual veio assegurar àquelas pessoas físicas e jurídicas o direito de produzir defesa e provas na fase de conhecimento, não podendo ser os mesmos abruptamente atraídos somente na fase de execução. Registre-se que todas essas pessoas físicas e jurídicas podem estar no polo passivo da ação, mas devem compor esse polo também na fase de conhecimento e não somente na fase de execução. Importante lembrar que a Justiça do Trabalho, antes do advento do novo CPC, sempre enfrentou o tema, já que o mesmo demandava construção jurisprudencial. Até novembro de 2003 o que existia no processo do trabalho era uma súmula do TST, nº 205, que assim entendia:“O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.” Como se pode ver, até 2003 o TST possuía regra jurisprudencial que coincidia com a atual regra do NCPC, surgida em 2015. Ocorre que em novembro de 2003 referida súmula foi cancelada pelo TST e a partir daí os juízes do trabalho são amplamente livres para dirigirem os títulos executivos judiciais contra qualquer Coobrigado ou Corresponsável junto ao devedor estampado no título; nesse rol estão incluídos integrantes do mesmo grupo econômico, pessoas físicas proprietárias de empresas, gestores ou qualquer administrador da empresa devedora, sem que estes personagens tenham produzido qualquer defesa ou  provas na fase de conhecimento. Sustenta a jurisprudência atual que se o devedor principal produziu defesa e provas na fase de conhecimento, já o fez para todas as pessoas físicas e jurídicas acima indicadas. O entendimento parece violar os princípios e garantias individuais presentes nos incisos XXXV, LIV e LV, do art. 5º, CF, já referidos. Ou seja, o Excelso STF, no exame da questão, frente a edição do novo CPC, jogas novas luzes sobre o debate. Ora, o credor aciona apenas um devedor, embora existam vários coobrigados e corresponsáveis, litiga apenas com uma defesa; uma produção de provas e, depois de formado o título aciona outras tantas pessoas jurídicas e físicas que poderiam ter produzido outro tipo de defesa, outras provas, ou seja, retira de todas essas pessoas o sagrado direito à ampla defesa, contraditório e devido processo legal na fase de conhecimento, o que viola referidas garantias individuais. E nem se diga que se pode fazer essa defesa e produção de provas na fase de execução, pois todos sabemos que nessa fase processual a amplitude do debate sofre enormes limitações, girando apenas em torno do próprio título executivo, pelo que efetivamente não se sustenta o enetendimento. No caso dos grupos econômicos o Eg. TST, ao sustentar que a defesa na fase de conhecimento feita por uma empresa do grupo aproveita as demais, baseia-se na regra do art. 2º, §2º, da CLT, que assim dispõe, in verbis:

“Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”

Não é preciso, à luz do novo diploma processual, adentrar no amplo conceito que a jurisprudência trabalhista empresta ao dispositivo para ver que merece novo debate a questão à luz da não nova ordem processual para o processo trabalhista brasileiro. Isso porque o conceito de Coobrigação e Corresponsabilidade vai muito além do conceito de grupo econômico, ou seja, aqueles são muito mais abrangentes do que este; com isso a mensagem do legislador foi clara e taxativa, ou seja, nenhuma pessoa jurídica ou física que não esteja no título executivo judicial pode ser atraída diretamente na fase de execução. Assim, tendo em vista a entrada em vigor do novo CPC, em março de 2016, tem plena aplicação ao processo do trabalho a regra do art. 513, §5º, do referido diploma, na forma do art. 769, CLT, pelo que o debate meree amplo exame pelo juízes do  trabalho e Plenário do TST.

Aref Assreuy Júnior
Advogado da Advocacia Maciel.

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