O advento da pandemia, ocasionada pela Covid-19, fez surgir uma intensa profusão de normas, com o escopo de amenizar os impactos gerados pelo período emergencial de saúde pública, vivenciada por todos os países do mundo.
No Brasil, em 13 de maio de 2021, foi publicada a lei 14.151/21, estabelecendo que as empregadas gestantes deverão permanecer afastadas das atividades presenciais de trabalho, sem prejuízo de sua remuneração, durante a emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus.
Ademais, a referida lei também estabeleceu que as empregadas gestantes deverão ficar à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de trabalho a distância.
A despeito de ter como o finalidade primordial a proteção da maternidade e do nascituro, fazendo cumprir os ditames insculpidos na Constituição da República de 1988 e na Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, a novel legislação apresenta-se demasiadamente sucinta, evidenciando caras omissões, e gerando intenso debate entre os especialistas da área.
Duas notórias omissões merecem uma abordagem pouco mais analítica. A primeira a se destacar é: como ficará a situação das trabalhadoras gestantes que exercem atividades incompatíveis com o trabalho a distância? A segunda, a qual merece ainda mais atenção é: quem será responsável pelo pagamento da remuneração dessas trabalhadoras afastadas?
Destarte, na hipótese em que as atividades exercidas pela trabalhadora em estado gravídico sejam completamente incompatíveis com o trabalho remoto, como, a título de exemplo, as atividades das operadoras de caixa, enfermeiras, empregadas domésticas, deve-se estudar a possibilidade de readaptação das funções dessas trabalhadoras, de modo que o labor exercido a distância seja exequível.
Contudo, é evidente que não serão todas as atividades que poderão ser readaptadas e, nesses casos, quem será o responsável pelo pagamento da remuneração dessas trabalhadoras?
A princípio, pode-se suscitar que esse ônus seria do empregador. Entretanto, constitui elemento imprescindível do contrato de trabalho a sinalagma, ou seja, a concomitante existência de direitos e deveres entre as partes da relação empregatícia (empregado e empregador).
Preenchidos os requisitos insertos nos artigos 3° e 4º da CLT, que conceituam legalmente a figura empregado e do empregador, direitos e deveres surgem para ambas as partes. Em linhas gerais, o empregado prestará serviços pessoalmente, com subordinação, onerosidade e não eventualidade ao empregador, cujo a contraprestação será pagar seus salários.
No entanto, a partir da edição da lei 14.151/21, as trabalhadoras obrigatoriamente afastadas do ambiente presencial de trabalho que, pela natureza dos seus serviços, ficam impossibilitadas de exercer trabalho remoto, continuarão tendo direito de perceber sua remuneração, de acordo com o artigo 1º da legislação em comento, mesmo sem a respectiva prestação de serviços, e por todo o período em que perdurar o estado de calamidade pública decorrente da Covid-19.
Assim, ainda que a lei tenha se omitido quanto o responsável pelo pagamento dos salários dessas trabalhadoras gestantes, é notório que a interpretação, sob a ótica da Constituição Federal, é que este dever não será do empregador.
A Constituição da República de 1988, em seu artigo 196, estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado; no artigo 201, inciso II, a previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, e atentará, na forma da lei, a proteção à maternidade, especialmente à gestante; e, por fim, no artigo 227, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde.
Além dos dispositivos acima mencionados, o Brasil é da signatário Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelece regras de amparo à maternidade, sobretudo em seu artigo 4°, item 8: "em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega".
Portanto, à luz do artigo 394- A, § 3º, da Consolidação das leis do Trabalho, a empregada gestante deverá ser afastada, e perceber salário maternidade durante todo o período de afastamento, quando não for possível o exercício de suas atividades em local salubre na empresa, hipótese em que será considerada como gravidez de risco, e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da lei no 8.213, de 24 de julho de 1991.
Assim, no período pandêmico em que se vive, ocasionado pela Covid-19, não é possível o exercício das atividades em ambiente salubre na empresa pelas gestantes, haja vista que o agente biológico (coronavírus) tornou todos os ambientes da empresa insalubre, motivo pelo qual o benefício previdenciário deverá ser pago durante todo o período de afastamento, pelo INSS (responsável pelo pagamento do salário-maternidade).
Esse é o único entendimento constitucionalmente possível, em face das omissões da lei 14.151/2021, já que atribuir ao empregador o ônus arcar com o salário dessas empregadas por todo o período em que estiverem grávidas contraria a Convenção 103 da OIT e a própria Constituição, já que incube ao Estado garantir saúde a todos, proteger a maternidade, especialmente as gestantes, e assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, e à saúde.