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Caso fadinha do skate: a importância da proteção do pseudônimo e a prática de má-fé de terceiros

Diante da retomada da indústria do entretenimento, cada vez mais presente nos meios digitais, essa temática repercute de forma significativa para os Artistas e Produtores, que utilizam plataformas de amplo acesso, como o YouTube e Instagram, nas quais os números de seguidores são fundamentais para a consolidação de sua reputação.

15/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A lei da Propriedade Industrial (lei 9.279/96), em seu Artigo 124, inciso XVI, dispõe sobre a proteção conferida aos titulares de pseudônimo famoso, de modo a impedir que terceiros se utilizem desse, sem a expressa autorização do indivíduo identificado pelo sinal, de modo a buscar obter o registro de uma marca perante o Instituto Nacional da Propriedade industrial (INPI).  

Não somente isso, a proteção de pseudônimo encontra respaldo também no Código Civil (lei 10.406/2002), sobretudo no Capítulo II, específico aos Direitos da Personalidade. É possível notar o destaque conferido a ele, mediante o Artigo 19, diante da afirmação que o pseudônimo, quando adotado para atividades lícitas, goza da mesma proteção conferida ao nome. Logo, resta incontroversa a relevância que esse sinal adquire no ordenamento e, consequentemente, a necessidade de garantir a sua segurança para o uso pacífico pelos seus titulares.

É sabido que o uso de pseudônimos por escritores, autores e músicos clássicos de sucesso não é uma prática recente, principalmente diante da concepção de que tais indivíduos são ainda mais conhecidos por seus nomes fictícios do que pelos seus reais. Esse foi o caso da jovem medalhista olímpica Jhúlia Rayssa Mendes Leal, conhecida desde meados de 2015 como “Fadinha do Skate”, diante de vídeos nos quais ela aparecia realizando manobras vestida de fada.

Os Jogos Olímpicos de Tóquio vieram apenas para confirmar a denominação pela qual Rayssa Leal é amplamente conhecida, diante das diversas manchetes e reportagens fazendo menção a ela através do seu pseudônimo.

Tal evento serviu de alerta para a importância de os indivíduos com pseudônimos buscarem a proteção deste, sempre que possível, como marca, para tentar coibir que terceiros busquem pegar carona e fama indevida.

Quanto à questão da notoriedade, o renomado julgado da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, traz com bastante clareza a diferença entre pseudônimo notório e denominação meramente conhecida:

“Apelação civel. Processo: 92.02.08901-9. Terceira turma. Data da decisão: 09/03/1994. DJ 21/07/1994 p. 38723. Relator - Juiz Celso Passos. Decisão - unanimidade, desprovimento. Ementa - administrativo - propriedade industrial - pedido de suspensão de registro e de nulidade de marca - INPI, como assistente do réu - conceito e extensão da notoriedade. - Ação proposta por pessoa física contra pessoa jurídica visando anular registro de marca (art. 65, XXI, do CPI). - o INPI ingressando na ação, alega que o pseudônimo do autor devia ser notório. Notório não se confunde com conhecido, pois notório é aquele que é do conhecimento de todo o público, não importando o local onde ocorreu o fato ou onde e domiciliada a pessoa. - Registro no INPI e abrangente, de âmbito nacional, podendo ser invocado em todo território brasileiro. - Pizzaria Micheluccio e conhecida apenas em São Paulo, não atendendo a exigência da portaria no. 008, 10.01.74, baixada pelo INPI para determinar as características da notoriedade, cujas exigências não atendeu o autor da ação. - Incabível distinção entre pseudônimo notório e marca notória. - Apelação a que se nega provimento, por unanimidade.”

Para ilustrar essa prática de usurpação de pseudônimos, destacamos que a empresa RRS Odontologia Ltda. requereu pedido de registro para a marca “Fadinha do Skate” (processos 918111277, 918112370 e 918112516), nas classes 20, 41 e 44, assinalando, entre outros, artigos de vestuário, serviços de entretenimento e organização de competições, tendo sido equivocadamente e posteriormente concedido pelo INPI, levando a jovem Rayssa Leal entrar com Processo Administrativo de Nulidade em face dos registros.

Além dos argumentos apresentados na petição interposta pela jovem relacionados ao seu legítimo direito de ter a titularidade de marca com o seu pseudônimo, cumpre destacar que a concessão do registro não observa o disposto no parágrafo primeiro do Artigo 128, da LPI, quanto à impossibilidade de pessoas de direito privado requererem o registro de marca relativo à atividade distinta daquela que exerçam efetivamente, em atendimento ao requisito da legitimidade ad adquirendum.

Nesse caso, restou ilógico que uma empresa de odontologia buscasse a proteção de sua marca nos segmentos mercadológicos de artigos de vestuário (Classe Internacional 25) e organização de competições (Classe Internacional 41). Curioso é que a empresa se encontra sediada exatamente na cidade na qual a jovem nasceu, devendo esses fatores serem também atentados pelos examinadores do INPI.

Vale, ainda, mencionar que esse fenômeno da usurpação também se faz presente no mercado de entretenimento, especialmente quanto aos nomes artísticos. Na Jurisprudência transcrita abaixo, no Processo 0138644-94.2013.4.02.5101, resta evidente pelo posicionamento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, faz-se necessário avaliar a má-fé no processo de obtenção do registro de marcas:

"Sobre a registrabilidade de nome artístico, a 2ª Edição do Manual de Marcas do INPI assim dispõe:

5.11.14 Pseudônimo ou nome artístico

(...)

Nome artístico singular (individual) ou coletivo: a denominação pela qual uma

pessoa ou um grupo de pessoas é conhecido em seu ramo de atividade (no

meio artístico em geral).

(...)

Em casos em que o nome artístico for distintivo (especial, notável), não

existindo como termo ou expressão comum ao vocabulário, é vedado seu

registro para qualquer produto ou serviço, como são os casos de Chitãozinho

e Xororó e Zeca Pagodinho, uma vez que tais expressões remetem apenas à

dupla de cantores ou ao cantor de pagodes.

Por sua vez, nos casos em que o nome artístico (coletivo ou singular) é

constituído por termos ou expressões encontradas no vernáculo, é lícito seu

registro, desde que este não assinale produtos ou serviços que estabeleçam

associação com as atividades desenvolvidas pelo(s) artista(s).

(...)

No exame da registrabilidade destes signos, será verificado se, em razão do

sinal, o requerente tem legitimidade para registrar o pseudônimo, apelido ou

nome artístico. Sendo o requerente o respectivo titular, esta regra não será

aplicada.

Contudo, se não houver relação entre o requerente e a pessoa

nominada ou identificada pelo sinal, será formulada exigência para

apresentação do consentimento do respectivo titular ou dos seus herdeiros ou

sucessores, sob pena de indeferimento, no caso de pedido, ou nulidade, no

caso de registro".

(...)

Em assim sendo, observando-se que o registro 902264443, referente à marca mista "PEDRO HENRIQUE & FERNANDO", foi depositada na classe NCL(9) 41, para especificar “ENTRETENIMENTO; ESPETÁCULOS AO VIVO (APRESENTAÇÃO DE -); GRUPO MUSICAL; APRESENTAÇÃO DE ESPETÁCULOS AO VIVO; ESPETÁCULOS (SERVIÇOS DE -); SHOWS (PRODUÇÃO DE -); BANDA DE MÚSICA [SERVIÇOS DE ENTRETENIMENTO]; PRODUÇÃO DE SHOWS”, ou seja, o mesmo ramo de atividade artística desenvolvido pelos autores e sem que tenha havido autorização deles para tanto, é forçoso reconhecer que o presente caso se subsumi à regra impeditiva de registro descrita no art. 124 XVI da LPI, segundo o qual não são registráveis como marca, “pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores”.

Em suma, observa-se a disposição contida no Manual de Marcas do INPI acerca da proibição absoluta do uso de pseudônimos ou nomes artísticos distintivos por terceiros, para fins de registro de marcas, para qualquer produto ou serviços. Cabe destacar, ainda, que a aplicação do artigo em tela já pode ser feita, ex officio, pelo próprio Instituto Nacional da Propriedade Industrial, através de requerimento, ao suposto titular do registro, que demonstre a expressa autorização do efetivo detentor do pseudônimo, para sua utilização.

Nessa mesma linha, o julgado pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça, no RESP 200400986304, Quarta Turma, DJE de 17/03/2014, in verbis, também destacou a necessidade do prévio consentimento do titular do pseudônimo, para fins de registro de marcas:

(...) Vale ressaltar, de início, que a designação de grupo musical por título genérico (p. ex.: Banda Eva) não se confunde com pseudônimo (p. ex.: Patativa do Assaré), apelido notório (p. ex.: Cazuza) ou nome artístico singular (p. ex.: Roberto Carlos) ou coletivo (p. ex.: Alvarenga e Ranchinho), esses quatro últimos utilizados por pessoas físicas para se apresentarem no meio artístico, identificando-se como artistas. Para pseudônimo, apelido notório e nome artístico singular ou coletivo são assegurados atributos protetivos inerentes à personalidade, inclusive a necessidade de prévio consentimento do titular como requisito para o registro da marca (lei 9.279/96, art. 124, XVI).

(...)”.

Com isso, diante da retomada da indústria do entretenimento, cada vez mais presente nos meios digitais, essa temática repercute de forma significativa para os Artistas e Produtores, que utilizam plataformas de amplo acesso, como o Youtube e Instagram, nas quais os números de seguidores são fundamentais para a consolidação de sua reputação, é relevante os mesmos buscarem o depósito de seus sinais distintivos, sempre que puder assinalar suas atividades, como uma medida para evitar a tentativa de usurpação do seu pseudônimo por terceiros.

Portanto, ao investir na proteção de marcas, os titulares de pseudônimos e, principalmente, nomes artísticos, evitam, dentre outros, danos à sua imagem.

Cristiane Manzueto
Counsel na área de Propriedade Intelectual no escritório Tauil & Chequer Advogados.

Rodrigo Leal
Associado na área de Propriedade Intelectual do escritório do Rio de Janeiro de Tauil & Chequer Advogados, com atuação no gerenciamento de portfólio de marcas, consultoria estratégica, tanto na área administrativa, como judicial, com ênfase em Marcas, Direitos Autorais, Trade Dress, Segredo de Negócio, Publicidade e Direito do Consumidor, Nome de Domínio, Contratos de Transferência de Tecnologia, Franquia e Proteção de Dados.

Sofia Soares
Law clerk de Propriedade Intelectual do Tauil & Chequer Advogados.

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