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A revogação da lei da alienação parental e o retrocesso para o Direito de Família

A lei da alienação parental completou 11 anos no último dia 26 de agosto e há PL em trâmite para que seja determinada a sua revogação, o que se mostra um verdadeiro retrocesso para o Direito de Família, mais especificamente no tocante à proteção integral da criança e do adolescente, na maior parte vítimas em demandas judiciais de divórcio e guarda.

13/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Em meio à pandemia da covid-19, que alterou substancialmente as relações pessoais, em face das medidas de isolamento social, dúvidas não pairam de que tal contexto tornou-se um "prato cheio" para o agravamento de conflitos familiares e, em alguns casos, intensificou a prática de atos de alienação parental.

Em agosto deste ano, a lei da alienação parental (lei 12.318/10) completou onze anos de vigência, sendo o Brasil um dos poucos países no mundo a legislar especificamente sobre o tema.

O termo "Síndrome da Alienação Parental – SAP" teve origem com o psiquiatra infantil Richard Gardner, após realizar diversos estudos na área da psiquiatria forense, avaliando crianças que passavam por situações de divórcio litigioso dos pais, nos quais adentrava-se nas questões de guarda e convivência.

O psiquiatra descreveu a síndrome como sendo um distúrbio infantil, que se manifesta por meio de uma campanha de difamação realizada pela criança contra um dos genitores, sem que haja justificativa para tanto.

Ocorre que a alienação parental se caracteriza para além da definição acima, estando tipificadas as condutas no parágrafo único do artigo 2º da lei da alienação parental1, que traz como exemplos a omissão de informações médicas e escolares da criança ou até mesmo a troca de domicílio para local distante com o intuito de dificultar a convivência do menor com o outro genitor. 

Já no que diz respeito às medidas pedagógicas e punitivas impostas ao alienador, estas estão dispostas no artigo 6º da referida lei2, podendo acarretar desde a aplicação de multa até a alteração da guarda para compartilhada ou a sua inversão em favor do genitor alienado.

Quanto às prerrogativas processuais, poderá o interessado ajuizar ação própria ou requerer seja declarada a alienação parental nos próprios autos da demanda principal, seja ela relativa à guarda ou à convivência.

Apesar de a nomenclatura "alienação parental" ter sido batizada recentemente, sabe-se que tal prática sempre esteve presente em diversos seios familiares. O primeiro caso chegou em 2008 ao Superior Tribunal de Justiça e tratava-se de um conflito de competência para processamento da ação em questão.

Na referida demanda judicial, a genitora, com base em alegações de violência e abuso sexual por parte do pai, buscava a suspensão do convívio paterno-filial; o genitor, por sua vez, acusava a mãe da prática de atos de alienação parental.

Como dito, a alienação parental sempre existiu, desde que o mundo é mundo. A propagação da internet e o acesso ao conhecimento pelos meios virtuais foram facilitadores à identificação dos primeiros sinais e possibilidade de enquadrar determinadas condutas na prática de atos de alienação parental.

Além disso, a cooperação entre operadores do direito e profissionais da psicologia, sempre latente no âmbito do Direito de Família, mostra-se ferramenta crucial para averiguar a ocorrência de condutas alienadoras ou, até mesmo, investigar acusações graves imputadas ao genitor alienado.  

Isso porque, em grande parte dos casos de alienação parental, o fundamento utilizado para afastar a prole do outro genitor decorre de acusações de violência ou abuso sexual, fatos que devem ser apurados com cautela, a fim de preservar-se a integridade física e psicológica da criança envolvida.

Sabe-se que acontecimentos desta natureza, por si só, geram traumas e reflexos irreversíveis a crianças e adolescentes; entretanto, a criação de situações imaginárias na mente de indivíduos em formação pode ter consequências igualmente avassaladoras.

Mas existe também aquele alienador sútil, que por meio de pequenos gestos, muitas vezes mascarados pela tentativa de proteger a prole, aos poucos vai afastando a criança do outro genitor e, diga-se de passagem, tende a ser mais nocivo do que aquele que aliena o filho de forma escancarada.

Apesar do avanço e inúmeros aspectos positivos advindos da lei da alienação parental, especialmente no tocante à proteção integral da criança e do adolescente, foi apresentado em dezembro de 2018 o PL 498/18, com a finalidade revogar a lei da alienação parental.

A proposta fundamenta-se na perda da finalidade da lei, que acaba submetendo crianças ao retorno do convívio com supostos abusadores. Entretanto, importante destacar que sobreveio a aprovação de um substitutivo ao projeto que propõe dita revogação da lei da alienação parental, que, ao invés de pôr fim à lei, pretende evitar a deturpação do texto.

Segundo o referido substitutivo, qualquer tomada de decisão pelo Julgador só se dará após a oitiva de todas as partes, exceto nos casos em que houver indício de violência, hipótese na qual o suposto agressor poderá ter, até mesmo, a convivência com os filhos menores vedada.

Em fevereiro do corrente ano, após aprovação pela CDH (Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa), o substitutivo à proposta seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde pende de apreciação.

Não há dúvidas de que a revogação da referida lei representa um verdadeiro retrocesso ao Direito de Família, pois é sabido que muitas crianças veem-se alijadas do convívio com o outro genitor e o respectivo núcleo familiar por meio de condutas nitidamente deliberadas daquele pai ou mãe que, diante da dificuldade de superar o término do relacionamento conjugal, não empreende esforços para manter de forma saudável a relação que perdurará para o resto da vida: a parental.

Assim, antes de assegurar-se os interesses de cada genitor, é de suma importância dar-se primazia ao resguardo da figura mais frágil e afetada nestas situações, que é a criança ou o adolescente, sendo que não há como afirmar, com precisão, ao contrário do que defende a proposta em questão, que a aplicação das sanções previstas em lei tende a expor o menor à situação de risco pelo fato de voltar a conviver com pais acusados de abuso.

Certo é que não se pode, tratando-se de assunto tão delicado e que coloca em voga direitos fundamentais, promover a tomada de medidas drásticas, devendo atentar-se às peculiaridades de cada caso e aos sinais apresentados pela criança, para que não sofra no futuro os reflexos de abusos de todos os tipos, sejam eles físicos ou psicológicos.

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1 Art. 2º  Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. 

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:  

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 

II - dificultar o exercício da autoridade parental; 

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; 

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; 

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; 

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. 

2 Art. 6º  Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: 

I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; 

II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; 

III - estipular multa ao alienador; 

IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; 

V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; 

VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; 

VII - declarar a suspensão da autoridade parental. 

Amanda Silveira de Almeida
Advogada atuante na área de Direito de Família e Sucessões. Graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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