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Inelegibilidades para juízes e militares precisam ser debatidas com prazo adequado

Os direitos políticos localizam-se em um cenário no qual são enaltecidos as liberdades básicas e o exercício da soberania popular por intermédio da democracia representativa. Contudo, nenhuma liberdade está descolada de seu contexto. A normativa constitucional eleitoral reconhece que há diferentes players que influenciam de maneira diversa o jogo democrático.

13/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Congresso Nacional discute no momento a proposta de um novo Código Eleitoral. A expectativa é que o Projeto de lei Complementar 112/21 seja deliberado o quanto antes – foi deferido requerimento de regime de urgência para apreciação – para que possa ser aplicado já na próxima corrida eleitoral, conforme previsão do art. 16, da Constituição brasileira, nos termos da qual as regras eleitorais devem ser estabelecidas pelo menos um ano antes do dia das eleições. 

Dentre as propostas inovadoras do Projeto de lei Complementar que consolida as normas do direito eleitoral encontram-se dispositivos que acrescentam novas hipóteses de inelegibilidade. Tratam-se dos casos de magistrados, membros do Ministério Público, servidores integrantes das guardas municipais, das Polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal, bem como os das Polícias Civis que, pelo prazo de cinco anos antes do pleito, não tenham se afastado definitivamente de seus cargos e funções. Também, pelo mesmo prazo, devem ficar afastados de suas atividades ou serem agregados os militares da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, a contar do primeiro dia do período exigido para a escolha dos candidatos e deliberação das coligações, do ano em que se realizarem as eleições.

Até agora, o que se constata em relação a magistrados e membros do Ministério Público é o elencado pela lei da Fica Limpa de 2010, que alterou a LC 64/1990 (lei das inelegibilidades) ao vedar a candidatura, pelo prazo de oito anos, nos casos de i) aposentadoria compulsória por decisão sancionatória, ii) perda do cargo por sentença iii) pedido de exoneração ou de aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar.

Antes mesmo de supor qualquer intenção de candidatura pode-se dizer que a Constituição reflete a preocupação da influência sobre o pleito eleitoral ao proibir, por exemplo, o magistrado de dedicar-se à atividade político-partidária, conforme art. 95, inciso III. É nessa linha que a Resolução 305/2019 do CNJ aconselha ao magistrado, no que se refere ao uso das redes sociais, evitar manifestações que busquem autopromoção ou superexposição, bem como, expressar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos. Claro que os preceitos estabelecidos nesse sentido têm o condão de proteger, sobretudo, a imparcialidade inerente ao exercício da profissão.

Igualmente delicada parece ser a questão dos agentes do sistema de segurança pública. Tanto mais a polêmica convivência de militares em cargos representativos, notadamente em um contexto no qual a sombra do autoritarismo insiste em permanecer por aqui.

A Constituição brasileira trata das condições de elegibilidade (art. 14, § 3º) e estabelece alguns casos de inelegibilidade (cf. §§ 4º, 7º e 8º), autorizando o legislador eleitoral complementar a cuidar de outras hipóteses de impossibilidade de exercício da capacidade eleitoral passiva. A incidência de causa(s) de inelegibilidade é verificada, então, na oportunidade do pedido do registro de candidatura. 

O constituinte foi assertivo ao dizer que a vida pregressa do candidato deve ser considerada e isso inclui, dentre outras, a circunstância de ter ocupado função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, e está relacionada aos limites ao direito de ser votado. O objetivo fica, pois, claro, ao evitar qualquer espécie de “influência do poder econômico ou o abuso do exercício” da função, do cargo ou do emprego e manter a regularidade e legitimidade das eleições.  Coaduna-se com princípios constitucionais da probidade administrativa e da moralidade, os quais regem a administração pública.

Os direitos políticos localizam-se em um cenário no qual são enaltecidos as liberdades básicas e o exercício da soberania popular por intermédio da democracia representativa. Contudo, nenhuma liberdade está descolada de seu contexto. A normativa constitucional eleitoral reconhece que há diferentes players que influenciam de maneira diversa o jogo democrático. Trata-se, portanto, de dispositivo que visa a igualdade de condições e a lisura do pleito. 

É estranho, porém, a pressa com a qual o Congresso Nacional pretende deliberar uma proposta que comporta alta complexidade. Concorda-se com objetivo do Projeto de consolidar e sistematizar as esparsas normas e resoluções sobre a matéria eleitoral. Também, reconhece-se a importância das novas causas de inelegibilidade. Contudo, a deliberação requer tempo maior e melhor. O melhor tempo não é agora, especialmente, quando o país enfrenta os desafios e consequências devastadoras de uma crise inimaginável.

Clèmerson Merlin Clève
Professor titular e doutor das Faculdades de Direito da UFPR e do UniBrasil Centro Universitário. Sócio fundador do escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados.

Daniela Urtado
Advogada e Pesquisadora do Setor de Pesquisa do escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados.

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