Dia 09 de Setembro é dia do médico-veterinário, por ser a data que o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, no ano de 1933 assinou o Decreto lei 23.133, que regularizava a profissão e o ensino da medicina veterinária no país, bem como, celebração dos 04 (quatro) anos que está em vigor o “Novo” Código de Ética do Médico-Veterinário, promulgado através da resolução 1.138/2016 do Conselho Federal de Medicina Veterinária.
Código este que traçou obrigações e deveres aos médicos-veterinários com olhar inovador e vanguardista sobre saúde única, que é a interação da saúde humana, animal e meio ambiente, sobre a obrigatoriedade de se respeitar o bem-estar animal, representados pelas cinco liberdades do bem-estar animal (liberdade de sede, fome e má-nutrição; de dor e doença; de desconforto; liberdade para expressar o comportamento natural da espécie; liberdade de medo e de estresse), e, o fundamental papel do médico-veterinário no combate aos maus-tratos aos animais, vez que, o código supra, obrigou o profissional a denunciar situações de maus-tratos aos animais as autoridades competentes.
Ou seja, atualmente o médico-veterinário deve exercer a profissão sob o do tripé, ciência, ética e leis.
O Direito médico-veterinário, consubstancia-se na legislação de regência que traça as diretrizes para o exercício profissional, estabelecendo ao médico-veterinário direitos e deveres, garantindo o exercício da atividade profissional com independência e autonomia, no melhor de sua capacidade profissional e o máximo de zelo, resguardado a garantia de autenticidade e integridade das informações prestadas, nos termos do artigo 5º alínea “g” da lei 5.517/68, lei esta, que atualmente regulamenta o exercício da medicina veterinária e criou os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária.
O médico-veterinário caracteriza-se como fornecedor (prestador) de serviço, e está obrigado ao Código de Defesa do Consumidor nos termos do artigo 17º do Código de Ética do Médico-Veterinário, claro e objetivo ao reconhecer a relação de consumo na prestação de serviço da medicina veterinária.
O Direito do Consumidor, por sua vez, é uma garantia fundamental do cidadão, ora, tutor do animal, resguardado no artigo 5º inciso XXXII da CF/88 e na lei Federal 8.078 de 11 de Setembro de 1990, conhecida como o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Consumidor é qualquer pessoa natural ou jurídica que adquire ou se utilize de produtos ou serviços como destinatário final, considerado a parte fraca do negócio, por não obter o conhecimento técnico do prestador de serviço, assim, nasce ao consumidor o direito à informação adequada, clara e objetiva, de todo o serviço prestado, nos termos do artigo 6º do CDC, bem como, o direito em caso de falha na prestação de serviço, ser o profissional responsabilizado objetivamente, dispensada a prova da culpa, nos termos do artigo 14 do CDC, porém, este direito não desincumbe o consumidor ao ônus da prova entre o nexo causal e o dano supostamente sofrido, principalmente quando a celeuma jurídica se dá por suposto erro médico, que inclusive, para alguns juristas, embora seja relação de consumo, a responsabilidade do médico-veterinário por procedimentos médicos é de meio, portanto, responsabilidade subjetiva, não se enquadrando no artigo 14 do CDC.
Ou seja, antes de ingressar com demandas judiciais, ou apresentar defesa, sobre o direito médico-veterinário e o direito do consumidor, é preciso distinguir na situação fática, se é caso de responsabilidade objetiva ou subjetiva, a fim, de propiciar os meios de provas adequados.
Não menos importante pontuarmos, que na relação entre direito médico-veterinário e direito do consumidor, existe o Direito Animal, que deve ser respeitado, pelo profissional e pelo tutor do animal, que inclusive, tem impactado o ativismo judicial sobre o tema.
O Direito Animal é o ramo do direito que reconhece os animais sujeitos de direitos subjetivos, seres sencientes dotados de natureza biológica e emocional passíveis de sentimentos, protegidos pela Constituição Federal em seu artigo 225, que vedou prática cruéis aos animais, não só numa questão do meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas também norma autônoma de proteção animal, em decorrência da sua própria existência como ser vivo, que possui vida que merece ser vivida, sem sofrimento desnecessário.
Logo, é preciso mecanismos, a fim de conscientizar a população de que todos os animais têm direito à vida ao respeito e à proteção do ser humano, em quaisquer circunstâncias, inclusive na prestação de serviço do médico-veterinário, afinal, o profissional numa visão de prevenção jurídica, deverá respeitar o direito do consumidor do tutor do animal, e o direito do consumidor face ao direito dos animais.
Afinal, o Código de Ética do médico-veterinário, assegura que o animal, assim como os seres humanos, na questão jurídica e legal, encontra-se protegido, devendo o estado e à coletividade zelar e efetivar o respeito de todos, que devem tratá-los com dignidade, e na falta deverá ser responsabilizado como preceitua o artigo 9º do Código de Ética do Médico-Veterinário.
Nessa perspectiva um dos pontos de suma importância, diria que é a base do exercício profissional do médico-veterinário, é a obrigatoriedade à elaboração do prontuário médico do animal nos termos do artigo 8º inciso IX do Código de Ética do médico-veterinário, conceituado no artigo 2º inciso VIII da resolução 1321/2020 do CFMV.
A elaboração do prontuário médico, é DEVER e não escolha, podendo ser elaborado digitalmente ou em papel, com palavras compreensíveis, sendo de responsabilidade do médico-veterinário, sua elaboração e guarda (guarda por 5 anos), na falta poderá caracterizar falha na prestação de serviço, afinal, embora a elaboração do prontuário médico e guarda seja de responsabilidade do médico-veterinário, o documento pertence ao tutor do animal e ao animal.
No prontuário médico deverá constar, o estado inicial do paciente, ora, animal no momento em que adentrou o estabelecimento e início de consulta ou procedimento, bem como, espécie, raça, nome, porte, sexo, idade real ou presumida, pelagem, se está tomando medicamento, se positivo quais, desde quando, prescrito por quem, desde quando apresenta sintomas, quais sintomas, quem é o responsável pelo animal, se o animal já passou por procedimento cirúrgico, se sim como foi o pós-operatório, exames realizados, diagnóstico, tratamento e medicação utilizada, ou seja, deve conter requisitos mínimos, que possam caracterizar ou descaracterizar erro, imprudência, negligência ou imperícia do profissional.
Importante frisar, que situações específicas, como a retirada do animal sem alta, procedimentos cirúrgicos, internações, eutanásia, entre outros, devem fazer parte do prontuário médico, porém, em documento com declaração clara de anuência expressa do tutor do animal. Além de que, quando o óbito do animal ocorrer fora do estabelecimento de medicina veterinária, com aviso do tutor, o registro no prontuário médico, deve ser feito, tão somente como informação, e não atestando o óbito.
Ao tutor do animal, importante salientar que, após cada ida ao médico-veterinário, havendo discordância ou dúvida no atendimento, importante solicitar sua via do prontuário, e contestá-lo imediatamente preferencialmente via e-mail oficial do estabelecimento, ou presencialmente, mediante duas testemunhas, afinal, como dito acima, ao médico-veterinário é resguardado a garantia de autenticidade e integridade das informações prestadas, nos termos do artigo 5º alínea “g” da Lei 5.517/68, e, compete ao consumidor provar a falha da autenticidade e integridade das informações.
Destaca-se que, as informações do prontuário médico, devem ser adequadas, claras, objetivas e coesas, serve como informação ao profissional que cuida do “bichinho”, com o registro de todo quadro clínico do animal (quando um ou mais profissional do mesmo estabelecimento, cuida do mesmo animal, embora ao médico-veterinário é resguardado o exercício profissional com autonomia, as informações devem estar alinhadas), bem como, serve como informação ao tutor do animal, que deve entender com clareza as informações prestadas, inclusive as informações financeiras.
Atualmente o prontuário médico, é dos principais meio de prova, para as demandas judiciais, porém, é preciso máxima atenção e cuidado na sua elaboração, vez que, o documento supra, tanto pode servir como meio de defesa do profissional, como embasamento de suposto erro médico, ou falha na prestação de serviço para o consumidor, vejamos algumas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Na situação fática abaixo, um hospital veterinário, ingressou com ação monitória “cobrança” alegando que, prestou serviço veterinário de radioterapia ao cão, mediante pagamento em cheque, emitido por seu tutor, que após óbito do animal, sustou o cheque. O tutor do animal, alegou em defesa vício na prestação de serviço, vez que, o animal não poderia receber tratamento de radioterapia, uma vez que estava recebendo quimioterapia e requereu perícia com base no prontuário médico, a perícia foi realizada, e a conclusão de que realmente houve inadequação no conjunto de tratamento veterinário ofertado, com consequente improcedência da demanda. Moral da questão, o estabelecimento foi “cobrar” um valor que entendia seu direito receber, ou seja, um direito médico-veterinário receber pelos serviços prestados, porém, não atentou-se a adequação na elaboração do prontuário médico, que além de fazê-lo perder a ação, lhe rendeu a imagem de um ruim prestador de serviço:
*AÇÃO DE COBRANÇA – tratamento de radioterapia prestado ao animal de estimação da requerida – pagamento realizado através de cheque que foi sustado em razão da morte do cão - sentenciamento de acordo com o art. 489, §1º, do CPC/15 - afastada preliminar de cerceamento de defesa – desnecessária oitiva de testemunhas e de depoimentos pessoais em audiência – prova pericial suficiente a embasar o convencimento do Magistrado – inexistência de elementos que indiquem eventual parcialidade da vistora judicial – comprovada falha na prestação dos serviços - provas documental e pericial favoráveis à ré – demanda improcedente – recurso improvido.* (TJSP; Apelação Cível 1047609-29.2018.8.26.0002; Relator (a): Jovino de Sylos; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/05/2021; Data de Registro: 23/05/2021).
Numa outra situação fática, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgou inexigível valores cobrados por hospital veterinário, tendo em vista que o mesmo não respeitou o direito de informação adequada, clara e objetiva ao consumidor, o hospital veterinário encaminhou boleto para pagamento ao tutor do animal, que não reconheceu o serviço ali descrito como prestado, ingressou com em ação declaratória de inexigibilidade de débito, a primeira instância julgou improcedente o pedido do tutor do animal, que recorreu da decisão e obteve êxito na apelação:
- Prestação de serviços em hospital veterinário - Ação declaratória de inexigibilidade de débito - Ausência de prova da origem do débito exigido pelos réus - Pedido procedente - Apelo provido. (TJSP; Apelação Cível 1082371-34.2019.8.26.0100; Relator (a): Silvia Rocha; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 19ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/02/2021; Data de Registro: 11/02/2021).
Contudo como dito acima, o prontuário médico, se elaborado de forma eficiente sob os aspectos do direito médico-veterinário e direito do consumidor, é meio de prova cabal, em defesa ao exercício profissional, como ocorreu na situação fática abaixo, em que o tutor de animal de estimação ingressou com Ação de danos materiais e morais face a uma clínica veterinária, alegando em síntese que seu animal de estimação veio a óbito por suposto serviço defeituoso. O estabelecimento médico veterinário, em sua defesa alegou ter exercido a medicina veterinária nos preceitos legais, e apresentou o prontuário médico do animal para perícia, na qual NÃO verificou a ocorrência do nexo causal entre o dano sofrido e o serviço prestado de medicina veterinária.
Prestação de Serviços Médicos Veterinários – Ação de indenização por danos materiais e morais julgada improcedente - Apelo do autor – CDC – Aplicabilidade – Todavia, mesmo em sendo de consumo a relação havida entre as partes, cumpria ao autor fazer prova da relação de causa e efeito entre o dano e a prestação de serviços. Com efeito, como já assentado em iterativa jurisprudência, conquanto a responsabilidade objetiva, pautada no art. 14 do CDC, dispense a prova da culpa, ao consumidor é imputado o ônus de demonstrar o nexo causal entre o dano e o serviço que ele alega ser defeituoso. Não logrou o autor se desincumbir de seu ônus. De fato, a prova coligida aos autos, não indica a ocorrência de nexo causal entre o dano sofrido e o serviço prestado pela ré, que o autor/apelante alegou ter sido defeituoso. Realmente, não há nos autos dados sérios e concludentes aptos a estabelecer liame de causalidade entre a atuação da ré e os danos materiais e morais invocados pelo autor relativamente ao óbito de seu animal de estimação. Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1009930-79.2016.8.26.0223; Relator (a): Neto Barbosa Ferreira; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarujá - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/06/2021; Data de Registro: 01/06/2021).
Como se vê, claro e evidente a função dúplice do prontuário médico, de defesa quando elaborado nos termos da lei, e base de condenação quando elaborado em desrespeito à legislação de regência.
Ou seja, o médico-veterinário precisa prestar serviço em conformidade com o direito médico-veterinário e o direito do consumidor, de forma conjunta, sendo que, no estabelecimento de medicina-veterinária todos precisam estar alinhados e integrados com as suas obrigações legais, embora ao médico-veterinário, é resguardado a autonomia profissional, tratando-se do mesmo estabelecimento comercial, não pode haver informações, dúbias, contraditórias ou inconsistentes no prontuário médico, que deixe o consumidor confuso, ou, com dúvidas, afinal, ao consumidor é dado o direito de informações adequadas, claras e objetivas, consubstanciadas na literatura da medicina veterinária.