Ao longo do primeiro semestre de 2021 algumas notícias veiculadas focaram no crescente número de ações ajuizadas visando especificamente a anular sentenças arbitrais e, igualmente, o crescente número destas ações que foram julgadas procedentes.
Em um primeiro momento, tais informações trazem uma sensação de insegurança jurídica e até mesmo um sentimento de subsidiariedade ou hierarquização entre tais meios de solução de conflitos. Contudo, não podemos deixar de considerar que a utilização da arbitragem como mecanismo de solução de conflitos tem crescido de maneira sólida desde que a lei que instituiu a arbitragem no Brasil foi promulgada em 1996 e que, no fim, o crescimento das ações anulatórias pode ser considerada como mera consequência natural e proporcional deste feito.
De qualquer maneira, para que qualquer discussão sobre a importância do vínculo entre o Judiciário e a arbitragem prossiga de maneira sólida e sem qualquer partidarismo, é essencial relembrar que a arbitragem não veio para substituir o Judiciário. Na verdade, em que pese elas caminharem em paralelo (dualidade), cada uma com as suas competências, com suas particularidades sendo respeitadas, é necessário não perder de vista que elas visam a um fim comum: solução de conflitos e administração da justiça.
Nesse sentido, vale destacar que a arbitragem em momento algum foi idealizada como um meio de solucionar os problemas do Judiciário ou para substituí-lo. Todavia, é inegável que os principais problemas atuais do Judiciário (morosidade – já mitigada em parte nas instâncias inferiores pelos processos eletrônicos – e ausência de especialidade técnica) serviram de fomento para o crescimento da utilização da arbitragem.
Ora, se não devemos falar em substituição, qual o papel do Poder Judiciário frente à arbitragem? Suporte, apoio e validação é o mínimo que podemos dizer.
Em síntese, a arbitragem não vive sem o Judiciário e o inverso não é verdadeiro. O Tribunal Arbitral, ao longo do procedimento, tem jurisdição para julgar a problemática apresentada (efeito positivo) na medida em que foi escolhido pelas partes; contudo, mesmo diante deste afastamento do Judiciário (efeito negativo), o poder de império, com força coercitiva, segue sendo exclusivo do Judiciário, tornando-o o único responsável pela execução das decisões e sentenças arbitrais não cumpridas espontaneamente.
Entretanto, executar a sentença arbitral não é a única justificativa para que o fortalecimento da arbitragem esteja vinculado à atuação do Judiciário. Vale lembrar, portanto, que o Judiciário interage com a arbitragem desde a fase pré arbitral, como, por exemplo, na análise da validade de cláusulas compromissórias e encaminhamento das partes à arbitragem em cumprimento, inclusive, do quando previsto no artigo 2, III, da Convenção de Nova Iorque (internalizada pelo Decreto 4.311, de julho de 2002).
Em outras palavras, o Judiciário fortalece o procedimento arbitral ao respeitar a prevalência do princípio da competência-competência e, consequentemente, a autonomia das partes, não adentrando em matérias que devem ser decididas pelos árbitros, e apenas por eles, mas muitas vezes viabilizando o cumprimento das decisões arbitrais e reconduzindo-as à legalidade.
É o que comumente acontece ainda também na fase pré arbitral, com a análise e concessão de tutelas de urgência, ou durante o procedimento através da cooperação para condução de testemunhas ou cumprimento forçado de tutelas concedidas já em sede de arbitragem.
Evidente, portanto, o papel do Judiciário de apoio/suporte ao procedimento arbitral.
De qualquer maneira, especificamente no tocante às ações anulatórias, o Judiciário deve atuar com cautela e tratar eventual anulação como excepcionalidade, na medida em que o mero descompasse entre opiniões ou entendimento jurisprudencial não são fundamento para anular uma sentença arbitral.
Desta forma, ao reservar a anulação de sentenças arbitrais para casos em que tenha de fato ocorrido uma das situações listadas no artigo 32 da lei de Arbitragem, o Judiciário seguirá atuando de maneira a fortalecer a arbitragem, sem adentrar na competência dos árbitros.
Com foco sempre na máxima de que a arbitragem não veio substituir o Judiciário, o papel dos advogados responsáveis pela elaboração dos contratos ganha importância ainda maior, uma vez que a fixação do Juízo competente para solucionar eventual conflito (arbitral ou judicial) fica adstrito às especificidades de cada relação contratual, não devendo nem um nem outro ser escolhido ao acaso.
Finalmente, oportuno destacar que algumas relações contratuais certamente serão melhor endereçadas através da arbitragem, mas certamente o Judiciário ainda será a melhor escolha em muitos dos casos, na verdade, a maioria deles. Não ir “no automático” ao efetuar a escolha por uma ou outra via de solução de conflito certamente potencializará as chances de uma escolha mais precisa, fazendo com que, no final, a arbitragem e o Judiciário passem a ser sinônimo de harmonia com papeis e importância bem definidos.