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A proibição de contratar com o Poder Público no PL 10.887/18, que altera a lei da improbidade administrativa

A correção de rumos veio ainda durante o trâmite na Câmara dos Deputados, que, na redação aprovada do PL, previu expressa e inequivocamente que a proibição de contratar com o Poder Público, por regra, produz efeitos no âmbito do ente público lesado pelo ato de improbidade administrativa

9/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Após ter sido aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 10.887/18, que altera a lei 8.429/92 (conhecida como a “lei de Improbidade Administrativa – LIA”), aguarda tramitação legislativa pelo Senado Federal.

Mesmo antes de se ter a promulgação do texto final — e, portanto, ainda sujeito a alterações —, o PL inspira algumas reflexões. Algumas delas tratam de pontos em que confere força de lei a previsões já comuns na prática forense outras giram em torno de previsões que tem por finalidade assegurar direitos individuais, fazendo-os prevalecer em face de entendimentos jurisprudenciais que hoje vigoram, embora questionáveis.

É digna de nota a lucidez do legislador ao limitar os efeitos territoriais da (gravíssima) proibição temporária de contratar com o Poder Público (prevista no art. 12 da lei 8.429/92, no art. 87, III, da lei 8.666/93 e no art. 156, III, da lei 14.133/2021), contrariando o entendimento jurisprudencial consolidado.

De fato, na ausência de delimitação legal dos efeitos da pena, sagrou-se vitorioso o entendimento segundo o qual a proibição de contratar com o “Poder Público” (conforme consta da lei 8.429/92) ou com a “Administração” (vocábulo utilizado na lei 8.666/93) seria abrangente, abarcando genericamente a administração pública em âmbito nacional, em qualquer de suas esferas, e não apenas ao âmbito do ente público sancionador. A única delimitação seria temporal, para que fossem impedidas novas contratações, sem comprometer o ato jurídico perfeito (nesse sentido: STJ-1ª S., MS 19.657/DF, rel. Min. Eliana Calmon, j. 14/08/13; 1ª T., AgInt no REsp 1.382.362/PR, rel. Min. Gurgel de Faria, j. 07/03/2017; 1ª S., AREsp 1.179.351/SP, rel. Min. Sérgio Kukina, dec. 16/02/2018 e MS 23.600/DF, mesmo relator, dec. 11/05/2018).

Como é de se imaginar, esse entendimento mais “abrangente” não se firmou sem questionamentos e a doutrina suscitou os mais variados e relevantes argumentos que recomendavam a restrição dos efeitos da referida sanção.

Em um primeiro momento, todavia, o esforço realizado pela doutrina foi em vão e o Superior Tribunal de Justiça adotou a tese mais severa, que, por consequência, espraiou-se pelos demais tribunais pátrios.

Certamente inspirado na jurisprudência atual, a redação do anteprojeto que deu início ao trâmite legislativo do PL 10.887/2018 previa como regra geral a abrangência nacional da sanção de proibição de contratar com o Poder Público e, excepcionalmente, a possibilidade de sua limitação, que dependeria de justificativa. Com o devido respeito, a inversão de valores era manifesta: a restrição do direito é que deve ser excepcional e, portanto, justificada; o exercício dos direitos e liberdades, por se tratar da regra no Estado Democrático de Direito, deve ser facilmente concretizável.

A correção de rumos veio ainda durante o trâmite na Câmara dos Deputados, que, na redação aprovada do PL, previu expressa e inequivocamente que a proibição de contratar com o Poder Público, por regra, produz efeitos no âmbito do ente público lesado pelo ato de improbidade administrativa e, “em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados”, tais efeitos poderiam ser ampliados, sendo imprescindível considerar os impactos econômicos e sociais da pena imposta, de modo a não comprometer injustamente a função social da pessoa jurídica (art. 12, §§ 3º e 4º).

Registre-se, nesse particular, que a utilização das expressões “excepcional” e “motivos relevantes”, naquele preceptivo, exigem postura argumentativa exauriente do Judiciário, que deve demonstrar, de forma inequívoca, as razões pelas quais se justificam o agravamento da sanção imposta. Tal circunstância evita decisões arbitrárias e que possam, de alguma maneira, ofender direito público subjetivo do envolvido, em franca consagração ao princípio fundamental do in dubio pro reo, amplamente utilizado na esfera penal e que deve ter aplicação também na seara do direito administrativo sancionador.

Há, portanto, com a nova redação do PL, um aprimoramento sensível do ordenamento jurídico: a limitação territorial da pena, que atualmente é exceção e depende de justificativa, no PL passa a ser a regra e poderá ser mitigada apenas em casos excepcionais, de acordo com a situação concreta e mediante fundamentação adequada. Tal orientação positiva o que, em casos pontuais, afirmou o próprio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a proibição de contratar com o Poder Público, abrangendo todas as esferas, extrapolaria os parâmetros de razoabilidade e de proporcionalidade, estrangulando o princípio da preservação da empresa (v.g.: EDcl no REsp 1.021.851/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 23/06/2009; REsp 1.188.289/SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. 14/08/2012; REsp 1.589.661/SP, rel. Min. Gurgel de Faria, dec. 30/06/2016).

Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo
Advogado e sócio fundador do escritório Dal Pozzo Advogados. Ex-procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Mário Dorna
Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro efetivo do IBDP. Advogado associado ao Dal Pozzo Advogados.

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