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Declarações e Garantias: Perfumaria Contratual ou Salvaguarda Efetiva de Interesses Contratuais?

I - Introdução: Existe uma grande discussão acerca da necessidade e eficácia da cláusula de Declarações e Garantias em face de nosso ordenamento jurídico (as “Declarações e Garantias”). Segundo a posição de alguns juristas, tal dispositivo é desnecessário uma vez que nossa legislação possui respaldo suficiente para obrigar que as partes forneçam na formação, vigência e extinção da relação contratual, todas as informações que possam de alguma forma influenciar o negócio jurídico então avençado.

2/2/2007


Declarações e Garantias: Perfumaria Contratual ou Salvaguarda Efetiva de Interesses Contratuais?

Rafael Garcia-Ciudad Jáudenes *

I - Introdução:

Existe uma grande discussão acerca da necessidade e eficácia da cláusula de Declarações e Garantias em face de nosso ordenamento jurídico (as “Declarações e Garantias”).

Segundo a posição de alguns juristas, tal dispositivo é desnecessário uma vez que nossa legislação possui respaldo suficiente para obrigar que as partes forneçam na formação, vigência e extinção da relação contratual, todas as informações que possam de alguma forma influenciar o negócio jurídico então avençado.

Por outro lado, entende-se que tal dispositivo possui, em razão do Novo Código Civil, maior eficácia uma vez que o mesmo encontra maior respaldo no princípio da boa-fé objetiva.

Diante das divergências acima apontadas, será analisado neste artigo, mas sem o propósito de esgotar o tema, qual é o espírito e lógica que permeiam as Declarações e Garantias, a fim de verificar a real necessidade ou não das mesmas.

II – Conceito de Declarações e Garantias:

As Declarações e Garantias correspondem à um mecanismo criado pelo direito norte-americano, cujo objetivo é fazer com que as partes contratantes emitam diversas declarações, de forma assegurar e informar à outra parte sobre a situação de um dado fato, por exemplo:

“A Contratada declara e garante sob pena de rescisão do presente Contrato, que possui e manterá todas as licenças e autorizações necessárias para prestar os serviços descritos no objeto deste Contrato, bem como se compromete a informar a Contratante, imediatamente e por escrito, em caso de ocorrência de qualquer evento em face de tais licenças e/ou autorizações de forma que possa ou tenha o potencial de prejudicar as obrigações por ela assumidos neste Contrato.”

Pela leitura do exemplo acima, verifica-se em análise superficial, que as Declarações e Garantias possuem o propósito de:

(a) obrigar as partes contratantes a fornecerem informações acerca do cumprimento de obrigações e/ou fatos que sejam relevantes ao negócio jurídico;

(b) obrigar as partes a informarem sobre qualquer alteração em tais fatos ou obrigações, durante a vigência da relação contratual, de forma que possa afetar o negócio jurídico; e

(c) punir as partes que violarem as obrigações acima descritas (no caso do exemplo, a parte optou pela possibilidade de resolução do contrato).

De fato, as alíneas (a) e (b) supra representam obrigações, que pela interpretação dos artigos 113 e 422 da Lei 10.406 de 2002 (clique aqui), per si, já representariam instrumentos suficientes para obrigar as partes a informarem sobre fatos ou obrigações que sejam essenciais ao bom andamento do negócio jurídico, sem prejuízo de requerer a devida indenização em caso de prejuízo (como determina o artigo 927 daquela lei).

Em face ao exposto, nota-se que o cerne do problema corresponde ao fornecimento de informação, a qual está intimamente ligada com a questão da assimetria da informação, conforme se verá adiante.

III – Problema da Assimetria de Informações:

A circulação das informações legais, financeiras, contábeis, estratégicas, dentre outras, e que são geradas em razão da atividade empresarial não seguem, por evidente, um padrão consistente.

Tal desvio de padrão se dá por diversas razões, como por exemplo, falhas de contabilização, políticas de contenção de informações, retenção indevida de informações por funcionários, dentre outros.

Em contraposição ao acima exposto, muitos negócios jurídicos dependem do fornecimento correto e preciso de informações, tendo em vista que a falta delas por omissão ou negligência acarreta, em diversos casos, em prejuízo para a parte que dependia da informação correta.

A questão acima pode ser agravada quando o nexo causal entre o comportamento do agente infrator e o prejuízo por ele causado não está claro e necessita de processo de conhecimento. Neste caso, o prejuízo da empresa é duplo, pois além de ter sofrido o prejuízo imediato, deverá dispender recursos para provar a existência daquele nexo causal, fato esse que pode ser agravado quando tal processo cognitivo é longo.

Verifica-se, portanto, que não obstante a existência dos dispositivos legais de exigibilidade de fornecimento de fatos ou obrigações que sejam essenciais ao bom andamento do negócio jurídico, os mesmos encontram-se ineficientes quando se trata da gestão dos riscos inerentes ao problema da Assimetria de Informações.

IV – Declarações e Garantias como instrumento de Gestão de Riscos em face do problema da Assimetria de Informações:

Como demonstrado abaixo, o leitor notará que as Declarações e Garantias, na verdade, correspondem à uma das várias medidas que visam gerir os riscos do problema da Assimetria de Informações, quais sejam:

(a) solicitar informações relevantes ao negócio jurídico;

(b) investigar as mesmas através das devidas técnicas de due diligence (vale observar que o relatório de due diligence poderá servir, também, como prova em eventual demanda judicial ou arbitral);

(c) com base em tal investigação, obrigar a parte prestadora das referidas informações a garantir que as mesmas são e serão fiéis e precisas em todos os seus aspectos;e

(d) estabelecer uma penalidade rápida e efetiva em face do descumprimento das Declarações e Garantias, como, e não somente, a possibilidade de resolver o contrato ou utilizar um mecanismo de indenização (por exemplo: (i) indenização de eventual prejuízo pela amortização do mesmo em créditos da outra parte; ou (ii) a utilização de mecanismos de “Escrow”1.

V – Conclusão:

Com efeito, pode-se notar que as Declarações e Garantias, são, em essência, uma medida de gerenciamento de risco aos efeitos prejudiciais do problema da Assimetria de Informações, de outra forma, se utilizadas isoladamente no contrato, sem o suporte da due diligence e as respectivas penalidades pelo seu descumprimento, a tornam um “enfeite contratual”, como explicado no item “II” acima.

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1Por este mecanismo, o pagamento de eventuais indenizações será procedido através de uma Instituição Financeiras contratada pelas partes, conforme recursos nela depositados e regras contratuais acordadas entre as partes.
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* Advogado do escritório Vigna e Advogados Associados.









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