A assunto liberdade sempre tomou importantes reflexões em vários campos do conhecimento e da arte. Na literatura, Dom Quixote vitalizou a importância da luta pela liberdade, dizendo: “A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus. Com ela não podem igualar-se os tesouros que a terra encerra nem que o mar cobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e deve aventurar a vida, e, pelo contrário, o cativeiro é o maior mal que pôde vir aos homens (…). A liberdade, Sancho, não é um pedaço de pão”.
No poema Liberté, de Paul Éluard, traz a importância da liberdade como valor sagrado, repetido e lembrado em todo momento e em qualquer situação. Em O Vigário de Wakefield, de Oliver Goldsmith, demonstra a importância da liberdade de pensamento e de ideias para os ingleses. No romance, num diálogo do protagonista Dr. Primrose com um personagem que fingia ser rico, este explica por que lê tantos jornais, todos com opiniões tão diversas e conflitantes: “(...) gosto de todos. Liberdade! Senhor, a Liberdade é uma palavra sagrada (...)”. E completa com o perigo de da liberdade conhecer apenas a palavra.
As relações entre o Estado e as liberdades individuais como a de pensamento, de expressão e informação encontrou nesses últimos anos seu maior conflito em meio a um contexto político, econômico e social de intensos conflitos. O maior problema é que a frase da ciência política de que a democracia é a busca de soluções pelo dissenso parece não funcionar nesse estágio que oscila entre dois extremos: a censura prévia e o liberalismo sem limites de fato ou de direito.
Mas uma coisa que não dá para mudar é o conceito jurídico de cada uma dessas liberdades. Desde o processo de reconhecimento das liberdades individuais iniciado no Renascimento, que culminou nos três principais marcos históricos mundiais: a Revolução Francesa, a independência dos Estados Unidos e o liberalismo político e econômico da Grã-Bretanha, todos no final do século XVIII, consagrou esses direitos de pensamento e expressão como 'direitos naturais do homem'.
De um lado institucional, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Assembleia Constituinte Francesa de 1789, precedente da Constituição Francesa de 1791, estabeleceu, em seu artigo 11, que “a livre comunicação de seus pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem”1. Já nos Estados Unidos, a Declaração de Independência das treze colônias de 1776, também consagrou, embora apenas para os brancos, direitos inalienáveis ??do povo como a soberania popular manifestada pela liberdade de expressão, de pensamento e de informação.
O artigo 12, da Declaração de Direitos do Estado da Virgínia afirmava a liberdade de imprensa é um dos mais fortes baluartes de um Estado Livre2, mais tarde incluída na Constituição dos Estados Unidos de 1787. Tocqueville, explicando essas liberdades, diz que a liberdade de imprensa é corolário de todas as outras liberdades, como a de pensamento e de expressão, e vai muito além da simples manifestação política, mas é a consagração da soberania popular. É a garantia contra os déspotas.3
Nesse contexto, a liberdade de expressão foi um direito reconhecidamente nascido para combater a tirania e cujo homem civilizado procurou proteger. Mas antes da locução “liberdade de expressão” ganhar conceito jurídico e ontológico próprio, a definição de liberdade surge primeiro como condição inalienável do homem. Ou seja, é a gênese de todas as outras liberdades.
Por exemplo, Locke em suas obras define liberdade em dois sentidos. Em seu Ensaio sobre a compreensão humana, tipifica como a faculdade de agir de acordo com a determinação do ser, em escolher uma ou outra atitude estando livre de qualquer juízo de necessidade4; por outro lado, nos Dois Tratados do Governo, afirma que Livre é a pessoa que não está sujeito a nenhum outro poder legislativo senão àquele estabelecido por consentimento social, é não está sujeita à vontade inconstante e incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem, seja ele autoridade constituída ou pessoa comum5.
Já John Stuart Mill concebeu a liberdade sobre um ângulo político e o fez por proteção dos governados contra a tirania dos governantes, a lógica era o estabelecimento de limites ao Poder. No respeito a esses limites está a substância da liberdade, que eram dadas de duas formas: as primeiras formam as chamadas imunidades, que eram liberdades políticas ou direitos, cujo desrespeito por parte dos governantes justificariam uma resistência ou rebelião geral. O segundo seria uma espécie de salvaguarda constitucional deliberada por um órgão ou consentimento da comunidade sobre atos praticados pelos governantes.
O exercício dessas liberdades, principalmente da liberdade de expressão, sempre encontrou dificuldade de efetivação, seja pelo uso monopolístico dos meios tradicionais de manifestação, como rádio, jornais impressos e televisão, seja pelo intervencionismo dos governos. Situação que mudou na última década como a universalização da internet e das mídias sociais. A pulverização de informações e do exercício da liberdade de expressão, de pensamento e de manifestação ganhou contornos que nenhum teórico do século XVIII imaginaria.
Na Ordem Constitucional brasileira, essas liberdades estão consagradas em vários dispositivos: Art. 1, V, e art. 5º, IV, VI, IX6. A Constituição não apenas previu a liberdade expressão, mas as formas para seu exercício. Não há liberdade de expressão sem a pluralidade de ideias (art. 1º, V), sem a liberdade de manifestação de pensamento (art. 5º, IV), de consciência (art. 5º, VI), e de reunião e associação (art. 5º, XVI e XVII), sem a liberdade de cátedra (art. 206, II). Garantiu, pois, um conteúdo material e formal da liberdade de expressão, vedando qualquer tipo de restrição que impeça seu exercício (art.5º, XI).
Ainda vai mais profundo, assegura que ninguém poderá ser desses direitos privados por motivos filosóficos, políticos ou religiosos (art. 5º, VIII). Não significa dizer que ela protege esses direitos de forma absoluta, a própria Constituição faz questão de impor limites. Essas liberdades são limitadas pelo respeito a outros direitos reconhecidos na Constituição, principalmente, no direito de honra, privacidade, autoimagem e proteção da criança e do adolescente, e nos preceitos das leis que as desenvolvem, como as sanções penais nos crimes contra a honra. Além da excepcional medida prevista no art. 139 da Constituição.
Portanto, quando a Constituição assim estabelece, ela demonstra que a liberdade de expressão não é absoluta, mas seus limites só podem existir por lei e desde que está desenvolva preceitos protegidos constitucionalmente. O que, em conclusão, corresponde a mais uma garantia Constitucional para sua proteção. A Constituição não permite qualquer tipo de censura prévia, muito menos uma liberdade de expressão absoluta. As liberdades dispostas no texto constitucional obedecem a um critério funcional e coerente. Ou seja, é a formação baseada, como assentou Canotilho, por uma concepção de política de pessoa7, sem o qual não existe pessoa participação política.
Da liberdade, seja ela de qualquer tipo, de expressão, de manifestação ou de pensamentos não se gosta por poder ouvir aquilo que preferimos, da liberdade gostamos pela pluralidade de ideias, opiniões e pensamentos. Qualquer ato que confronte seu pleno exercício, exercido dentro dos limites impostos pela própria Constituição, não tem respaldo Constitucional.
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1 Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.
2 Artigo 12° - A liberdade de imprensa é um dos mais fortes baluartes da liberdade do Estado e só pode ser restringida pelos governos despóticos.
3 TOCQUEVÜLE, Alexis de. A DEMOCRACIA NA AMÉRICA: leis e costumes. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 1 v. Tradução Eduardo Brandão, p. 207 e ss.
4 LOCKE, John. Ensaio acerca do Entendimento Humano. São Paulo: Nova Cultura, 1999, p. 116 e 117.
5 LOCKE, John. Dois Tratados Sobre o Governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 401 – 403.
6 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
V - o pluralismo político.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
7 CANOTILHO, José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Lisboa: Almedina, 2003, p. 1405.