Migalhas de Peso

A transformação da jornada de trabalho do empregado e seus reflexos para o empregador

As mudanças trazidas pelo legislador reformista e seus desdobramentos acerca da jornada de trabalho, afetam tanto o empregado, quanto o empregador.

6/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Inicialmente cabe entender e diferenciar a jornada em tempo integral (full time) e a jornada em tempo parcial (part time). A jornada em tempo integral é aquela que possui limite 44 horas semanais, podendo ser por exemplo, de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira e mais 4 horas aos sábados ou de 8h48min de segunda a sexta-feira, compensando-se as horas relativas aos sábados, conforme disposto no artigo 58 da CLT.

Já a jornada em tempo parcial, anteriormente à reforma, era de até 25 horas semanais, conforme o artigo 58-A, incluído através da Medida Provisória 2.164-41 de 2001, tendo a seguinte redação: “Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a 25 (vinte e cinco) horas semanais.”

Ocorre que, com advento da Reforma Trabalhista, o artigo 58-A da CLT sofreu alteração e, portanto, a partir de 11 de novembro de 2017, a jornada part time poderá acontecer de duas maneiras, sendo: (i) aquele cuja duração não exceda a 30 (trinta) horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais; ou, (ii) aquele cuja duração não exceda a 26 (vinte e seis) horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até 6 (seis) horas extras semanais.

Cabe ressaltar ainda que, os empregados que trabalham por meio da jornada em tempo parcial devem possuir salário proporcional ao dos empregados que cumprem as mesmas funções na jornada full time, segundo artigo 58, § 1º da CLT, para que não haja desrespeito ao princípio da igualdade salarial.

Cumpre enfatizar que, o salário-mínimo, o da categoria, ou ainda, o salário específico de determinado cargo, deve ser respeitado. E como calcular o salário proporcional? Para realizar referido cálculo, incialmente, o empregador terá de dividir o valor do salário a ser considerado no caso a caso por 220 (duzentas e vinte) horas e depois, multiplicar o resultado pela designação mensal do empregado.

Apesar da doutrina trabalhista trazer críticas a tais alterações, no sentido de que a reforma não previu nenhum tipo de punição para o empregador que ultrapasse esse limite de horas extraordinárias no regime de tempo parcial, ficará o judiciário responsável por interpretar a norma e decidir pela eventual penalidade do empregador.

Outro ponto crucial para o entendimento da jornada de trabalho, é o tempo de prontidão e sobreaviso do empregado. Antes de adentrar as especificidades de cada um, cumpre enaltecer que jornada de trabalho não é apenas o tempo efetivamente trabalhado, mas sim, conforme artigo 4º da CLT, o tempo do empregado à disposição do empregador, esteja o trabalhador aguardando ou executando ordens.

Ainda, dentro do conceito de “tempo à disposição”, A lei 13.467/17 introduziu o parágrafo 2º no artigo 4º da CLT, que informa o que não será computado como período extraordinário, não sendo considerado tempo à disposição do empregador, aquele que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no §1º do art. 58 da CLT, nos casos em que o empregado, por sua opção, havendo insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, buscar proteção pessoal, ou ainda, adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, para: práticas religiosas; descanso; lazer; estudo; alimentação; atividades de relacionamento social; higiene pessoal; troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa; entre outras.

Sobre o tema, cumpre pontuar ainda que, com a reforma, houve o fim das horas in itinere, ou seja, não é mais considerado como tempo à disposição do empregador, o tempo gasto pelo empregado com o deslocamento de sua residência até o local de trabalho.

No mais, destaca-se o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) acerca dos itens V, VII e VIII do parágrafo 2º do artigo 4º da CLT:

Súmula 366 do TST: “CARTÃO DE PONTO. REGISTRO. HORAS EXTRAS. MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO (nova redação) -Res. 197/2015 -DEJT divulgado em 14, 15 e 18.05.2015. Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal, pois configurado tempo à disposição do empregador, não importando as atividades desenvolvidas pelo empregado ao longo do tempo residual (troca de uniforme, lanche, higiene pessoal etc.).

Superada essa questão e retornando ao tema tratado, vale esclarecer as diferenças entre prontidão e sobreaviso.

A prontidão é o tempo à disposição do empregado ao empregador, permanecendo o empregado no local de trabalho ou local indicado pelo empregador. A escala máxima de prontidão é de 12 (doze) horas e estas horas de prontidão serão contadas como 2/3 (dois terços) do salário, para todos os efeitos, em conformidade com o artigo 244, § 3º, da CLT. Ou seja, o empregado que estiver em regime de prontidão poderá exercê-lo por no máximo 12 horas e receberá 2/3 do valor de seu salário normal pelas horas em que esteve em prontidão.

Já o sobreaviso, é tempo à disposição do empregado ao empregador, permanecendo o empregado em sua própria residência ou nos arredores. Cumpre ressaltar que, o estigma de que o trabalhador em sobreaviso deveria permanecer em sua residência já foi quebrado para muitos autores, pois esse conceito girava em torno de que para atender o sobreaviso o trabalhador deveria estar próximo ao seu telefone fixo, afinal, o celular não era uma realidade na época.

Atualmente, desde que o empregado esteja em tempo hábil de cumprir o sobreaviso, poderá estar fora de sua residência, aguardando ordens por meio telemáticos ou informatizados, como o celular, o rádio, o laptop, o bip e entre outros, tendo sua liberdade de locomoção limitada, portanto.

Em conformidade com o inciso II da Súmula 428 do TST, o empregado que, permanecer de plantão ou semelhante, aguardando ser chamado a qualquer hora para o serviço durante o período de descanso, estando este distante e sendo submetido a controle por parte do empregador por meios telemáticos ou informatizados, está submetido ao regime de sobreaviso.

Cada escala de sobreaviso é de, no máximo, 24 (vinte e quatro) horas e estas horas de sobreaviso serão contadas como 1/3 (um terço) do salário, conforme artigo 244, § 2º, da CLT.

E como fica o intervalo interjornada nos casos de sobreaviso? O intervalo interjornada é aquele concedido entre duas jornadas de trabalho, ou seja, o período de descanso do trabalhador entre um dia e outro. Segundo artigo 66 da CLT, o período de descanso entre duas jornadas, deve ser de, no mínimo, 11 horas.

Esta conciliação entre o sobreaviso e o intervalo interjornada, ainda é uma questão controversa entre os doutrinadores.

De um lado se argumenta que no sobreaviso, o empregado possui restrições de locomoção e deve estar pronto para atender quaisquer demandas e por isso, caso termine uma jornada e em seguida se inicie o sobreaviso, estaria sendo violado o intervalo interjornada. Por outro lado, entende-se que o estado de sobreaviso não configura a efetiva prestação de serviço e, portanto, não há o que se falar em direito de intervalo interjornada violado.

O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho vai de encontro ao segundo entendimento, conforme decisão abaixo:

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. 1. INTERVALO INTERJORNADA. SUPRESSÃO. HORAS DE SOBREAVISO. A submissão do empregado ao regime de sobreaviso, nos termos da Súmula 428, II/TST, não restringe, com amplitude, a sua liberdade de locomoção, tampouco implica em exercício efetivo do trabalho, podendo ele gozar, durante este período, do repouso, do lazer e da convivência familiar. Nesse contexto, não se tratando de período em que o trabalhador exerce efetivamente o labor, o sobreaviso pode ser computado como tempo de descanso para fins de reconhecimento do intervalo interjornada. Observe-se que a própria redação da Súmula 428, II/TST revela, explicitamente, a compreensão jurisprudencial de que o período de sobreaviso pode ocorrer simultaneamente ao período de descanso, nestes termos: "Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso". Registre-se, por oportuno, que, havendo a solicitação para a prestação de serviço, evidentemente que cessa o período em que o empregado apenas aguardava a convocação, passando o período a ser tratado como de efetivo serviço e, consequentemente, não podendo ser computado no intervalo interjornada. Recurso de revista não conhecido no aspecto. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 219/TST. O entendimento desta Corte é no sentido de serem inaplicáveis os arts. 395 e 404, ambos do Código Civil, em face da evidência de, na Justiça do Trabalho, não vigorar o princípio da sucumbência insculpido no Código de Processo Civil, estando a referida verba regulada pelo artigo 14 da lei 5.584/70, quando se tratar de lides decorrentes de relação de emprego, conforme é o caso dos autos. Os honorários advocatícios estão condicionados estritamente ao preenchimento dos requisitos indicados na Súmula 219 do TST, ratificada pela Súmula 329 da mesma Corte, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, entendimento confirmado pela Orientação Jurisprudencial 305 da SBDI-1, não se havendo falar em perdas e danos. Recurso de revista não conhecido.

Por fim, as alterações trazidas pelo legislador reformista, se desdobraram de maneira a afetar diretamente a matéria da jornada de trabalho, mudando diversos pontos que requerem plena atenção tanto do empregado, quanto do empregador.

Júlia Alimari
Advogada graduada em Direito pela PUC/SP. Pós-graduanda em Direito Empresarial pela FGV. Autora de diversos artigos jurídicos e científicos relacionados à advocacia empresarial e societária.

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