O tema da governança corporativa é mais comumente tratado nas ciências das finanças1, a partir da clássica obra The Modern Corporation and Private Property, na qual Adolf Berle e Gardiner Means detalham o desenvolvimento da moderna sociedade anônima (“corporation”) com a segregação entre propriedade e controle, e a proliferação de conflitos de agência.
Nessas corporações, nas quais nem sempre os administradores são os “proprietários” (ou seja, os acionistas), por diversas vezes há conflitos de interesses entre os administradores e os acionistas (em uma demonstração concreta do problema do agente-principal, tratado pela Economia). Além disso, a complexidade das relações sociais (e societárias) no mundo atual trazem novos componentes aos conflitos de interesses dentro de companhias (mesmo naquelas com um acionista controlador definido), em razão da diversidade de partes interessadas: empregados, acionistas minoritários, investidores, credores, clientes, fornecedores etc.
Assim, de modo a se conferir maior segurança ao mercado de capitais, protegendo os acionistas minoritários e permitindo o crescimento sustentável da economia, mostra-se necessário o fortalecimento de ferramentas e mecanismos que mitiguem os conflitos de agência, sendo um desses mecanismos, justamente, as chamadas “boas práticas de governança corporativa”.
Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, entende-se por governança corporativa o “sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”2.
O tema, em geral, vinha sendo tratado por meio de iniciativas de autorregulação, como o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, já citado, o Código ABRASCA de Autorregulação e Boas Práticas das Companhias Abertas, e pelos regulamentos dos segmentos especiais de listagem da B3 (como os regulamentos do Novo Mercado e do Programa Destaque em Governança de Estatais).
Nos últimos anos, porém, temos notado um claro avanço na regulação estatal relacionada à matéria, como a lei Federal 13.303/16 (que traz diversas regras de governança corporativa aplicáveis a empresas públicas e sociedades de economia mista) e a Instrução CVM 586, de 2017 (que alterou a Instrução CVM 480), que em seu art. 3º passou a exigir das companhias listadas a divulgação de Informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas, Informe esse que segue o modelo “pratique ou explique”.
Seguindo essa tendência, mostra-se salutar a positivação da regra de proibição de cumulação dos cargos de Presidente do Conselho de Administração e de Diretor-Presidente de companhia aberta, conforme o novo art. 138, § 3º, da Lei Federal nº 6.404/76 (incluído na lei das SA pela lei Federal 14.195/21 – a chamada “lei do ambiente de negócios”).
Há muito tempo os atores responsáveis pela regulação privada já recomendavam que se adotasse, como prática, a segregação das funções de chairman e CEO da mesma companhia, a fim de evitar a “concentração de poder e prejuízo ao dever de supervisão do conselho em relação à diretoria”3. A recomendação se fazia presente, por exemplo, no art. 35 do Regimento do Programa Destaque em Governança de Estatais e no art. 20 do Regulamento do Novo Mercado, ambos da B3, assim como na Instrução CVM nº 586, que exige das companhias abertas a informação sobre a adoção do Princípio 2.3 do Código Brasileiro de Governança Corporativa - Companhias Abertas:
11. Em relação ao princípio 2.3: “O presidente do conselho deve coordenar as atividades do conselho de administração buscando a eficácia e o bom desempenho do órgão e de cada um de seus membros, servindo de elo entre o conselho de administração e o diretor-presidente”
a. informar se o emissor: “o diretor-presidente não deve acumular o cargo de presidente do conselho de administração”
b. no caso da não adoção da prática, apresentar, em linha com as orientações do Código, a justificativa do emissor sobre o assunto, informando as eventuais práticas alternativas adotadas para evitar que a concentração de poderes de presidente do conselho e diretor- presidente prejudique o monitoramento da atuação da diretoria pelo conselho de administração
Assim, a regra positivada pela lei do Ambiente de Negócios é um importante aceno em prol da institucionalização das boas práticas de governança corporativa, o que se torna ainda mais relevante quando consideramos a grande força que a pauta ESG possui na atualidade.
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1- Ver, para todos: ROSSETI, José Paschoal. ANDRADE, Adriana. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. 7ª edição. São Paulo: Atlas. 2019.
2- Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Código das melhores práticas de governança corporativa. 5ª edição. São Paulo: IBGC. 2015, p. 20.
3- Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Código das melhores práticas de governança corporativa. 5ª edição. São Paulo: IBGC. 2015, p. 49