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A nova lei de licitações e a contratação para fornecimento de energia elétrica

Passados quase trinta anos, nova lei de licitações é publicada e traz novidades interessantes acerca da contratação de concessionárias de serviços públicos para fornecimento de energia elétrica

2/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Publicada em 1º de abril de 2021 a lei 14.133/2021, conhecida como a nova lei de licitações, trouxe diversas alterações no ordenamento jurídico, com especiais mudanças nas regras de contratação pelo Poder Público de concessionárias para fornecimento ou suprimento de energia elétrica.

Da análise da citada lei, em especial do seu artigo 1931, verifica-se que foram revogados, na data da sua publicação, os artigos 89 a 108 da antiga lei de licitações (lei 8.666/1993) e que será revogada, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial, a totalidade da lei 8.666/1993.

Daí se depreende que coexistirão, até o ano de 2023, as leis 14.133/2021 e 8.666/1993, sendo que os entes públicos poderão aos poucos se adaptar às mudanças trazidas, além disso, esse prazo também será importante para que a jurisprudência e a doutrina se firmem sobre o tema.

Posto isso, é importante esclarecer que, para os casos de contratação para fornecimento ou suprimento de energia elétrica com as concessionárias ainda há a previsão para contratação com dispensa de licitação, como se vê da redação do artigo 24, XXII da lei 8.666/19932, constante da parte ainda não revogada da lei.

Sobre esse ponto, destaca-se que, ao comparar a lei 8.666/1993 com a nova lei de licitações 14.133/2021, verifica-se que a redação de dispensa de licitação para contratação de fornecimento de energia elétrica com as concessionárias não se repetiu, eis que não consta do rol trazido pelo artigo 75 da nova lei e, tampouco constou do rol de inexigibilidades de licitação trazido no artigo 74.

Contudo, restou expresso no caput do artigo 75 ser inexigível a licitação quando inviável a competição. Essa redação reitera a já disposta no artigo 25 da lei 8.666/1993 e trata da inviabilidade da competição em razão da ausência de alternativas de contratação, ou seja, quando não há pluralidade de fornecedores para executar o serviço.

Será então com essa nova roupagem legal, de inexigibilidade de licitação por ausência de concorrência, que se encaixarão as contratações de concessionárias para fornecimento de energia elétrica eis que, comumente, são os únicos fornecedores, em especial para municípios menores e localizados no interior dos estados.

Assim, nossa análise parte então para o artigo 72 da lei 14.133/2021 que dispõe acerca da contratação direta, compreendendo os casos de dispensa e de inexigibilidade de contratação, esta última amparada pela ausência de outros fornecedores. O citado artigo exige a instrução do processo de contratação com alguns documentos, dispostos nos seus incisos de I a VIII3.

Diante dessas novas exigências legais se tornará necessário o ajuste dos contratos firmados entre o Ente Público e as Concessionárias de fornecimento de energia elétrica para que deles constem, em especial, as estimativas de despesas, eventuais pareceres e estudos técnicos e jurídicos, comprovações de compatibilidade das previsões, justificativa do preço e autorizações das autoridades competentes, dentre outros.

Nesse ponto, destaca-se que o cumprimento do requisito específico disposto no inciso IV do artigo 72, qual seja, a demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido é obrigação do contratante, ou seja, do ente público que deseja realizar a contratação direta, eis que deverá demonstrar, além da correção dos valores, por meio de estimativas (art. 72, II da lei 14.133/2021), também a capacidade de arcar com as despesas previstas no instrumento contratual.

Outra ênfase a se dar é acerca da novidade expressa no artigo 73 da lei 14.133/2021 sobre a existência de responsabilidade solidária entre o agente público contratante e o contratado em caso de contratação direta indevida4, entendida como aquela ocorrida com dolo, fraude ou erro grosseiro, pelos danos causados ao erário, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

Diante da publicação da nova lei de licitações e a coexistência dos dois ordenamentos jurídicos, com especiais dessemelhanças acerca das contratações diretas, passaram a preocupar gestores e concessionários a necessidade de alterações nos contratos em vigor.

Todavia, entende-se que, no momento, não há necessidade de precipitações para que sejam firmados novos contratos, tendo em conta que, como já mencionado, os contratos firmados com base na lei 8.666/1993 poderão permanecer válidos até abril de 2023, quando haverá a revogação total da lei e já estarão devidamente firmadas doutrina e jurisprudência sobre o tema.

Por fim, caso se opte por firmar novo contrato com base na lei 14.133/2021, será necessário atentar-se à impossibilidade de falar-se em dispensa da licitação com fundamento no artigo 24, XXII da lei 8.666/1993 e sim em inexigibilidade de licitação com base no caput do artigo 74 da lei 14.133/2021 em razão da inviabilidade da competição.

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1 Art. 193. Revogam-se:

I - os arts. 89 a 108 da lei 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta lei;

II - a lei 8.666, de 21 de junho de 1993, a lei 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da lei 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta lei.

2 Art. 24. É dispensável a licitação:

[...]

XXII - na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica;

3 Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:

I - documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;

II - estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta lei;

III - parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;

IV - demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;

V - comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;

VI - razão da escolha do contratado;

VII - justificativa de preço;

VIII - autorização da autoridade competente.

Parágrafo único. O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial.

4 Art. 73. Na hipótese de contratação direta indevida ocorrida com dolo, fraude ou erro grosseiro, o contratado e o agente público responsável responderão solidariamente pelo dano causado ao erário, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

Fernanda Regina Negro de Oliveira
Coordenadora jurídica no Escritório Ernesto Borges, atuando no contencioso estratégico e consultivo. Especialista em Direito Empresarial pela FGV e estudando Direito Societário no Insper.

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