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Resolução de fiscalização da ANPD: aplicação de sanções e a segurança jurídica

É essencial que as disposições da resolução sejam ajustadas, principalmente, para que garantam todos os direitos das partes envolvidas, a fim de que se tenha uma regulação concisa e que esteja de acordo com as normas e princípios basilares do processo civil e do processo administrativo brasileiro.

1/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 28/5/21, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou consulta pública sobre sua norma de fiscalização para regulamentação das sanções administrativas a serem aplicadas aos agentes de tratamento de dados pessoais, previstas no artigo 52 e seguintes da lei 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD).

A Autoridade divulgou que o objetivo do normativo é alcançar maior conformidade no cenário regulatório atinente à proteção de dados para os regulados, bem como aplicar sanções quando necessário. Para tanto, teria seguido a lógica da regulação responsiva, isto é, adotado mecanismos de incentivos positivos e negativos, desde o monitoramento, a orientação, a prevenção e aplicação das sanções, de acordo com a gravidade das infrações à LGPD.

Porém, submetida à consulta pública, o cenário acabou se mostrando diverso daquele aparentemente pretendido pela ANPD, tendo a norma chamado a atenção dos seus futuros regulados em pontos bastante relevantes, especialmente no que diz respeito ao processo administrativo sancionador, previsto no título III da futura resolução.

O título apresenta diversos pontos potencialmente problemáticos, que serão analisados neste artigo. Para a efetiva concretização da proteção de dados, é necessário que tais questões sejam corretamente avaliadas e revistas.

(i) Da Instauração do Processo

O ato administrativo instaurador do procedimento sancionador deve estar revestido de todos os requisitos legais para que haja o devido direito à defesa e ao contraditório, com a especificação da conduta que levou à sua instauração, assim como a indicação dos dispositivos legais violados. Esses relevantes pontos não restaram adequadamente previstos no artigo 42 da Resolução, necessitando a norma de ajustes a fim de regular a necessidade de fundamentação das razões pelas quais a ANPD decidiu instaurar o processo sancionador.

A necessária fundamentação do ato também deve estar prevista no artigo 48 da norma, que trata sobre o incidente de avocação, isto é, situação excepcional que determina o prosseguimento do processo sancionador contrariamente à indicação original de arquivamento, de forma a garantir ao autuado a possibilidade de apresentação de suas razões para o arquivamento do processo.

Da mesma forma, o artigo 43 da Resolução, ao não prever a recorribilidade do despacho instaurador do processo, também causa danos ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Nesse caso, há que se levar em consideração que, com o aumento da importância da proteção de dados atualmente, a mera instauração do processo administrativo sancionador configura um risco reputacional ao autuado. Assim, a inexistência de previsões de meios para recorrer do despacho é uma omissão da Resolução que não pode se manter.

Além disso, é essencial que o auto de infração, ato administrativo que inicia e delimita o objeto do procedimento sancionador, descreva a conduta supostamente violadora, os indícios de prova que indiquem a violação, assim como os dispositivos legais em que é enquadrada a conduta e a indicação da possibilidade da celebração de termo de ajustamento de conduta. Caso o auto de infração não inclua tais descrições, estará revestido de nulidade e, além disso, trará dificuldades para o devido cumprimento do contraditório e da ampla defesa.

(ii) Do arrependimento e do termo de ajustamento de conduta

A resolução editada pela ANPD também traz insegurança jurídica com relação ao arrependimento, à reparação de danos e à forma do termo de ajustamento de conduta a ser realizado entre o autuado e a ANPD.

Apesar de prever o arrependimento como forma de correção voluntária de danos e consequente arquivamento do processo administrativo, não há na Resolução qualquer especificação sobre como deve ser feita a correção ou a reparação de danos.

É necessário que conste do despacho instaurador do processo administrativo sancionador (artigo 43 da Resolução) a forma ou medida a ser adotada pelo agente autuado para a reparação dos danos, trazendo clareza ao agente autuado acerca da medida que a ANPD entende como suficiente para corrigir o ilícito e consequentemente arquivar o processo. Tal questão é, inclusive, de grande relevância sob o enfoque do Código de Processo Civil (CPC), que valoriza meios alternativos de solução de controvérsias e busca evitar lides desnecessárias.

Na mesma linha, o Termo de Ajustamento de Conduta também deve ter seu panorama geral traçado pela Resolução, de modo que sejam especificados requisitos mínimos à sua lavratura, a fim de guiar as partes e garantir maior previsibilidade, inclusive evitando novos processos acerca da matéria acordada. Como comparativo, observa-se que o General Data Protection Regulation (GDPR), em seu artigo 47.2, traz diretrizes dos requisitos para os acordos entre a autoridade de fiscalização e o autuado - os chamados binding corporate agreements.

(iii) Da instrução processual

De acordo com o artigo 53 da Resolução, a fase de instrução terá início com a expedição de intimação ao agente de tratamento, sendo indicado o prazo de dez dias para a apresentação de defesa. No entanto, não há qualquer informação sobre a contagem de prazo no caso de o procedimento envolver mais de um agente de tratamento autuado, como ocorre na dinâmica do CPC, em seu artigo 229, por exemplo. Considerando que o prazo em dobro pode ser importante para casos em que controlador e operador estejam envolvidos no mesmo procedimento, seria necessária a inclusão, no artigo 7o da Resolução, de previsão expressa quanto à contagem de prazo para procedimentos que envolvam mais de um autuado.

O artigo 54 da Resolução, por sua vez, prevê a possibilidade de a ANPD admitir “novas provas” ao processo após a lavratura do auto de infração ou após o prazo de defesa. Esse artigo claramente não atende ao princípio da não surpresa no CPC, e pode revelar-se como fator de insegurança jurídica, uma vez que possibilita que o autuado seja surpreendido pela produção de novas provas e realização de diligências pela ANPD, as quais poderão ser utilizadas como fundamento decisório. Deve a norma resguardar o direito do autuado de ser sempre intimado a se manifestar sobre provas e diligências realizadas e juntadas aos autos após o prazo de defesa.

(iv) Da defesa

O artigo 57 da Resolução possibilita o indeferimento do pedido de produção de provas. No entanto, é primordial que esse artigo preveja a necessidade de fundamentação da decisão que indefere provas, bem como o cabimento de recurso, a fim de garantir os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

 No caso de se entender ser incabível um recurso específico contra tal indeferimento, a questão não deve ser abarcada pela preclusão, devendo ser passível de reapreciação como preliminar de eventual recurso administrativo contra decisão de mérito, nos moldes do artigo 1.009, § 1º, do CPC.

Ponto que também chamou a atenção na Resolução é o tratamento dado à prova pericial e ao processo de escolha de peritos. O artigo 58, inciso II, da Resolução regula que “o interessado poderá formular quesitos suplementares e requerer esclarecimentos ao perito”. Este é um exemplo da necessidade de harmonização dos termos da Resolução, pois o uso indistinto de “interessado” causa problemas na compreensão do comando legal, já que esta terminologia não se contrasta com o “terceiro interessado”.

Adicionalmente, não estão expressamente previstos na resolução o momento e o prazo para formulação desses quesitos e esclarecimentos. Tais questões remetem ao amplo debate que se formou no âmbito do artigo 469 do Código de Processo Civil, cujo objeto era justamente a necessidade de segurança jurídica e a ausência de previsibilidade nos termos da redação do artigo. Além disso, busca-se garantir que o agente de tratamento tenha direito à apresentação de quesitos, em momento útil e adequado no curso do processo.

Também se verifica que a norma não prevê quaisquer critérios para nomeação dos peritos. A resolução sequer determina quais as hipóteses que ensejarão cada um dos casos expressos no inciso III, do seu artigo 58. Essa determinação é fundamental para o bom exercício do contraditório. Ademais, em casos de divergência entre os interesses das partes, de quem é a responsabilidade por tomar a decisão acerca do perito a assumir o encargo?

Outra questão controversa na Resolução diz respeito à apresentação de fatos novos, que está limitada ao momento entre a defesa e a instrução. Além de não restar clara a oportunidade para sua apresentação, já que a defesa, conforme previsto na norma, é parte da instrução, e considerando que fatos novos são aqueles que não existiam ou dos quais a parte não tinha ciência até o momento de sua manifestação, restringir o momento de sua apresentação – impossível no processo civil – viola a ampla defesa, pois limita as alegações do autuado e pode, inclusive, interferir na decisão final da ANPD.

(v) Da decisão e do recurso

A LGPD determina, em seu artigo 53, que a ANPD definirá as metodologias que orientarão o cálculo do valor-base das sanções de multa. Todavia, a resolução é omissa nesse ponto. Além disso, os parâmetros para aplicação de multas previstos na LGPD não parecem atentar para o fato de que o agente de tratamento pode ser, ainda que em casos mais excepcionais, uma pessoa natural. Mostra-se relevante que a norma fiscalizatória aborde de maneira expressa tais pontos, para que os autuados tenham ao menos uma previsão de sua exposição financeira no momento em que recebem o auto de infração, e não sejam surpreendidos com multas exorbitantes e desproporcionais.

Por fim, e talvez um dos pontos mais críticos da resolução, diz respeito à previsão do § 1º, do artigo 70, da Resolução. Isso porque, de acordo com o referido dispositivo, da apreciação do recurso pode “decorrer gravame à situação do recorrente”, ou seja, pode haver uma reforma que piore a situação do recorrente. Tal previsão configura grave ilegalidade na Resolução, em clara afronta ao princípio da vedação a reformatio in pejus, aplicável tanto ao processo civil, como ao processo administrativo. É evidente a necessidade de supressão do referido parágrafo da norma.

(vi) Conclusão

É possível verificar que a Resolução possui diversas disposições controversas, que devem ser revistas antes de sua entrada em vigor. Como hoje se apresenta, a norma pode gerar insegurança por parte dos regulados, além de tornar desafiadora sua futura implementação.

Considerando a extrema importância da proteção de dados, bem como a necessidade da correta e transparente regulamentação do processo sancionador em caso de violação às normas impostas pela LGPD, é essencial que as disposições da resolução sejam ajustadas, principalmente, para que garantam todos os direitos das partes envolvidas, a fim de que se tenha uma regulação concisa e que esteja de acordo com as normas e princípios basilares do processo civil e do processo administrativo brasileiro, a exemplo da ampla defesa, contraditório e proibição da reformatio in pejus.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2021. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS

Beatriz Pyrrho
Associada de Pinheiro Neto Advogados. Pós-graduada pela PUC-Rio. Especialista em Propriedade Intelectual e Tecnologia.

Carolina Portella Izay
Associada de Pinheiro Neto Advogados.

Daniela Seadi Kessler
Associada de Pinheiro Neto Advogados.

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