Baseada no melhor interesse do menor, a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo permitiu o reconhecimento do instituto da multiparentalidade e consentiu que fosse incluído os nomes dos pais biológicos e socioafetivos no registro de nascimento de menor de idade.
A decisão do Tribunal veio no sentido de reformar o juízo da primeira instância que autorizava a inclusão do nome do pai biológico desde que fosse retirado o nome do pai socioafetivo. Todas as partes envolvidas recorreram da decisão, visto que pretendiam fazer constar na certidão de nascimento da criança a relação biológica, bem como a afetiva.
A desembargadora Hertha Helena de Oliveira tratou que os genitores, bem como o pai socioafetivo, buscaram juntos reconhecer a multiparentalidade existente, e tratou que o instituto “família” vem sofrendo diversas alterações durante os anos e que, não é possível fechar os olhos para novas configurações familiares, ainda que a legislação não as preveja.
Nesse sentido, é importante trazer o que preceitua Pietro Perlingieri1, quando trata que “o sangue e o afeto são razões autônomas de justificação para o momento constitutivo da família, mas o perfil consensual e a affectio constante e espontânea exercem cada vez mais o papel de denominador comum de qualquer núcleo familiar. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em comunhão espiritual e de vida.”
Cada vez mais mutável, o conceito de família saltou de uma percepção unicamente biológica e passou a aceitar novos arranjos familiares. Dentro desses novos aspectos, podemos ressaltar a parentalidade socioafetiva, que se caracteriza como o vínculo existente entre pessoas que não possuem ligações biológicas, construídas unicamente pelo afeto. Por outro lado, temos a multiparentalidade, que é a possibilidade de inserção de duplicidade de mãe ou pai no registro civil da criança. Deste modo, a certidão passa a constar o nome de dois pais ou duas mães: o biológico e o afetivo.
O direito de família, disposto na norma brasileira, aceita uma cadeia de vínculos como satisfatórios para se estabelecer a filiação. Os elos biológicos, presuntivos, afetivos, adotivos ou aqueles que provem de reprodução assistida caminham lado a lado no sistema jurídico, todos sujeitos a legitimar uma relação de parentesco.
A pluralidade dos laços familiares, a cada dia, ganha mais espaço na realidade brasileira. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 622 de repercussão geral2, fixou a seguinte tese para aplicação em casos semelhantes, segundo a qual "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios", tese que serviu de fundamento para a decisão do TJ.
A desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo completou trazendo que "os estudos técnicos acostados aos autos apontam a socioafetividade entre o pai registral e o menor. Não se pode ser ignorado o princípio do melhor interesse da criança, sendo que no presente caso a manutenção do pai registral e a inclusão do pai biológico trará benefícios ao menor, tendo em vista a boa convivência entre as partes".
Vejamos que a circunstância que legitima, no caso em tela, a relação familiar é o afeto. Com a mudança de paradigmas a afetividade alçou o nível de direito fundamental, visto ser intrínseca ao princípio da dignidade pessoa humana, não restando dúvidas, portanto, que constitui uma importante fonte no Direito Contemporâneo, estabelecendo mudanças essenciais na forma em que olhamos e lidamos com as constituições familiares nos dias atuais.
1 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao direito civil-constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 244.
2 RE 898060, Tribunal Pleno/STF, Ministro Relator Luiz Fux, Dje. 24/08/2017. Disponível aqui.