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Gravação ambiental e esfera corporativa: meio de prova ou ilicitude?

Diante da indefinição sobre o tema e o seu alcance legal, devem as empresas, em conjunto com seu departamento jurídico, atentar-se ao máximo aos seus procedimentos internos e de controle, observando caso a caso, a fim de se evitar que seus colaboradores utilizem indevidamente gravações ambientais realizadas por um dos interlocutores sem o conhecimento de outro.

30/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O avançar tecnológico fez diminuir substancialmente a privacidade do cidadão e, por consequência, o livre desenvolver de sua atividade profissional. Gravação ambiental, monitoramento eletrônico, biometria, aplicativos de mensagens instantâneas, redes sociais: qual o limite do direito à privacidade dentro do ambiente corporativo?

Empresas e colaboradores, seja qual for o ramo de atuação, buscam entender e equilibrar essa balança, a fim de que seja possível diferenciar e separar o “privado” do “profissional”. Importante, portanto, tenha o colaborador ciência inequívoca de sua atividade, função, possibilidades e limites atrelados ao seu cargo.

E, para isso, deve a empresa disponibilizar o máximo de informações sobre o assunto, com códigos de ética e conduta acessíveis, em regular atendimento à legislação constitucional e infraconstitucional, sob pena de eventual responsabilização administrativa, trabalhista, cível e, por consequência, criminal.

Porém, ainda que disponha a empresa de diversos instrumentos preventivos e de controle em atendimento às exigências legais, toda a sua atuação institucional depende diretamente do que é decidido pelo Poder Judiciário.

Exemplo dessa relação e do alerta que devem ter empresa e seus dirigentes com relação a seus colaboradores é a decisão judicial proferida no mês de abril deste ano, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região. Em sede de Reclamação Trabalhista, entendeu-se que a gravação realizada por uma colaboradora (a reclamante) - uma das interlocutoras de uma conversa em um aplicativo de mensagens com a participação da empresa - sem o consentimento da parte adversa (reclamada), constitui prova idônea, aceitável, ou seja, lícita1.

Ou seja, a Justiça do Trabalho entendeu que a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores da mensagem não constitui qualquer violação legal, muito menos ética ou em descumprimento às funções de sua atividade profissional. Pelo contrário, considerou como lícita e absolutamente aceitável a sua utilização em sede judicial como prova em desfavor de seu empregador, não obstante a alegação de clandestinidade por parte deste.

Tal posicionamento nada tem de novo. Foi proferido em consonância com o que vem sendo decidido pelos Tribunais Superiores desde o ano de 20092.

Por outro lado, no mês de junho deste ano iniciou-se discussão acerca de novo entendimento sobre o tema, a partir de decisão proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Isso porque, em recentíssima sessão de julgamento do Recurso Extraordinário 1.040.515, oriundo do Tribunal Superior Eleitoral3, o Ministro Alexandre de Morais afirmou ser a gravação ambiental, ainda que realizada por um dos interlocutores da conversa, prova ilícita e, portanto, impossível sua utilização em sede de procedimento investigatório (inquérito policial, por exemplo) ou processual. Argumentou que com a entrada em vigor do famoso “pacote anticrime”, especialmente no que tange ao seu artigo 8-A4, toda e qualquer gravação ambiental precederia de autorização judicial.

Referido entendimento, proferido em sede de matéria mista (eleitoral/criminal), se deu no bojo de uma ação onde se apura um suposto crime cometido por uma parlamentar durante seu mandato. E, sobre tal, ou seja, o uso de gravação ambiental que envolva matéria criminal, o próprio Supremo Tribunal Federal já vinha decidindo desde o ano de 2019 por sua legalidade - mas tão somente se utilizada em favor da defesa, jamais para fins acusatórios e/ou em induzimento para o cometimento de ilícito penal.

Justamente por conta disso, a Suprema Corte reconheceu a repercussão geral sobre o tema em questão e, pelo menos no que tange à citada discussão eleitoral, deverão os Ministros decidir a extensão desse entendimento e sua aplicabilidade5.

Em razão da natureza e matéria do julgamento, não pôde o Ministro Alexandre de Moraes se debruçar sobre outro ramo de estudo que não o eleitoral/criminal.  Todavia, por óbvio, uma vez concretizado esse entendimento também em âmbito eleitoral, deverá a decisão judicial produzir significativo impacto em outros ramos de atuação que não apenas o criminal, ante a necessidade objetiva de melhor preservar, em sua essência, a privacidade e intimidade, direitos fundamentais previstos no artigo 5º, da Constituição Federal de 1988.

Fato, portanto, que diante da indefinição sobre o tema e o seu alcance legal, devem as empresas, em conjunto com seu departamento jurídico, atentar-se ao máximo aos seus procedimentos internos e de controle, observando caso a caso, a fim de se evitar que seus colaboradores utilizem indevidamente gravações ambientais realizadas por um dos interlocutores sem o conhecimento de outro, seja em ambiente interno seja em sede judicial.

_________

1 Disponível aqui.

2 “Tema 237”2, do próprio Supremo Tribunal Federal, na linha, inclusive, do “Informativo criminal 680”2, do Superior Tribunal de Justiça.

Matéria iniciada sua análise no ano de 2017.

4 Artigo 8-A da lei 13.964/2019: Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando: I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas”.

5 Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a sua repercussão geral e, desde então, encontra-se em análise a matéria.

Pedro Beretta
Sócio do escritório Höfling Sociedade de Advogados.

Giovanna Ferrari
Advogada de Höfling Sociedade de Advogados, pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela PUC e especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de São Paulo.

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